AbdonMarinho - FAKE NEWS, PRECONCEITO E SILÊNCIO
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 11 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

FAKE NEWS, PRE­CON­CEITO E SILÊNCIO


FAKE NEWS, PRE­CON­CEITO E SILÊNCIO.

Por Abdon Marinho.

O ASSUNTO mais comen­tado na última sem­ana no estado, pelo menos pelas redes soci­ais e gru­pos de What­sApp é uma men­tira ou, como se diz atual­mente, uma fake news.

Trata-​se de uma lei san­cionada pelo gov­er­nador do estado recém eleito, Car­los Brandão, obri­g­ando os esta­b­elec­i­men­tos com­er­ci­ais, bares, restau­rantes, espaços de lazer e órgãos públi­cos a fixarem em local visível ao público, no local externo ou na entrada, pla­cas infor­ma­ti­vas, proibindo a dis­crim­i­nação em razão de ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero.

A lei tem ape­nas um artigo de con­teúdo, mas foi o que bas­tou para, de norte a sul do país, espalhar-​se que a “destru­ição da família brasileira” estava começando pelo Maran­hão. O estado era a nova Sodoma e Gomorra de que trata a Bíblia e hor­das de pedó­fi­los e desajus­ta­dos sex­u­ais estariam à espre­ita nos ban­heiros de meni­nos e meni­nas para abusar sex­ual­mente deles.

Tiaz­in­has e tioz­in­hos dos gru­pos de aplica­tivos começaram a dis­sem­i­nar áudios vir­u­len­tos con­tra esse novo apoc­alipse anun­ci­ado para o hor­i­zonte do país.

Empurrado para o “canto do ringue” pelos ataques vindo de todos os lados, o gov­er­nador ficou “sem ação”, ape­nas emitindo nas redes soci­ais um esclarec­i­mento de que a lei san­cionada na tratava da uti­liza­ção de ban­heiros.

A comu­ni­cação pública fal­hou mis­er­av­el­mente no enfrenta­mento da fake news dis­sem­i­nada. E mesmo a rede de blogues e inte­grantes da mídia pala­ciana não quis dar-​se ao tra­balho de defender o gov­er­nador.

Em uma sem­ana de ressaca eleitoral pós primeiro turno esse foi um dos motes para começarem a cam­panha eleitoral num nível próx­imo a 8 cen­tímet­ros – a altura da sar­jeta das ruas –, o que nos leva a acred­i­tar que até 30 de out­ubro, o “cidadão de bem” ainda vai dis­sem­i­nar muitas men­ti­ras e ataques para ten­tar impor sua von­tade nas urnas.

Con­trar­iando muitos ami­gos queri­dos, come­cei a escr­ever em 2010, após a pas­sagem do saudoso jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues.

Com a ausên­cia de WR senti a falta de uma análise política, social que inves­ti­gasse os fatos e ori­en­tasse o com­por­ta­mento ou colo­casse à dis­posição da sociedade civil um outro olhar sobre os acon­tec­i­men­tos até então desaperce­bido.

Doze anos depois con­tin­u­amos na mesma orfan­dade.

Em tem­pos de fake news e comu­ni­cação instan­tânea as men­ti­ras se tor­nam ver­dades antes mesmo que se tenha tempo de rea­gir ou de se dizer que as coisas não são como ditas ou que a inter­pre­tação dos fatos estão sendo dis­tor­ci­dos para aten­der a este ou aquele inter­esse político. Sem con­tar que muitas das vezes o silên­cio, a omis­são ou o “cala boca” ocorre pelo descom­pro­misso com o público ou são decor­rentes dos próprios pre­con­ceitos e inter­esses.

Tinha diver­sos assun­tos para tratar neste domingo.

Escol­he­ria um e adi­aria os demais. Na pauta, análise sobre os resul­ta­dos das eleições – que tratei em diver­sos tex­tos e que foram con­fir­ma­dos pelas urnas –, a eterna vio­lên­cia e pre­con­ceito con­tra o Nordeste e con­tra os nordes­ti­nos, a mer­can­tiliza­ção da fé como moeda de troca eleitoral, e por aí vai.

Aí surge essa tolice, ver­i­fico na imprensa e deparo-​me com o silên­cio ou com a con­veniên­cia de não se anal­isar os fatos como são e me vejo na obri­gação de esclare­cer a sociedade sobre a lou­cura que estão dis­sem­i­nando por inter­esses escu­sos, eleitorais ou por ignorância.

A primeira ver­dade óbvia que se deve esclare­cer é que a família brasileira por mais frag­ilizada que esteja ela jamais será “destruída” por uma lei de um artigo.

Dito isso, vamos a lei:

LEI11.827, DE 28 DE SETEM­BRO DE 2022

Esta­b­elece a obri­ga­to­riedade de fix­ação de pla­cas infor­ma­ti­vas, proibindo a dis­crim­i­nação em razão de ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero

O GOV­ER­NADOR DO ESTADO DO MARANHÃO,

Faço saber a todos os seus habi­tantes que a Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado decre­tou e eu san­ciono a seguinte Lei:

Art. 1° Ficam os esta­b­elec­i­men­tos com­er­ci­ais, bares, restau­rantes, espaços de lazer e órgãos públi­cos da Admin­is­tração Direta e Indi­reta do Estado do Maran­hão, obri­ga­dos a fixar em local visível ao público, no lado externo ou em uma de suas entradas, pla­cas infor­ma­ti­vas, proibindo a dis­crim­i­nação em razão de ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero.

