AbdonMarinho - A defesa da democracia é compromisso de todos - Parte I.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 11 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A defesa da democ­ra­cia é com­pro­misso de todos — Parte I.

A DEFESA DA DEMOC­RA­CIA É COM­PRO­MISSO DE TODOS — Parte I.

Por Abdon C. Mar­inho.

POS­SUIR boa memória tem suas van­ta­gens – como lem­brar de acon­tec­i­men­tos que nos trazem momen­tos ale­gres –, e desvan­ta­gens, como lem­branças de out­ros tristes e sofri­dos que dese­já­va­mos esque­cer; traz-​nos, tam­bém, cer­tas respon­s­abil­i­dades e obri­gações, como as que somos obri­ga­dos a tratar no pre­sente texto.

Se a memória não me falha, no segundo semes­tre de 1984, foi per­gun­tado ao gen­eral João Figueiredo, o último dos generais-​presidentes do ciclo ini­ci­ado em 1964, o que acon­te­ceria após a eleição mar­cada para ocor­rer em 15 de janeiro do ano seguinte, que viria ser a última do Colé­gio Eleitoral.

A inda­gação, mas uma vez se não me falha a memória, ocor­rida no Sítio do Dragão, bem fiel ao seu estilo, à per­gunta for­mu­lada, o gen­eral respon­deu – não com estas palavras –, que após a eleição o eleito seria empos­sado e ele voltaria a cuidar dos seus cav­a­los.

O fato ocor­reu há 38 anos e na ver­dade repor­tava a uma outra garan­tia, outro fato histórico, ocor­rido em 1977, tam­bém numa entrevista.

Per­gun­tado sobre se faria e como faria a aber­tura política, o gen­eral Ernesto Geisel respon­deu de forma bem fiel ao seu estilo, e nas palavras pare­ci­das com as ditas aqui: “fare­mos a aber­tura política nem que seja na marra”.

Em 15 de janeiro de 1985 o Colé­gio Eleitoral reuniu-​se – con­forme a Carta Con­sti­tu­cional deter­mi­nava –, e elegeu a chapa de oposição aos mil­itares: Tan­credo Neves e José Sar­ney, do MDB que dis­putara con­tra Paulo Maluf, do PDS, par­tido que dava sus­ten­tação política ao régime mil­i­tar desde o tempo que ainda chamava-​se Arena.

Ape­sar do resul­tado adverso no Colé­gio Eleitoral não lem­bro (e não há reg­istro) de nen­hum ques­tion­a­mento ao cumpri­mento do resul­tado do pleito, ainda que tenha ocor­rido de forma indireta.

Mais, na véspera da posse o pres­i­dente eleito foi inter­nado tomando posse o vice-​presidente, José Sar­ney.

Mesmo a posse de Sar­ney, eleito como vice-​presidente, não oca­sio­nou qual­quer ques­tion­a­mento ou retro­cesso insti­tu­cional.

Quando sug­eri­ram a Ulysses Guimarães, o grande tim­o­neiro de todo o processo que cul­mi­nara com a vitória de Tancredo/​Sarney, que assumisse a presidên­cia, este refutou a ideia dizendo que dever-​se-​ia cumprir a Con­sti­tu­ição vigente.

De 15 de março a 21 de abril daquele ano, quando deu-​se o pas­sa­mento de Tan­credo Neves e mesmo depois, ape­sar de todas as tur­bulên­cias, ninguém cog­i­tou um retro­cesso insti­tu­cional.

A crise econômica durante o gov­erno Sar­ney foi a mais aguda da nossa história. Os planos econômi­cos que ten­tavam estancar a inflação e que cor­tavam os zeros da moeda se suce­diam sem alcançar êxito algum.

Basta dizer que no gov­erno Sar­ney a inflação alcançou os três dígi­tos men­sais. Era a hiper­in­flação. No último mês de gov­erno chegou a 287% (duzen­tos e oitenta e sete por cento). Há quem diga que ultra­pas­sou a bar­reira dos 500% (quin­hen­tos por cento).

