AbdonMarinho - O fracasso de todos nós.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 10 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O fra­casso de todos nós.

O FRA­CASSO DE TODOS NÓS.

Por Abdon C. Marinho*.

SEXTA-​FEIRA, 5 de maio, o expe­di­ente já ia avançado (uma vez que ini­ci­ado por vota das sete horas) quando recebo uma lig­ação: — doutor Abdon, é o Gil, do PDT, o sen­hor pode me rece­ber? Chamado pela curiosi­dade, respondi-​lhe: — tudo bem, daqui a uma meia hora ou quarenta min­u­tos estarei livre, pode pas­sar no escritório.

Con­tin­uei a cuidar dos afaz­eres, aten­dendo um e outro e vendo out­ros assun­tos rela­ciona­dos aos múlti­p­los tra­bal­hos até que o rapaz chegou. Após alguns min­u­tos de con­versa – que a curiosi­dade fez pare­cer mais lon­gos –, veio a infor­mação sobre o real motivo da visita: — doutor, hoje é o Dia Nacional do Líder Comu­nitário, durante toda a sem­ana o par­tido fará ativi­dades rela­cionadas ao tema, cul­mi­nando com algu­mas palestra no ence­ra­mento da sem­ana, na próx­ima sexta-​feira, con­ver­sei com o líder do par­tido, com o pres­i­dente estad­ual, out­ras lid­er­anças par­tidárias e con­cor­damos que o seu nome é impor­tante para uma das palestras do evento. Além das lid­er­anças comu­nitárias da ilha, con­tare­mos com a pre­sença de lid­er­anças de out­ras partes do estado.

Emb­ora sur­preso e sur­preen­dido com o con­vite, disse-​lhe que ten­taria remane­jar ou pedir para um colega fazer uma audiên­cia suposta­mente mar­cada para o dia da palestra, mas que faria o pos­sível para com­pare­cer ao evento, con­fir­mando ainda naquele dia minha par­tic­i­pação.

Após sua saída e durante toda a sem­ana fiquei pen­sando no que pode­ria dizer aos líderes comu­nitários do PDT.

É bem ver­dade que desde cheguei na Ilha do Maran­hão, em 1985, tenho par­tic­i­pação na vida da comu­nidade. Já naquele ano, ao ingres­sar no ensino médio, no Liceu Maran­hense, e com a recolo­cação dos movi­men­tos estu­dan­tis na legal­i­dade, fun­damos os grêmios estu­dan­tis do Liceu, da Escola Téc­nica, do Gonçalves Dias, do Barce­lar Portela; ini­ci­amos as trata­ti­vas, na Casa do Estu­dante, na Rua do Pas­seio, para a fun­dação das enti­dades estu­dan­tis no âmbito munic­i­pal e estad­ual.

Para­le­la­mente a isso, par­tic­i­pamos da orga­ni­za­ção das enti­dades comu­nitárias de toda área do Turu, do con­junto habita­cional, Div­inéia, Santa Rosa, Mir­i­tiua, Sol e Mar, Litorânea, etc.

Depois, nos anos seguintes, a luta pela con­sti­tu­inte, os debates políti­cos para que a mesma rep­re­sen­tasse os anseios do povo; o movi­mento estu­dan­til uni­ver­sitário; a par­tic­i­pação já den­tro do Par­tido Social­ista Brasileiro — PSB (onde filiei-​me em 1991 e saí no final de 2021), por mais democ­ra­cia, por uma sociedade mais justa, por mel­ho­ria nas condições de saúde, edu­cação, sanea­mento básico, acesso aos dire­itos humanos fun­da­men­tais, fim da vio­lên­cia no campo, con­tra a cor­rupção e tan­tas out­ras pautas.

Nos últi­mos anos, mas pre­cisa­mente, desde 2010, minha par­tic­i­pação, mais efe­tiva, tem sido através dos arti­gos que escrevo, das min­has crôni­cas de finais de sem­ana, nem sem­pre com­preen­di­das, mas cujo o obje­tivo é chamar a atenção para os reais prob­le­mas brasileiros e do estado.

