AbdonMarinho - Sobre incoerências e oportunismos.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 24 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Sobre inco­erên­cias e oportunismos.

SOBRE INCO­ERÊN­CIAS E OPOR­TUNIS­MOS.

Por Abdon C Marinho.

PAR­TICIPEI da primeira eleição ainda menino. Foi em 1982, no meu municí­pio, os can­didatos, ainda lem­bro, eram os sen­hores Chico Dias e João Afonso. Perfilei-​me ao lado do primeiro e fui um mil­i­tante aguer­rido par­tic­i­pando de even­tos de cam­panha, comí­cios ou mesmo ape­nas expres­sando min­has opiniões a favor do meu can­didato e con­tra o can­didato adver­sário.

O som que embal­ava a cam­panha – e acho que cem por cento das cam­pan­has daquele ano –, era “morena trop­i­cana”, de Alceu Valença, lançada naquele ano, no disco Cav­alo de Pau, como bem pon­tuou o amigo Max Harley em uma das nos­sas via­gens; o carro de som ia na frente chamando e lá íamos para as passeatas e comí­cios. Em jogo um mandato de oito anos.

Perdemos a eleição, mas man­te­mos a coerên­cia.

Já em 1985, mudei-​me para a cap­i­tal – como tan­tos out­ros –, em busca de mel­hor edu­cação para o ensino médio e uma pos­sível fac­ul­dade. Estu­dando no Liceu Maran­hense e, depois de muito esforço e alguns vestibu­lares, ingres­sei na UFMA, onde fiz o curso de dire­ito.

Neste período ini­ciei pela mil­itân­cia estu­dan­til par­tic­i­pando ati­va­mente dos movi­men­tos pela cri­ação de grêmios estu­dan­tis – uma con­quista com o fim da ditadura –, e de inúmeras out­ras pau­tas como o movi­mento pela con­sti­tu­inte.

Em 1991 ingres­sei no PSB de onde sai no ano pas­sado (2021), depois de 30 anos. Alguns ami­gos, com certa maledicên­cia, dizem que bas­tou alguns “novos social­is­tas” ingres­sarem por uma porta para que saísse pela outra.

Ape­sar da coin­cidên­cia, uma coisa nada tem a ver com outra. Saí bem antes e por out­ras moti­vações que nada têm a ver com o quadro sucessório atual.

Pois bem, faço este ret­ro­specto ape­nas para dizer que desde o iní­cio da minha “mil­itân­cia” política sem­pre pro­curei man­ter um certo nível de coerên­cia.

Não que ache que opiniões sejam imutáveis ou que as pes­soas não pos­sam “mudar de lado”, não pelo con­trário, como dizia Ulysses Guimarães, “ape­nas os muitos tolos são inca­pazes de mudar”.

O que acho, entre­tanto, é que mudanças de rumos, alianças, devem guardar coerên­cia com o que sem­pre se pre­gou ou que se faça uma autocrítica admitindo-​se que a posição ante­rior estava equiv­o­cada.

A ausên­cia disso atende pelo nome de opor­tunismo.

Os últi­mos tem­pos na política estad­ual assis­ti­mos a incon­táveis exem­p­los de inco­erên­cias e opor­tunis­mos. Ás vezes, além do ato em si, mais inco­er­ente e opor­tunista é a crítica ao mesmo.

Vejamos um exem­plo que tem “ren­dido” comen­tários nos últi­mos dias.

O MDB leg­enda que abriga a família Sar­ney decidiu-​se por apoiar a reeleição do atual gov­er­nador e para o Senado da República, o ex-​governador Flávio Dino, que his­tori­ca­mente (?) fez car­reira com críti­cas ao grupo Sar­ney e con­tra quem a ex-​governadora Roseana Sar­ney com­petiu nas eleições ocor­ri­das qua­tro anos antes.

A decisão par­tidária tem “ren­dido edi­to­ri­ais” inter­es­santes.

As críti­cas mais con­tun­dentes, parece-​me, não têm sido ao par­tido por ter apoiado o grupo “adver­sário” mas ao grupo político out­rora crítico do grupo Sar­ney que agora fez aliança com o mesmo, como a dizer que os “apoia­dos” são traidores de uma “causa” por aceitarem o apoio dos “apoiadores”.

Muitos dos críti­cos, registre-​se, nas eleições de 2020, estiveram “sen­tando praça” atrás do apoio dos Sar­ney para os seus can­didatos.

Achei (acho) engraçada tal dis­cussão. Primeiro, por nunca ter visto em tan­tos anos de mil­itân­cia política, alguém recusar apoio de quem quer que seja por “amor a coerên­cia”. Segundo, porque a cobrança por coerên­cia política chega com, pelo menos, três anos de atraso.

Foi em julho de 2019 que escrevi o texto “Sar­ney & Dino e o acordo que não ousa dizer o nome”. Alguns ami­gos, com cerca malí­cia, dis­seram que o título seria uma cor­ruptela do poema “O amor que não ousa dizer seu nome”, cujo título orig­i­nal é Two Loves (Dois Amores), escrito por Lord Alfred Dou­glas, o amante do genial Oscar Wilde, em setem­bro de 1892.

No texto falava da aliança entre os dois gru­pos políti­cos até então rivais.

Antes e depois do texto que retra­tou pub­li­ca­mente a primeira tertúlia entre os líderes dos dois gru­pos já tinha nar­rado out­ros momen­tos políti­cos entre eles, como, em 198485 em que o “menino” Flávio, esteve prag­mati­ca­mente ao lado de Sar­ney por ocasião da cam­panha das “Dire­tas já” e votação da chapa Tancredo/​Sarney no Colé­gio Eleitoral ou a ten­ta­tiva frustrada de rein­gresso do então juiz fed­eral na política na virada e iní­cio dos anos 2000.

