AbdonMarinho - EDUCAÇÃO: QUEM LIGA?
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 15 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

EDU­CAÇÃO: QUEM LIGA?

EDUCAÇÃO: QUEM LIGA?

Por Abdon Marinho.

O CAL­ENDÁRIO alertou-​me que 28 de abril é o dia da edu­cação. Não estava lem­brando – ou talvez nem tivesse essa infor­mação reg­istrada. Para mim, todos os dias dev­e­riam ser o dia da edu­cação, de se apren­der algo, de se refle­tir sobre as coisas, situ­ações, ler um livro ou mesmo dedicar um pouco de tempo para estu­dar. Tudo isso é edu­cação.

Talvez por isso não acred­ite que sejam coisas que “caibam” em um dia. Assim como não cabem em um dia todas as atribuições e respon­s­abil­i­dades de um pro­fes­sor ou de um estu­dante. Porque, como disse, ao meu sen­tir, todos os dias dev­e­riam ser volta­dos para se ensi­nar e se apren­der algo.

Mas, em todo caso, temos um dia ded­i­cado à reflexão sobre a edu­cação. E coin­cidiu que a data fosse próx­ima de mais uma declar­ação desproposi­tada dos gov­er­nantes de plan­tão – o que não é uma novi­dade uma vez que quase tão certo quanto as estações dos anos, ou a existên­cia do dia e da noite é que ter­e­mos alguma declar­ação estapafúr­dia dos atu­ais gov­er­nantes –, desta vez, sobre a redução dos inves­ti­men­tos nas áreas de humanas das uni­ver­si­dades públi­cas.

Não sei como isso ocor­rerá e qual o alcance das palavras dos gov­er­nantes, con­siderando que existe a questão da autono­mia uni­ver­sitária, qual seja, as uni­ver­si­dades plane­jam e exe­cu­tam seus orça­men­tos. Logo, em princí­pio, não vejo como o Poder Exec­u­tivo Fed­eral poderá imiscuir-​se, dire­ta­mente, neste tipo de questão dizendo: — esta­mos man­dando tan­tos mil­hões para uni­ver­si­dade fulana de tal, mas esse recurso é para ser gasto nos cur­sos de engen­haria, med­i­c­ina ou robótica. Nen­hum cen­tavo para cur­sos de soci­olo­gia, ped­a­gogia ou filosofia.

Como disse, em princí­pio, me parece meio sur­real. Em todo caso, foi o que bas­tou para no país abrir mais uma frente de batalha ide­ológ­ica, tola, que nada tem a ver, real­mente, com aquilo que de fato inter­essa, se existe via­bil­i­dade, amparo legal ou não para a implan­tação daquilo que foi ver­bal­izado pelo pres­i­dente da República ou por alguém próx­imo a ele. Isso, na ver­dade, não inter­essa, o que conta é impor ao gov­erno mais um desgaste.

Bas­tou sair a declar­ação e na mesma hora o gov­er­nador do Maran­hão já ten­tou tirar sua “casquinha” em cima do assunto – como em todos os demais, desde que apareça –, dizendo que a uni­ver­si­dade estad­ual irá ofer­e­cer os cur­sos que “não foram extin­tos” na uni­ver­si­dade fed­eral, e que, acredita-​se, nunca serão. Mas, tudo feito com o foco a se tirar algum div­i­dendo político/​eleitoral.

E o povo, as cri­anças? O povo, as cri­anças que “se explo­dam”, como diria o per­son­agem inesquecível dep­utado Justo Verís­simo, na inter­pre­tação magis­tral de Chico Aní­sio.

Por estes dias, tomamos con­hec­i­mento que a Avenida dos Por­tugue­ses, uma das prin­ci­pais da cidade, foi inter­di­tada.

Era um protesto dos pais de alunos de uma escola munic­i­pal, que, com maio às por­tas, não teve o ano letivo ini­ci­ado. Os pais daque­las cri­anças cansadas de serem enro­ladas pelas autori­dades, inter­di­taram a rodovia.

