AbdonMarinho - CARTA A ISABELA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 16 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

CARTA A ISABELA.

CARTA A ISABELA.
Minha cara Isabela,
Li o que escrevestes sobre o meu estado e o nosso povo. Não senti, em relação a você, ódio, raiva ou desejo de vin­gança — li e ouvi de muitos maran­henses que dev­e­rias respon­der crim­i­nal­mente por pre­con­ceito con­tra o povo, o min­istério público já fala que irá pro­por ação neste sen­tido. Dis­cordo disso. Dis­cordo até das man­i­fes­tações que fiz­eram con­tra você. O meu sen­ti­mento foi e é de pena.
Custa-​me crer que uma moça bem cri­ada, que deve ter fre­quen­tado as mel­hores esco­las de sua terra — que, difer­ente de você, respeito e admiro — mostre tanta ignorân­cia em relação à cul­tura de um povo.
A cul­tura de um povo não é para ser bela, feia, pobre ou rica, é, sim, para iden­ti­ficar um povo onde quer que ele esteja.
Assim, quando você, em qual­quer lugar do mundo, ver uma pes­soa usando bom­bachas e tomando uma cuia de chi­mar­rão, você imag­ina que aquela pes­soa é da sua terra, se não do Rio Grande, de algum estado próx­imo. Neste momento você cria com aquela pes­soa uma empa­tia, um sen­ti­mento de acol­hi­mento. Acon­tece o mesmo conosco, quando, em qual­quer lugar ouço uma toada, uma matraca, uma zabumba ou uma orques­tra iden­ti­fico com o meu Maran­hao. Com uma saudade da minha terra, dos meus ami­gos, do meu povo.
Não existe cul­tura infe­rior ou supe­rior, pobre ou rica, repito, exis­tem cul­turas difer­entes. E todas mere­cem o respeito das pes­soas civ­i­lizadas, prin­ci­pal­mente daque­las que acham que pos­suem uma cul­tura «rica». Aliás, destas, já tem o respeito, pois elas sabem o que sig­nifica cul­tura.
Sabe, minha cara, já faz muito tempo que os europeus, a quem, provavel­mente, achas pos­suidores de uma cul­tura supe­rior, fiz­eram suas autocríti­cas sobre os equívo­cos que come­teram quando se trans­for­maram em con­quis­ta­dores de povos e ten­taram impor sua cul­tura em sub­sti­tu­ição às man­i­fes­tações cul­tur­ais locais dos povos con­quis­ta­dos.
Com­preen­deram aquilo que você ainda é inca­paz de enten­der: que o tam­bor de crioula, o bumba-​meu-​boi, os rit­u­ais africanos ou indí­ge­nas, da Amazô­nia ou da América do Norte, ou das tri­bos asiáti­cas ou da Ocea­nia, são man­i­fes­tações cul­tur­ais diver­sas, dis­tin­tas, nem por isso infe­ri­ores.
Não se ocorre o mesmo com a sua cul­tura. As maran­henses ou paraenses são cati­vas ao redor do mundo em apre­sen­tações.
Sobre suas palavras, na minha opinião, dig­nas de pena, achei-​as, ini­cial­mente, covardes. Pois ditas quando aqui já não mais estavas. Por que não as disse quando aqui chegou? Medo? Covardes por que atinge, em cheio, os maran­henses que a acol­heu e que, com certeza, a tra­tou bem. Será que fariam isso se soubessem o que pen­sava delas? E do nosso povo por exten­são? Durante o tempo que estivestes aqui ficas­tes cal­ada, fos­tes falsa e hipócrita com essas pes­soas, que hoje devem sen­tir repulsa por você. Terá valido a pena tanta hipocrisia?
Suas palavras são ofen­si­vas tam­bém ao povo gaú­cho, pes­soas sérias e tra­bal­hado­ras que vieram bus­car tra­balho e opor­tu­nidades no Maran­hão, jus­ta­mente no estado, para o qual dis­pensa seus piores pen­sa­men­tos. Veja que iro­nia: é num estado pobre que seus com­pa­tri­o­tas vêm bus­car tra­balho e riqueza. Não se pre­ocupe, se é que és capaz disso. São todos bem-​vindos. Aqui há espaço para os querem tra­bal­har de forma hon­esta e aju­dar a desen­volver o estado, bem como aque­les que ape­nas busca uma outra chance de recomeçar.
Se você tivesse andado um pouco mais pelo Maran­hão teria encon­trado muitos gaú­chos tra­bal­hando, fazendo for­tuna, desen­vol­vendo o estado e muitos deles, acho que a grande maio­ria, não tem qual­quer intenção de deixar a terra que os acol­heu.
Quando dizes que aqui os homens são malan­dros e as mul­heres «periguetes» (inclu­sive os ami­gos que fizestes?), garanto que não devem ser muito difer­ente dos que encon­tramos noutras partes do Brasil, inclu­sive na sua terra, por outro lado, a maio­ria dos maran­henses, gaú­chos, mineiros, car­i­o­cas, cearenses, são pes­soas tra­bal­hado­ras, hon­es­tas, que dão um duro danado para sobre­viver e que por isso mesmo, não mere­ce­riam uma agressão gra­tuita e torpe como a que nos dis­pen­sou.
Uma outra car­ac­terís­tica do estado, que você não deve ter obser­vado é que aqui somos um povo acol­he­dor. Para o Maran­hão acor­rem brasileiros de todos os esta­dos do Brasil. E aqui todos são bem trata­dos e respeita­dos, inclu­sive você, que elevou a um outro pata­mar a expressão «cus­pir no prato que comeu», não estavas acom­pan­hando o esposo servi­dor de uma empresa? Pois é. Só depois que foi emb­ora enx­er­gou nos­sas defeitos e maze­las?
Dar-​te-​ei um con­selho, sem cobrar nada em troca. Depõe con­tra você, que parece tão bem nascida, falar mal de seus anfitriões, no caso, o povo do Maran­hão, que a rece­beu de braços aber­tos. Não lhe ensi­naram isso nas aulas de eti­que­tas ou nos cur­sos de boas maneiras ou na sua casa? Pior que isso, é falar mal dos anfitriões quando já estava dis­tante, pelas costas, de forma torpe, através das redes soci­ais.
Sobre ser­mos um estado pobre trata-​se mais uma falta de con­hec­i­mento, o Maran­hão pos­sui condições ímpares e com riquezas que só as mais argutas vis­tas con­segue enx­er­gar. Se não atingiu um ele­vado grau de desen­volvi­mento isso se deve à razões que você, com certeza, não pos­sui con­hec­i­mento para com­preen­der.
Quanto á sua ignorân­cia em relação ao que seja cul­tura, eu a des­culpo, ser igno­rante não deve ser uma opção vol­un­tária. É falta de estudo mesmo. Pouca difer­ença há entre você e os ter­ror­is­tas que destruíram os museus no Iraque em data recente. Noutras palavras, você pode até ser cul­pada por sua falta de edu­cação, não por ser igno­rante.
Que Deus lhe per­mita com­preen­der a bobagem con­tida nas suas palavras e a faça enten­der que, se o Brasil é uma grande nação, isso se deve às nos­sas difer­enças, a nossa vasta diver­si­dade cul­tural.
Abdon Mar­inho é advogado.