Ape­sar de tudo, o país vivia clima de “nor­mal­i­dade”, ninguém falava ou sug­e­ria uma volta ao pas­sado.

Ainda em 1985 realizou-​se eleições para os prefeitos das cap­i­tais – até então eram nomea­dos – e, em 1986, eleições para o Con­gresso Nacional (que seria con­sti­tu­inte), para gov­er­nadores e dep­uta­dos estad­u­ais.

Em 1988 o país se redesen­hou através de uma nova Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Em 1989, com a abre­vi­ação do mandato de Sar­ney, tive­mos a primeira eleição para a pres­i­dente da República, da qual par­ticipou todas as cor­rentes políti­cas do país.

E veio o gov­erno Col­lor de Mello que no primeiro dia decre­tou feri­ado bancário para lançar um pacote de medi­das sendo que a prin­ci­pal delas foi o “con­fisco” de todos os val­ores deposi­ta­dos em insti­tu­ições bancárias.

Fidel Cas­tro, o então dita­dor de Cuba, que veio para a posse saudou o surg­i­mento de mais uma república social­ista no con­ti­nente – na ver­dade estava fazendo chiste com o medida de Collor.

E vieram os anões do orça­mento e o PC Farias e a enx­ur­rada de cor­rupção e out­ros desati­nos prat­i­ca­dos na Casa da Dinda.

E por fim, veio o impeach­ment de Col­lor, com mil­hões de brasileiros nas ruas apoiando.

O primeiro pres­i­dente eleito pelo voto direto na “Nova República” pós ditadura mil­i­tar foi o primeiro a ser cas­sado den­tro das nor­mas legais.

E veio o Ita­mar Franco, vice-​presidente que assumiu, e com ele o Plano Real que esta­bi­li­zou a econo­mia e debe­lou a inflação ainda galopante.

Graças ao êxito do Plano Real, em 1994, elegeu-​se pres­i­dente o sen­hor Fer­nando Hen­rique Car­doso que “nadando” em pop­u­lar­i­dade e tam­bém por méto­dos poucos orto­doxos, con­seguiu, em 1997, aprovar uma emenda con­sti­tu­cional que que lhe garan­tiu a reeleição no ano seguinte.

Em 2002 quem elegeu-​se foi o líder do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, sen­hor Luís Iná­cio Lula da Silva, primeiro pres­i­dente dito de esquerda a coman­dar o país.

E no gov­erno do sen­hor Lula apare­ce­ram os escân­da­los dos cor­reios, e o prin­ci­pal, o do “men­salão”, uma per­ver­são da democ­ra­cia car­ac­ter­i­zada pela com­pra de apoios políti­cos den­tro do Con­gresso Nacional que levou à con­de­nação diver­sos líderes par­tidários pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

O sen­hor Lula, ape­sar do escân­dalo con­seguiu reeleger-​se em 2006.

Em 2010, o PT con­seguiu man­ter a hege­mo­nia política e eleger a sen­hora Dilma Rouss­eff, primeira mul­her a coman­dar o país.

No gov­erno da sen­hora Dilma eclodiu um outro escân­dalo de pro­porções ainda maiores: o “petrolão”, cujo nome deve-​se ao fato de ter como prin­ci­pal foco de cor­rupção cen­tral­izado na Petro­bras e nas suas sub­sidiárias, com dire­to­rias par­til­hadas entre os par­tidos que davam sus­ten­tação ao governo.

Em 2013, eclodi­ram em todo país man­i­fes­tações pop­u­lares con­tra os “malfeitos” dos políti­cos e diver­sas out­ras pau­tas.

Ape­sar disso a sen­hora Dilma Rouss­eff acabou sendo reeleita, em 2014, sendo cas­sada em 2016, por supostas irreg­u­lar­i­dades cometi­das no seu gov­erno mas, prin­ci­pal­mente, porque deixara de ter sus­ten­tação política.

Quem assumiu o comando da nação foi o vice-​presidente, Michel Temer, que acabou sendo apan­hado em con­ver­sas pouco repub­li­canas com pes­soas menos repub­li­canas ainda.