A notí­cia quase pas­sou des­perce­bida. Não se viu autori­dade alguma dizendo que duzen­tas ou trezen­tas cri­anças fora da sala de aula em pleno mês de maio era um absurdo. E, isso desta escola, quan­tas mais cri­anças, de out­ras esco­las, ainda não tiveram a sat­is­fação de ini­ciar o ano letivo? Quan­tas mil­hares de cri­anças não “penam” na rede estad­ual pela falta de pro­fes­sores para as dis­ci­plinas especí­fi­cas? Quan­tas cri­anças ou ado­les­centes da rede de ensino público podem com­pe­tir, em pé de igual­dade, com as cri­anças ou ado­les­centes da rede pri­vada?

Os arrou­bos dos pros­elit­ismos só não são mais patéti­cos porque são trági­cos.

Quando vi aque­les pais prote­s­tando por tão pouco, ape­nas pelo dire­ito dos seus fil­hos ini­cia­rem o ano letivo, fiquei pen­sando no mal que estes gov­er­nos estão fazendo às ger­ações futuras. Como jus­ti­ficar que em pleno mês de maio ten­hamos cri­anças fora da sala de aula? Cri­anças sem pro­fes­sores das mais diver­sas dis­ci­plinas? Como, em pleno século vinte um, justifica-​se a existên­cia de “escol­in­has comu­nitárias” em plena cap­i­tal do estado?

Vejam, o prefeito já avança pelo sétimo ano de mandato. Não tive­mos um ano em que denún­cias sobre as pés­si­mas condições das esco­las munic­i­pais, ou a falta de aulas, ou as infind­áveis refor­mas não fos­sem manchete de jor­nais. E não estão ainda mais em evidên­cia porque o sindi­cato da cat­e­go­ria dos pro­fes­sores, por condições de todos con­heci­das, não tem sido mais efe­tivo na fis­cal­iza­ção e nas denún­cias.

Isso, sem falar na própria estru­tura física das esco­las, que há muito tempo deixou de ser ade­quada. Mesmo as “escol­in­has” feitas pelo gov­erno estad­ual não pas­sam de palia­tivos que estão longe de rep­re­sen­tar qual­quer avanço diante do grave prob­lema edu­ca­cional que pas­samos.

Chega a ser ina­cred­itável que a cap­i­tal do estado, às vésperas de com­ple­tar 407 anos de fun­dação não tenha con­seguido avançar na mel­ho­ria das condições de ensino a ponto de sequer pos­suir uma rede de ensino sufi­ciente e ade­quada para o iní­cio das aulas no tempo certo.

Con­fesso que não sei o que se passa, como disse, o prefeito já avança no sétimo ano de gestão, o secretário da pasta já con­hece a função há “trezen­tos” anos, basta dizer que desde final dos anos oitenta já “con­tribuía” com o setor.

Ninguém viu que iríamos pre­cisar de esco­las mel­hores e maiores, capazes de aten­der a demanda? Não foram capazes de inscr­ever pro­je­tos de novas estru­turas junto ao MEC? O que acon­te­ceu com as esco­las que foram disponi­bi­lizadas para a cap­i­tal?

São coisas que não dão ciên­cia a pop­u­lação e mesmo os rep­re­sen­tantes do povo pare­cem pouco inter­es­sa­dos em saber as condições do ensino munic­i­pal.

E se a cap­i­tal do estado “patina” na equação de seus prob­le­mas edu­ca­cionais – e não adi­anta diz­erem que con­seguiram isso ou aquilo, pois a real­i­dade está à vista de todos –, nos demais municí­pios a situ­ação é até pior.

Aqui mesmo na ilha, se tem notí­cias que há mais de mês os pro­fes­sores da rede munic­i­pal de Paço do Lumiar estão em greve prej­u­di­cando mil­hares de estu­dantes.

Mas quem liga para o fato de mil­hares de cri­anças estarem fora da sala de aula? Quem liga para fato da infraestru­tura das esco­las serem indig­nas para o apren­dizado das cri­anças? Quem liga para fato de cri­anças ou ado­les­centes terem que atrav­es­sar a pé por ter­renos ala­ga­dos para chegar às suas esco­las?

