AbdonMarinho - A fome e as lágrimas.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 12 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A fome e as lágrimas.


A FOME E AS LÁGRIMAS.

Por Abdon C. Marinho.

DOMINGO pas­sado recebi um vídeo de um amigo através de um aplica­tivo de men­sagens. Primeiro “spoiler”: se queres me ocul­tar algo basta man­dar por áudio ou vídeo, rara­mente os abro. Segundo “spoiler”: quando abro a infor­mação prin­ci­pal deve ser a primeira pois rara­mente chego até o fim.

Mas, era domingo, aquele ócio domingueiro, nada para fazer, quem man­dou foi um querido amigo, senti-​me na obri­gação de abrir o tal vídeo.

Não me inter­es­sei pela “moral da história”, vi por poucos segun­dos, porém. até onde vi, teste­munhei um político maran­hense, com mandato há mais de uma década “se debul­hando” em lágri­mas ao dis­cor­rer sobre a fome, os indi­cadores de mis­éria que ator­menta o nosso povo desde sem­pre.

A impressão que tive, naquele começo de vídeo, foi que a excelên­cia estava tendo con­tato com dura real­i­dade do povo maran­hense pela primeira vez, que nunca sou­bera ou tivera con­tato com as neces­si­dades reais dos cidadãos; ou que acabara de “pousar” de Marte, quem sabe de um outro plan­eta ou mesmo galáxia mais dis­tante.

O pre­sente texto – assim como tan­tos out­ros que escrevi –, se pre­ocupa com os fatos não com as pes­soas, daí porque sem­pre que pos­sível, procuro omi­tir os nomes dos per­son­agens.

Os fatos são mais impor­tantes e falam por si.

O fato do pre­sente texto é que um par­la­men­tar, com mandato há mais de uma década, numa das casas do par­la­mento, em lágri­mas, dis­cor­reu sobre as condições de mis­éria e sofri­mento do povo do nosso estado como se estivesse tra­vando con­tato com tal real­i­dade pela primeira vez.

Os “cupin­chas” e adu­ladores puseram a escr­ever ou a dizer: como é sen­sível. Ele chora diante do sofri­mento do povo.

Os adver­sários foram na con­tramão: como é hipócrita, vive no luxo enquanto o povo amarga necessidades.

Tenho um marco tem­po­ral de quando ini­ciei a colo­car no papel o que penso sobre os fatos e acon­tec­i­men­tos e até mesmo arriscando-​me vez ou outra por out­ros ramos da escrita: o ano de 2010, quando perdemos o saudoso amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues. Até então, como sem­pre con­ver­sar­mos e trocá­va­mos impressões sobre tudo, emb­ora muita vezes dis­cor­dando, sentia-​me con­tem­plado com suas análises.

Com seu desa­parec­i­mento pre­coce e com o jor­nal­ismo – ressalvando-​se raras e hon­radas exceções –, cam­in­hando para o hon­rado tra­balho de asses­so­ria de imprensa, senti-​me na obri­gação cívica de deixar o teste­munho destes meus anos escritos.

Neste tempo – só no meu site con­stam mais de mil tex­tos –, ape­nas eu escrevi, com certeza, mais duas cen­te­nas de tex­tos abor­dando a mis­éria maran­hense, os indi­cadores africanos, a fome do povo e sobre a neces­si­dade de faz­er­mos um enfrenta­mento con­sis­tente de tal situação.

Antes de mim, muitos out­ros fiz­eram isso.

Quase todos anos a ONU, o IBGE, e tan­tos out­ros insti­tu­tos e insti­tu­ições infor­mam os nos­sos tristes indi­cadores econômi­cos e soci­ais.

O empo­brec­i­mento do Maran­hão vem de décadas de equívo­cos políti­cos e de explo­ração dos recur­sos públi­cos e nat­u­rais do estado em detri­mento de uma imensa maio­ria que a cada dia que passa vai ficando mais pobre e mais depen­dente dos favores dos gov­er­nos e dos poderosos.

A real­i­dade nua e crua é que a medida a nossa elite política acu­mula cada dia mais riqueza, o estado e povo vai ficando cada vez mais pobre e mis­erável.

A mis­éria do nosso povo, por­tanto, sem­pre deve nos causar ver­gonha e indig­nação, mas não, sur­presa.

O que fiz­eram nos­sos políti­cos, legí­ti­mos rep­re­sen­tantes do povo para mudar a real­i­dade econômica e social do estado nas últi­mas décadas?

O que faziam enquanto o povo pas­sava (e passa) fome?

Gas­tavam os recur­sos públi­cos em mor­do­mias, com­pravam iguar­ias div­inas para os lau­tos ban­quetes palacianos?

Enri­cavam cada vez mais? Con­struíam man­sões? Com­pravam aparta­men­tões, car­rões, aviões ou emis­so­ras de rádio e tele­visão para fun­cionarem como instru­men­tos de manip­u­lação do povo sofrido e incauto?

Igno­ravam que quase tudo que se con­some no Maran­hão vem de out­ros esta­dos?