Pará­grafo único. A placa dev­erá ser afix­ada em visível e con­fec­cionada no tamanho mín­imo de 50 cm (cinquenta cen­tímet­ros) de largura por 50 cm (cinquenta cen­tímet­ros) de altura e con­ter os seguintes dizeres:

«É expres­sa­mente proibida a prática de dis­crim­i­nação por ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero».

Art. 2° Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação”.

Li e reli a lei e não encon­trei no texto qual­quer ameaça comu­nista, hedo­nista ou à propa­gação de ideias visando a destru­ição da família.

A lei diz que nos locais referi­dos serão fix­adas pla­cas dizendo que “É expres­sa­mente proibida a prática de dis­crim­i­nação por ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero”.

Isso ofende a família brasileira? Rep­re­senta uma ameaça às famílias? As moças, rapazes, jovens, cri­anças?

Cer­ta­mente que não. Pelo con­trário, esses jovens e ado­les­centes, nasci­dos a par­tir do ano 2000, con­vivem muito bem com a diver­si­dade.

O con­teúdo da lei e da placa é emi­nen­te­mente educa­tivo e não dev­e­ria ser motivo de polêmica da parte de ninguém, nem mesmo dos com­er­ciantes e seus defen­sores que recla­mam desta nova despesa.

Não creio que uma placa educa­tiva vá “que­brar” algum com­er­ciante, pelo con­trário, vai é aumen­tar a sua fregue­sia ao mostrar que o esta­b­elec­i­mento não é tol­er­ante e conivente com práti­cas dis­crim­i­natórias.

Cabe esclare­cer que a lei estad­ual ape­nas repro­duz o espírito e o texto da Con­sti­tu­ição de 1988, que fez 34 anos na mesma sem­ana da falsa polêmica.

O preâm­bulo da Carta já esta­b­elece: “Nós, rep­re­sen­tantes do povo brasileiro, reunidos em Assem­bléia Nacional Con­sti­tu­inte para insti­tuir um Estado Democrático, des­ti­nado a asse­gu­rar o exer­cí­cio dos dire­itos soci­ais e indi­vid­u­ais, a liber­dade, a segu­rança, o bem-​estar, o desen­volvi­mento, a igual­dade e a justiça como val­ores supre­mos de uma sociedade fra­terna, plu­ral­ista e sem pre­con­ceitos, fun­dada na har­mo­nia social e com­pro­metida, na ordem interna e inter­na­cional, com a solução pací­fica das con­tro­vér­sias, pro­mul­g­amos, sob a pro­teção de Deus, a seguinte CON­STI­TU­IÇÃO DA REPÚBLICA FED­ER­A­TIVA DO BRASIL”.

Já no artigo 1º, coloca como fun­da­men­tos da república a cidada­nia e a dig­nidade da pes­soa humana.

E no artigo 5º, diz: “Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes: …”.

Ora, trinta e qua­tro anos depois da pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição que esta­b­ele­ceu que seríamos uma sociedade fra­terna, plu­ral­ista e sem pre­con­ceitos; onde teríamos como fun­da­men­tos, a cidada­nia e a dig­nidade da pes­soa humana; e que todos seriam iguais per­ante a lei sem dis­tinção de qual­quer natureza, ainda são assas­si­nadas, espan­cadas e/​ou vio­len­tadas pes­soas pelo sim­ples fato de out­ros dis­cor­darem de com quem elas vão para cama ou fazem sexo.

Mais de três décadas depois de todas essas garan­tias que estão na Con­sti­tu­ição, causa polêmica uma lei que manda afixar pla­cas em esta­b­elec­i­men­tos com­er­ci­ais e logradouros públi­cos dizendo que é proibida a dis­crim­i­nação por ori­en­tação sex­ual ou iden­ti­dade de gênero.

Tudo isso por conta de uma infamante cam­panha eleitoral, pois estou quase certo que leis de con­teúdo idên­tico ou assemel­hado já exis­tem em out­ros esta­dos ou municí­pios sem que tenha des­per­tado qual­quer polêmica.

A ideia da dis­sem­i­nação da fake news, parece-​nos ter sido para vin­cu­lar o gov­er­nador, que é de um par­tido político de esquerda, o PSB, a uma pauta de “destru­ição da família” e com isso atacar o can­didato pres­i­den­cial que ele apoia. Diante disso vale tudo.

Com isso igno­raram até que lei foi uma ini­cia­tiva da Assem­bleia Leg­isla­tiva que dis­cu­tiu em todos seus por­menores e aprovou o pro­jeto de lei de um dos seus mem­bros; depois de aprovado o pro­jeto lei foi ao Poder Exec­u­tivo que o sub­me­teu, mais uma vez, ao con­t­role de con­sti­tu­cional­i­dade e vendo que o mesmo não feria qual­quer dis­pos­i­tivo con­sti­tu­cional, levou a sanção do gov­er­nador, que o san­cio­nou e trans­for­mou em lei. E fez bem.

O Brasil pre­cisa sair deste obscu­ran­tismo, desta idade da trevas, onde uma lei que diz ser proibido dis­crim­i­nar pes­soas – muito emb­ora tal garan­tia já esteja esta­b­ele­cida na Con­sti­tu­ição –, seja objeto de polêmica.

Todos os que com­põem a sigla LGBTQIA + são brasileiros (ou estrangeiros res­i­dentes) e devem gozar das mes­mas garan­tias que os demais. Todos são país, mães, fil­hos, irmãos, ami­gos, sobrin­hos, par­entes e/​ou ami­gos de alguém, o mal que lhes é feito atinge a eles, suas famílias, os ami­gos e as pes­soas que os amam. Todos são eleitores e como tal, tanto eles quanto suas famílias e ami­gos, dev­e­riam aproveitar e respon­der nas urnas os pre­con­ceitos e dis­crim­i­nações sofridas.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.