AbdonMarinho - Armários do saber.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 28 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Armários do saber.


Armários do saber.

Por Abdon C. Marinho*.

LEONEL BRIZOLA (19222004), politico que fez car­reira no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, cos­tu­mava dizer que a edu­cação não era cara, o que, efe­ti­va­mente, era cara era a ignorância.

Dizia isso, sobre­tudo, depois de, retor­nando do exílio, em 1979, e eleger-​se gov­er­nador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, ini­ciar o pro­grama dos Cen­tros Inte­gra­dos de Edu­cação Pública, os CIEP’s.

Há quarenta anos Brizola enx­er­gava a importân­cia da edu­cação de qual­i­dade na vida de cri­anças e na con­strução de um país.

Aliás, nas palavras de Mon­teiro Lobato: “uma nação se faz com homens e livros”.

Em meus vagares fico imag­i­nando se ao invés de crit­i­cas todos os gov­er­nantes do Brasil, do prefeito ao pres­i­dente, pas­sando pelos gov­er­nos estad­u­ais, tivessem seguido o exem­plo de Brizola e apos­tado com seriedade na edu­cação inte­gral de nos­sas cri­anças.

Estaríamos com tan­tos jovens amar­gando as incertezas da vida, da mar­gin­al­i­dade? Estaríamos com um país mel­hor? Teríamos nos lib­er­tado dos armários da ignorân­cia?

Outro que sem­pre cito ao falar ou debater sobre a edu­cação pública nacional, Cristo­vam Buar­que, dizia lá atrás, há mais de vinte anos, pelo menos, que o ensino fun­da­men­tal do país dev­e­ria ser fed­er­al­izado, ou seja, que o gov­erno fed­eral dev­e­ria “tomar de conta” e não os municí­pios.

Muito emb­ora, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, a edu­cação seja respon­s­abil­i­dade de todos – “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o tra­balho” –, a própria Carta esta­b­ele­ceu que os municí­pios pri­or­i­tari­a­mente atu­ar­iam na edu­cação infan­til e no ensino fun­da­men­tal; Esta­dos e Dis­trito Fed­eral, no ensino fun­da­men­tal e médio; e a União “o sis­tema fed­eral de ensino e o dos Ter­ritórios, finan­ciará as insti­tu­ições de ensino públi­cas fed­erais e exercerá, em matéria edu­ca­cional, função redis­trib­u­tiva e suple­tiva, de forma a garan­tir equal­iza­ção de opor­tu­nidades edu­ca­cionais e padrão mín­imo de qual­i­dade do ensino medi­ante assistên­cia téc­nica e finan­ceira aos Esta­dos, ao Dis­trito Fed­eral e aos Município”.

Em escritos mais recentes, Buar­que assenta que o prob­lema edu­ca­cional do país alicerça-​se na desigual­dade do sis­tema ensino que não ofer­ece as mes­mas opor­tu­nidades a todas as cri­anças e ado­les­centes; e ainda que os entes respon­sáveis dev­e­riam envi­dar os esforços necessários para que as cri­anças chegassem aos 08 (oito) anos de idade alfa­bet­i­zadas em pelo menos duas lín­guas.

Desde sem­pre que sou um entu­si­asta e defen­sor da edu­cação pública e de qual­i­dade. Fui dos que foi “pra rua” nos anos oitenta exigindo mel­ho­rias, que brigou pelas garan­tias de tal qual­i­dade e val­oriza­ção dos edu­cadores na Con­sti­tu­ição, que defendeu o FUN­DEF, o FUN­DEB e todas demais matérias rela­cionadas as mel­ho­rias do ensino no país. Logo, não estranho quando escuto sobre VAAT, VAAR, SAEB, ENEM, PISA e diver­sas out­ras siglas.

É dizer, não me é descon­hecido qual­quer tema rela­cionado à edu­cação nacional – talvez não saiba tanto quanto um pres­i­dente de sindi­cato que passa o dia inteiro estu­dando ou falando sobre o assunto, mas não passo “ver­gonha” –, ainda mais agora que por “ossos” do ofí­cio tenho o dever de con­hecer.

Faço tais digressões para pon­tuar que em mais quarenta anos de “mil­itân­cia” jamais tinha ouvido falar na “tese” com que deparei nos últi­mos dias.

À guisa de criticar a “per­for­mance” dos estu­dantes maran­henses no último Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, um dos can­didatos der­ro­ta­dos no último pleito estad­ual, em réplica ao secretário respon­sável pela pasta disse que o maior prob­lema do mesmo seria o fato dele (secretário) não se “assumir” conclamando-​o “a sair do armário”, que “ficaria mais bonito”.