A mis­éria dos cidadãos maran­henses não é algo para ser igno­rada ou para causar sur­pre­sas nos “rep­re­sen­tantes do povo”, antes, dev­e­riam envergonhá-​los, fazer saírem de joel­hos dos palá­cios e irem se pen­i­ten­ciar per­ante São José, em Riba­mar.

Ao assi­s­tir um par­la­men­tar chorando como se estivesse sur­preso com a fome do povo que rep­re­senta, imag­ino o quanto estas pes­soas – mesmo os que vieram origem humilde –, se afas­taram da real­i­dade dos cidadãos.

É como se tivessem pas­sado a habitar outro mundo.

As denún­cias ou promes­sas de desen­volverem o estado não pas­sam de fig­uras retóri­cas, pois igno­ram a real­i­dade dos rep­re­sen­ta­dos.

Não sabem, por exem­plo, que muitas vezes, as mães ou os pais têm que escol­her entre ficar com fome ou ali­men­tar os fil­hos; não sabem as pés­si­mas condições habita­cionais ou de higiene em que são obri­ga­dos a viverem.

Mas, a cada dois ou qua­tro anos, lá estão eles com suas promes­sas vãs, seus dis­cur­sos boni­tos, dizendo que vão com­bater a fome, a mis­éria, desen­volver o estado.

Promes­sas, engo­dos, nada mais!

Entre as tan­tas vezes que falei sobre a situ­ação de pobreza, mis­éria e fome que acomete o nosso povo, uma me é espe­cial­mente cara – e decep­cio­nante.

Há quase oito anos, em 5 de out­ubro de 2014, escrevi uma carta pública aos futuros gov­er­nantes, que assumiriam no ano seguinte.

A carta, além de ser pub­li­cada no nosso site, foi pub­li­cada no Jor­nal Pequeno e, acred­ito, alguns blogues.

Na carta trato de todos “gar­ga­los” que nos colo­cam na “rabeira” de tudo, edu­cação, saúde, cor­rupção maze­las admin­is­tra­ti­vas, etc., especi­fi­ca­mente no ponto que tratei da mis­éria do povo, disse:

O Maran­hão, informa a pro­pa­ganda ofi­cial, fes­teja mais um recorde na pro­dução de grãos. Comemora-​se que a nossa pro­dução chegou a dois por cento da pro­dução de grãos do Brasil. É um dado que não nos serve, nem como piada. Não aceitável que um estado com tan­tos recur­sos hídri­cos, tão extenso, com tan­tas áreas agricultáveis pro­duza tão pouco. Não sei se sabes, ao longo dos anos foi destruída a assistên­cia téc­nica ao homem do campo. Isso, ali­ado a uma política pre­datória de assis­ten­cial­ismo tem pro­duzido, não pro­du­tos agrí­co­las, mas homens preguiçosos, cidadãos, que entra dia sai dia, vivendo de esmo­las. O Maran­hão não pode con­tin­uar a ser uma terra onde a maio­ria da pop­u­lação viva de esmo­las. Meu pai, com sua sabedo­ria de anal­fa­beto, cos­tu­mava dizer que esmo­las só eram dev­i­das a quem não tinha condições de tra­bal­har, aos que eram cegos ou alei­ja­dos. Hoje, a esmola é dev­ida a todos, é a primeira opção do cidadão. Pre­cisamos devolver ao homem o amor pelo tra­balho, à sat­is­fação de gan­har o próprio sus­tento, a não depen­der ninguém, a ser livre. Essa é a palavra, pre­cisamos devolver ao homem a sua liber­dade cidadã”.

O que con­sta­mos, quase oito anos depois, é que “não leram a carta”, nem aquela, nem as que fize­mos pos­te­ri­or­mente, aler­tando para os desac­er­tos ou as cen­te­nas de tex­tos tratando destes e de tan­tos out­ros assun­tos.

Se leram procu­raram fazer o oposto do recomen­dado ou ficaram na como­di­dade da real­i­dade para­lela.

O Maran­hão con­tinua pro­duzindo pouco e o que pro­duz é como “com­modi­ties”; o povo mesmo, a maio­ria dos cidadãos con­tinua vivendo de esmo­las, dos pro­gra­mas assis­ten­ci­ais; se habit­u­aram à humil­hação de viverem como ped­intes e o gov­erno parece sentir-​se bem no papel de prove­dor.

Vejo com tris­teza e desalento as mul­ti­dões que se for­mam para rece­ber uma cesta básica, uns qui­los de pescado; as enormes filas nos restau­rantes pop­u­lares em busca de um prato de comida a um preço módico para si e os seus famil­iares – mesmo nos menores municí­pios –, ou as filam que se for­mam diante dos CRAS — Cen­tro de Refer­ên­cia e Assistên­cia Social, em busca de um cadas­tro de um bene­fí­cio qualquer.

Como admi­tir que o estado tão rico viva com tamanha pobreza?

As úni­cas lágri­mas que com­por­tariam à classe política local diante de tão vex­atória situ­ação, diante da fome e da mis­éria e do triste legado des­ti­nado ao povo, dev­e­riam ser as lágri­mas da ver­gonha.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.