Pas­sei a sem­ana pen­sando sobre o que falaria aos pede­tis­tas, no encon­tro mar­cado para o dia 12, na histórica sede da Rua dos Afo­ga­dos.

Não cheguei a uma con­clusão ou pauta. Alguém do par­tido ligou para per­gun­tar sobre o assunto que falaria e se pre­cis­aria de algum suporte, disse-​lhe que o micro­fone seria sufi­ciente e que faria uma abor­dagem sobre os movi­men­tos pop­u­lares, sem entrar em detal­hes. Pen­sei em falar das min­has exper­iên­cias.

Nos dia e horário apraza­dos cheguei à histórica sede do par­tido, no cen­tro da cap­i­tal, para a palestra com­bi­nada sem saber, até aquele momento, que tipo de abor­dagem faria sobre assunto pro­posto. Emb­ora ten­ham me ofer­e­cido uma sala para ficar enquanto os líderes do movi­mento fariam a aber­tura do evento, preferi ficar no auditório.

Foi ao ouvi-​los, naquela meia hora, que defini a abor­dagem que daria ao tema.

Os primeiros comu­nitários ao falar, colo­caram as difi­cul­dades que enfrentam no dia a dia por mais edu­cação, por creches onde as mães pos­sam deixar os fil­hos em segu­rança para poderem tra­bal­har e assim con­quis­tar a igual­dade de gênero, por trans­porte público de qual­i­dade, por saúde, as difi­cul­dades que os cidadãos enfrentam por um trata­mento médico de qual­i­dade, por medica­men­tos e até mesmo, na hora da morte, para con­seguirem aviar um caixão ou o custeio de um enterro para uma pes­soa mais neces­si­tada – quase toda a pop­u­lação do estado.

Chamado ao cen­tro da mesa para minha exposição de quarenta min­u­tos (que depois foi esten­dida para muito além), come­cei por dizer-​lhes da minha ale­gria de, nova­mente, par­til­har de um momento de debates políti­cos sobre os assun­tos rela­ciona­dos ao nosso estado e as pau­tas políti­cas que afligem o Brasil e por ver­i­ficar em um auditório lotado, o vivo inter­esse, prin­ci­pal­mente dos mais jovens, em debater tais assun­tos.

Em seguida disse-​lhes que as min­has palavras seguintes seriam de des­cul­pas por ter­mos fra­cas­sa­dos mis­er­av­el­mente na mis­são que nos incumbi­mos lá atrás: de deixar­mos para as ger­ações seguintes um estado com out­ras pau­tas, pois ali, está­va­mos dis­cutindo, naquela manhã, aque­las mes­mas pau­tas de quarenta anos.

E pior – o que realça ainda mais o nosso fra­casso –, esta­mos dis­cutindo as mes­mas pau­tas, por mais saúde, mais edu­cação, mais dire­itos soci­ais, mais sanea­mento, mais trans­porte público de qual­i­dade, mais dig­nidade humana para os cidadãos, sem qual­quer con­sciên­cia crítica.

Quando lutá­va­mos por estas mes­mas coisas em mea­dos dos anos oitenta e noventa, tín­hamos acabado de sair de uma ditadura, onde, sequer, se podia opinar, onde a crítica era con­sid­er­ada ofensa.

Dizia a eles que con­tin­u­amos com as mes­mas pau­tas e sem con­sciên­cia crítica porque fes­te­jamos que mesmo os gov­er­nos que elege­mos para mudar a real­i­dade do estado e do país, tratem a dis­tribuição de ces­tas bási­cas, pro­gra­mas assis­ten­ci­ais e/​ou de dis­tribuição de renda como políti­cas públi­cas, ao invés de ter­mos tais coisas (necessária, é ver­dade) como a prova de que fra­cas­samos na mis­são de dar­mos uma vida digna aos cidadãos, para que estes não pre­cisem mendi­gar por uma cesta básica, um bene­fí­cio ou se humil­har nas datas históri­cas para rece­ber um ou dois qui­los de peixe.