Já no iní­cio dos anos dois mil cogitou-​se uma aliança como esta que alguns acham “estranha”. E devo acres­cen­tar que se não deu certo foi porque o grupo Sar­ney não topou naquela opor­tu­nidade.

Mas a política é dinâmica, tanto assim, que hoje Sar­ney é um dos prin­ci­pais arti­c­ulista do Jor­nal Pequeno. Quem pode­ria imag­i­nar algo assim, há vinte, dez ou cinco anos? (Acho que tal assunto pede um tex­tão, não acham?).

Em out­ras palavras, os Sar­ney e os Dino sem­pre estiveram bem próx­i­mos – isso vem de lon­gas datas, ger­ações.

Quis o des­tino que o “debut” de Dino na política se desse pelas mãos e patrocínio de José Reinaldo Tavares quando este já estava rompido com o grupo Sar­ney – de quem se reaprox­i­mou nos últi­mos anos –, mas nunca cul­ti­varam posições inc­on­cil­iáveis.

As “tími­das” e raras vezes que Dino criti­cou o grupo Sar­ney – e não lem­bro de nen­huma, exceto as ditas nos calores das eleições –, ocor­reram quando Sar­ney era pres­i­dente e quando dis­putou as eleições de 2010, 2014, 2018. Já em 2019, repito, estavam em plena “tertúlia” de aprox­i­mação, como nar­rei no texto referido e em tan­tos out­ros.

Muitos não con­hecem ou con­hece pouco da história política do Maran­hão, por isso pinçam palavras para alardear as inco­erên­cias inex­is­tentes.

Ora, se estava cristal­ino o acordo cel­e­brado em 2019, como falar em inco­erên­cia agora quando ele se con­cretizou com a chapa for­mada?

A inco­erên­cia neste caso é daque­les que silen­cia­ram esperando tirar alguma “casquinha” do acordo Sarney/​Dino e agora sentem-​se frustra­dos por não terem alcançado seus inten­tos.

Estes mes­mos, tam­bém, nada dis­seram quando o gov­erno comu­nista pas­sou a tratar o con­glom­er­ado de comu­ni­cação dos Sar­ney bem mel­hor do que tratava o próprio gov­erno Roseana.

Foram três anos de obse­quioso silên­cio. Como falar agora em incoerência?

E assim se suce­dem os exem­p­los de inco­erên­cia e opor­tunis­mos.

Outro dia tomei con­hec­i­mento que deter­mi­nado can­didato, indig­nado com a fome do povo maran­hense, ingres­sara ou ten­cionava ingres­sar com ação na Justiça con­tra uma fausta lic­i­tação para abaste­cer a coz­inha do Palá­cio dos Leões.

Com os meus botões fiquei a pen­sar, mas esse (e out­ros) não é o mesmo que pas­sou os últi­mos anos (mais de sete) igno­rando inúmeras out­ras lic­i­tações para a comi­lança dos pala­cianos e, pos­sivel­mente, se far­tando delas tam­bém? Só agora percebe que o povo maran­hense passa fome? Nunca lhe ocor­reu que o fato de sessenta por cento da pop­u­lação não ter o que comer encontra-​se dire­ta­mente rela­cionado à far­tura e à riqueza dos seus rep­re­sen­tantes, muitos deles tendo “enri­cado” na vida pública?

Me socorre per­gun­tar onde estava este povo nos últi­mos anos que não viram tudo que vinha ocor­rendo e que agora, “do nada” pas­saram a enx­er­gar os “malfeitos” e a terem a solução para tudo.

Onde estavam? Por que de suas tri­bunas e trincheiras nunca abri­ram a boca para diz­erem nada con­tra a fome do povo, con­tra a falta de pro­dução, con­tra o atraso econômico, con­tra o excesso de impos­tos e tan­tas out­ras maze­las que nos ator­menta?

Um dos assun­tos da atu­al­i­dade – além da fome do povo –, que mais des­perta críti­cas é o sis­tema de trans­porte aqua­viário, os ferry-​boat.

As críti­cas são tan­tas – e não digo que não sejam jus­tas –, que não duvido se muitos esfreguem as mãos torcendo por uma tragé­dia.

Pois bem, con­forme res­gatei em um texto ante­rior, há mais de dez anos que o sis­tema apre­senta prob­le­mas, assim como as estradas (estad­u­ais e fed­erais) são de pés­sima qual­i­dade. Neste tempo, maio­ria dos que hoje criti­cam, estavam ou eram sócios do poder, por que nunca dis­seram nada? Por que fin­gi­ram que o prob­lema não exis­tia? Só agora pas­saram a enx­er­gar prob­le­mas que sem­pre estiveram à vista de todos?

Registre-​se, ainda, que se tivesse “vin­gado” a con­tinuidade da aliança que os levou ao poder em 2014 e que os man­teve no poder em 2018, os maran­henses con­tin­uar­iam a pas­sar fome, a sofrer todo tipo de maze­las enquanto estes mes­mos que recla­mam estariam, solen­e­mente, ignorando-​os e se far­tando nos ban­quetes ofer­e­ci­dos no palá­cio fruto dos nos­sos sua­dos impos­tos.

Como se diz, o que falta de coerên­cia sobra de opor­tunis­mos.

Abdon C. Mar­inho é advogado.