Como estu­dioso (ou, ao menos, curioso) do assunto, nem na hora que me chegou a notí­cia ou mesmo decor­rido dias das exor­tações não con­segui “alcançar” a linha de raciocínio do “crítico”. Afi­nal, o que teriam os “armários” onde, suposta­mente, autori­dades se “guardariam” com os indi­cadores edu­ca­cionais?

Vejam, tanta gente por tanto tempo estu­dando alter­na­ti­vas para o drama edu­ca­cional brasileiro sem nem descon­fiar a solução seria tão sim­ples: abrir os armários.

Rapaz, ninguém pode­ria descon­fiar de tal coisa.

Na per­spec­tiva do opos­i­tor, imag­ino que todos os saberes este­jam den­tro dos armários junto com as autori­dades. Abrindo-​se se as por­tas dos armários para que as autori­dades pos­sam sair, os prob­le­mas edu­ca­cionais estarão resolvi­dos.

Os saberes “lib­er­a­dos” dos armários estarão disponíveis para as cri­anças e ado­les­centes e “choverão” notas altas nas avali­ações.

Será que o mesmo raciocínio fun­ciona para out­ras áreas do Estado?

Aber­tas as por­tas dos armários da infraestru­tura sur­girão viadu­tos, rodovias, estradas nov­in­has para per­cor­re­mos.

Aber­tas as por­tas dos armários da saúde, os hos­pi­tais públi­cos ficarão um pri­mor, não fal­tarão leitos ou vagas, os médi­cos estarão sem­pre disponíveis em quais­quer espe­cial­i­dades. É até pos­sível que ninguém mais nem adoeça.

Nessa mesma esteira podíamos fazer uma cam­panha “abaixo os armários”. Tudo seria muito mais fácil.

Resolvido: por um mundo sem armários!

Não é descabido pen­sar que na even­tu­al­i­dade do cidadão chegar ao poder algum dia ter­e­mos um gov­erno “sem armários”, um gov­erno “de por­tas aber­tas”. Se o cidadão entende que os prob­le­mas se resolve “sem armários”, não tem nada mais fácil de se resolver.

Se o leitor que chegou até aqui perce­beu que estou sendo irônico podemos continuar.

Já escrevi diver­sas vezes sobre a chamada “ofensa gay” – inclu­sive tem um texto com esse título –, dizendo que acho incom­preen­sível, em pleno século XXI, que pes­soas, públi­cas ou não, “tachem” out­ras gays, ou cobrem que se “assumam” ou que “saiam do armário” não intenção de “ofendê-​las”.

Mais, que pes­soas, públi­cas ou não, sintam-​se “ofen­di­das” por terem sido chamadas assim.

Ser gay é algo tão abom­inável a ponto ser uti­lizado como sucedâ­neo de ofensa?

As excelên­cia que se uti­lizam disso para “ofender” ou as que se sen­tem “ofen­di­das” dis­pen­sam os votos dessas pes­soas (da sopa de letrin­has) nas eleições?

Nesse der­radeiro episó­dio, que me parece, a “ofensa gay” foi uti­lizada para “ofender” – pois não con­sigo “enx­er­gar” lig­ação entre o resul­tado obtido no ENEM pelos estu­dantes da rede estad­ual com supos­tos armários onde, por­ven­tura, alguma autori­dade esteja homiziada –, a reação no campo “oposto” pelo menos indi­re­ta­mente, foi de quem a rece­beu como “ofensa” – basta ver a reação dos diver­sos escribas alin­hados ao “ofen­dido” que saíram em defesa do mesmo acu­sando o “ofen­sor” de “baixaria”.

Então ficamos assim: de um lado pes­soas que uti­lizam, insin­uam sobre a condição sex­ual de out­rem na intenção de ofender; de outro, pes­soas que recebem tais insin­u­ações como “ofen­sas”; no meio, cri­anças e ado­les­centes que ape­nas querem uma edu­cação igual­itária e de qual­i­dade.

Os armários que inter­es­sam a essas cri­anças e ado­les­centes são os armários das esco­las onde pos­sam guardar seus mate­ri­ais didáti­cos, para­didáti­cos, esportivos, etc., de prefer­ên­cia em esco­las onde pos­sam pas­sar o dia inteiro estu­dando e apren­dendo.

Fora desses out­ros não inter­es­sam a elas.

O que nos resta é a tor­cida para que algum dia as pes­soas se lib­ertem dos seus armários da ignorân­cia e come­cem a tratar as pes­soas com a seriedade que é dev­ida por todos a todos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.