Os escân­da­los dos gov­er­nos petis­tas tiveram as inves­ti­gações através da chamada “Oper­ação Lava Jato”, e bil­hões de reais foram recu­per­a­dos e muitos dos cor­rup­tores e cor­rup­tos pre­sos.

Quem tam­bém acabou sendo inves­ti­gado por “malfeitos” diver­sos foi o ex-​presidente Lula, que acabou sendo con­de­nado em diver­sas instân­cias e até preso durante mais de quin­hen­tos dias.

Antes disso, em 2018, tiver­mos nova­mente eleições pres­i­den­ci­ais, sagrando-​se vito­rioso o então obscuro dep­utado Jair Bol­sonaro, que às vésperas das eleições levara uma facada e acabou catal­isando votos em seu favor.

A análise dos últi­mos qua­tro anos deixo para a história.

Fiz essa breve ret­ro­spec­tiva – cujas fal­has devem ser per­doadas, pois feita de “memória” –, ape­nas para mostrar que desde 1985 o Brasil vem enfrentando e resol­vendo todas suas difi­cul­dades e e crises den­tro do arcabouço jurídico pátrio, tendo as insti­tu­ições fun­cionado e dado as respostas necessárias e aceitas por todos.

Em todos estes anos nen­hum dos eleitos ou perde­dores das diver­sas eleições chegaram a ques­tionar a legit­im­i­dade do processo político/​eleitoral brasileiro. Mes­mos as recla­mações, pedi­dos de ver­i­fi­cações, deram-​se den­tro das nor­mas legais e os seus deslin­des, pelas insti­tu­ições, aceitos e respeita­dos por todos.

E aí, cheg­amos a este momento, em que 38 anos depois da per­gunta feita por Glória Maria (?) ao então pres­i­dente João Batista Figueiredo, ouço um jor­nal­ista per­gun­tar ao atual man­datário se ele aceitará o resul­tado das urnas.

Ao ouvir tal per­gunta me veio a sen­sação de “dèja vu”, como se tivesse ingres­sando noutro grande sucesso dos anos oitenta, o filme “De volta para o Futuro”, sucesso de 1985. Me vi ouvindo a per­gunta feita ao general/​presidente no ano de 1984.

Pior do que ser uma per­gunta “cabível” quase quarenta anos depois de tan­tos “per­rengues” e sac­ri­fí­cios da sociedade brasileira foi a “enviesada” resposta obtida do man­datário que, em pleno século XXI, no jor­nal de maior audiên­cia do país, informa à pat­uleia condições para respeitar o resul­tado das urnas: desde que limpas e trans­par­entes.

Mas quem irá dizer que as eleições foram limpas e trans­par­entes? Ele? Seu grupo? Alguns gen­erais das Forças Armadas que esque­ce­ram seu papel e se tornaram partidários?

Como vimos, desde 1985 que a democ­ra­cia brasileira vem se con­sol­i­dando, enfrentando e resol­vendo suas difi­cul­dades sem a tutela de ninguém.

Só agora vemos, tam­bém, a inde­v­ida e injus­ti­fi­cada intro­mis­são das Forças Armadas em assun­tos civis numa ten­ta­tiva de res­gatar o pro­tag­o­nismo – ou por tolice –, que só tiveram no período ante­rior à rede­moc­ra­ti­za­ção do país.

Pas­samos quase quarenta anos sem saber­mos os nomes das prin­ci­pais autori­dades mil­itares do país – estavam onde é o seu lugar: os quar­téis –, agora dia sim, no outro tam­bém, estão nos jor­nais, nos rádios, canais de tele­visão ou na inter­net dando “pitaco” sobre tudo que não é da sua alçada; se avi­s­tando com autori­dades e ques­tio­nando sobre assun­tos civis.

A impressão que se tem é que o Brasil tornou-​se uma “republi­queta de bananas” latino-​americana ou dos con­fins da África.

Em nen­huma democ­ra­cia do mundo acon­tece isso – não naque­las que mereçam tal denom­i­nação.

O Brasil vive uma situ­ação de “anor­mal­i­dade” democrática con­forme demon­straremos próx­imo texto.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.