Dizia-​lhes mais: os gov­er­nos estad­u­ais que elege­mos, os dois anos do PDT, com Jack­son Lago; os quase oito do PCdoB, com Flávio Dino; e este que agora ini­cia do PSB (par­tido onde estive por trinta anos), com Car­los Brandão, além de não revert­erem as pau­tas de décadas – ou por falta de tempo ou de visão –, “nor­malizaram” como mérito aquilo que dev­e­ria nos enver­gonhar.

Mostrava-​lhes que é assim, por exem­plo, com as “inau­gu­ração de ces­tas bási­cas”, pois é, temos isso, as autori­dades sobem no palanque, erguem a cesta básica e dizem que irão dis­tribuir mil­hares delas aos fam­intos; ou com as inau­gu­rações de restau­rantes pop­u­lares, onde as autori­dades, só fal­tavam (falta?) con­tratar banda de forró, para fes­te­jar o fato de aque­les cidadãos que não têm o que comer poderão se ali­men­tar bem com um real ou o que o valha.

Dizia aque­les jovens líderes comu­nitários, que enten­dessem bem, não estava crit­i­cando um ou outro pro­grama, pois con­hecendo cada palmo do estado, sei que são necessários, mas sim o fato de esta­mos “can­tando” van­tagem ou com “gabo­l­ice” encima dos nos­sos fra­cas­sos.

Dizia que tal situ­ação muito me lem­brava ati­tude de deter­mi­nado secretário de estado de um gov­erno ante­rior que diante da agudeza da falta d’água na cap­i­tal, pois em “revista” dezenas de carros-​pipas para “resolver” o prob­lema.

Pois, em ver­dade, o que cidadão quer é não pre­cisar de uma cesta básica ou de ficar ao sol de meio-​dia na fila do restau­rante pop­u­lar para se ali­men­tar a um real, ele quer é tem sua própria renda, sua própria dig­nidade, para com­prar ou pro­duzir seu sus­tento e acen­der o fogão da sua casa três ou qua­tro vezes por dia para fazer sua comida.

O que cidadão anseia é por não ter que deixar sua família para ser explo­rado como mão de obra escrava nos out­ros esta­dos da fed­er­ação.

Essa é a grande con­tradição que pre­cisamos reverter: os gov­er­nos estad­u­ais ou fed­eral – ape­nas esta­b­ele­cido o marco/​corte de 1985, por conta da rede­moc­ra­ti­za­ção do país –, a despeito de ter­mos uma con­sti­tu­ição cidadã, não ape­nas não nos garan­ti­ram os dire­itos bási­cos, pelos quais luta­mos há quase quarenta anos, como “empurrou” a pop­u­lação para aceitar viver de esmo­las.

No Maran­hão tal real­i­dade é ainda mais pre­sente pois a “nor­mal­iza­ção das pau­tas menores” não des­perta a revolta de quase ninguém (ou aque­les que se revoltam se calam).

Um outro exem­plo disso, citado na palestra com os pede­tis­tas, foi assi­s­tir­mos um gov­erno inteiro mobi­lizado (desde secretários, adjun­tos, dep­uta­dos, prefeitos e toda sorte de gente) em torno da escolha, pela cat­e­go­ria dos advo­ga­dos, de um rep­re­sen­tante para com­por o TJMA.

Foram sessenta dias (e con­tinua) de movi­men­tação para que o escol­hido ou a escol­hida seja da prefer­ên­cia dos “donos do poder”.

E eu me per­gunto: qual a relevân­cia de tal fato para os inter­esses maiores do estado? Para as políti­cas públi­cas, tão necessárias, para o nosso povo? Nen­huma, pelo con­trário, abre-​se um prece­dente gravís­simo para a nossa democ­ra­cia. Em out­ras palavras, é uma ver­gonha.

Há um ano, escrevi um texto inti­t­u­lado “O fra­casso da ger­ação Pira­pora”, em alusão ao local onde ini­ci­amos tan­tas lutas pelo nosso estado.

As palavras ali con­ti­das e as pro­feri­das por ocasião do debate com os líderes comu­nitários do PDT, não terão qual­quer eco, ninguém se impor­tará com elas, mas fica o reg­istro de alguém que não se con­for­mou e não se con­forma com esse tipo de coisa, alguém que tem con­sciên­cia que fra­cas­samos.

Abdon C. Mar­inho é advogado.