No iní­cio do atual gov­erno sug­eri que fizesse um pacto pela edu­cação. Que todos os prefeitos e secretários munic­i­pais de edu­cação fos­sem chama­dos para, junto com o gov­er­nador e secretário estad­ual, fizessem um diag­nós­tico dos prob­le­mas da edu­cação estad­ual, e, tam­bém jun­tos, se apoiando mutu­a­mente, resolvessem os prob­le­mas.

Não vi nada disso. Vi algu­mas ini­cia­ti­vas iso­ladas. Vi fes­te­jarem uma mel­ho­ria aqui ou ali, um indi­cador mel­hor acolá. Mas, tudo muito dis­tante de mel­ho­rar as condições da edu­cação no nosso estado como um todo. Ou alguém acred­ita que a edu­cação pública do estado está em pé de igual­dade com as dos mel­hores cen­tros? Com os estu­dantes podendo com­pe­tir em pé de igual­dade com os de out­ros esta­dos ou do ensino pri­vado?

Acabei de com­pro­var que sim. A Assem­bleia Leg­isla­tiva aprovou – ou encontra-​se em vias de aprovar –, um pro­jeto de lei que mel­hora em 20% (vinte por cento) a pon­tu­ação dos estu­dantes do estado para o ingresso na uni­ver­si­dade.

Quando vejo o debate histérico em torno de uma colo­cação do pres­i­dente – ainda que estapafúr­dia –, que nem sabe­mos se será ou se tem como ser implan­tada, fico pen­sando se não estão pen­sando na árvore em detri­mento da flo­resta.

Ora, o entendi­mento do pres­i­dente (ou de qual­quer outro do gov­erno) sobre uma ou outra dis­ci­plina, ainda que rel­e­vantes para a sociedade civil e para a própria democ­ra­cia, con­forme dizem – e não duvido que este­jam cer­tos –, no con­texto geral da edu­cação é uma árvore. A flo­resta é con­sti­tuída pelos mil­hões de cri­anças e ado­les­centes que estão tendo uma edu­cação muito aquém de suas neces­si­dades para com­pe­tirem em um mer­cado cada vez mais glob­al­izado.

Esta­mos falando de mil­hões de jovens que não estão apren­dendo o mín­imo, que não sabem ler, escr­ever, ou con­tar; que não sabem geografia ou história; que, em suma, pas­sam por toda vida esco­lar para serem anal­fa­betos fun­cionais ou mesmo anal­fa­betos no sen­tido amplo da palavra.

Encon­trar e imple­men­tar soluções para que ten­hamos uma edu­cação de qual­i­dade vai muito além dessa his­te­ria sobre posições ide­ológ­i­cas – e isso serve para os dois ou mais lados –, pre­cisamos tra­bal­har para igualar o apren­dizado em todo o país: acabar com as dis­torções entre Norte e Sul, entre campo e cidade, entre ensino público e pri­vado; depois disso, tra­bal­har, incansavel­mente, para alcançar as mel­hores refer­ên­cias inter­na­cionais. E, esta­mos muito longe disso.

Sem fazer pouco caso – até porque recon­heço a importân­cia da filosofia, soci­olo­gia e out­ras afins para a sociedade –, entendo que o prob­lema do Brasil não é saber se os jovens uni­ver­sitários não vão estu­dar estas matérias ou fazer tais cur­sos, mas sim, se edu­cação do país vai con­seguir fazer com que quando estes jovens estiverem na idade de estu­dar tais dis­ci­plinas saberão o que elas sig­nifi­cam.

A his­te­ria fomen­tada pelo embate ide­ológico (se é que sabem o que isso sig­nifica) não per­mite que vejam que a edu­cação virou uma “emergên­cia” nacional, com estu­dos apon­tando que quase a total­i­dade dos nos­sos jovens e cri­anças não sabem o que dev­e­riam saber de dis­ci­plinas bási­cas como lín­gua por­tuguesa e matemática.

Enten­dam, ler, escr­ever e fazer conta é o básico do básico para que se avance em qual­quer debate sobre edu­cação. Sem isso não se vai a lugar nen­hum.

A situ­ação, repito, é de emergên­cia nacional. Acho que passa da hora de se levar a sério a edu­cação ao invés de se perderem em tolas con­jec­turas, cuja pre­ocu­pação única é o próx­imo embate eleitoral.

Abdon Mar­inho é advo­gado.