AbdonMarinho - O RETRATO DE UM BREVE FRACASSO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 19 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O RETRATO DE UM BREVE FRACASSO.

O RETRATO DE UM BREVE FRACASSO.

Por Abdon Marinho.

TENDO PAS­SADO mais de uma sem­ana do fim da greve dos cam­in­honeiros a mídia informa que o abastec­i­mento de hor­tifruti­granjeiros na cap­i­tal e nas prin­ci­pais cidades do estado já se encon­tra quase nor­mal.

Emb­ora colo­quem as coisas nat­u­ral­i­dade, como se o reabastec­i­mento fosse con­se­quên­cia nor­mal do final do movi­mento pare­dista quando isso não é ver­dade. Pelo menos esconde uma real­i­dade que não querem ou não queiram dis­cu­tir.

Vamos a ela.

No dia seguinte a defla­gração da greve fui a Caru­ta­pera de onde retornei ape­nas na quinta-​feira. Pois bem, tanto na ida quando na vinda, não vi nen­hum ponto de inter­rupção do trân­sito nas vias estad­u­ais e fed­erais. Tam­bém, salvo um ou outro, não tive­mos notí­cia de blo­queio de vias noutras partes do estado.

Outra con­sid­er­ação é que já no fim de sem­ana seguinte ao iní­cio da greve o gov­erno anun­ci­ava, em tons de vitória, que estava con­seguindo man­dar com­bustível para os pos­tos da cap­i­tal e do inte­rior.

As asserti­vas acima sus­ci­tam uma inda­gação e redunda numa constatação.

A per­gunta é: por que, decor­ri­dos tan­tos dias da total des­ob­strução das vias (se é que foram blo­queadas algum dia no estado) o abastec­i­mento nas prin­ci­pais cidades do Maran­hão não se normalizou?

A con­statação, em resposta à inda­gação é : porque o Maran­hão estar pro­duzindo a mesma coisa que pro­duzia no gov­erno ante­rior, ou seja, nada.

Há quase dez anos faço o desafio da CEASA aos gov­er­nantes e can­didatos. O desafio que é eles, gestores ou políti­cos se diri­jam aquele cen­tro de dis­tribuição para con­statarem, com os próprios olhos, a origem dos pro­du­tos que abaste­cem a cap­i­tal.

O mesmo desafio vale tam­bém para o inte­rior. Hoje não ape­nas a cap­i­tal ou os maiores cen­tros, mas, quase a total­i­dade dos municí­pios são abaste­ci­dos de “hor­tifruti” vin­dos de out­ros esta­dos. Os empresários vão bus­car na Bahia, no Ceará e, até mesmo, no Piauí esses pro­du­tos para dis­tribuirem pelos municí­pios maran­henses.

Vejam o quão absurda é esta situ­ação. Temos um estado dos mais agricultáveis, ainda com água abun­dante, mas que não pro­duz nada e tem que impor­tar quase tudo que con­some.

Out­ros esta­dos do nordeste em situ­ação bem infe­rior a nossa, em ter­mos de recur­sos nat­u­rais, pro­duzem de tudo. Até uvas, já se pro­duz em escala indus­trial nos esta­dos do semi­árido, inclu­sive para expor­tação enquanto o Maran­hão vem regredindo na sua pro­dução ao longo dos anos.

A crise, provo­cada pela greve dos cam­in­honeiros, desnudou a nossa ver­gonhosa isso. Não haviam blo­queios nas estradas maran­henses que impedis­sem a chegada de pro­du­tos nas gôn­dolas dos super­me­r­ca­dos ou nas ban­cas das feiras. O desabastec­i­mento se deu – e ainda não estar nor­mal –, porque todos (ou quase todos) os pro­du­tos con­sum­i­dos vêm de out­ros esta­dos. Esta é a dura real­i­dade.

O Maran­hão não pro­duz fru­tas, não pro­duz ver­duras; não pro­duz, nem mesmo, hor­tal­iças. O din­heiro que dev­e­ria ficar no bolso dos cidadãos maran­henses vai for­t­ale­cer a econo­mia dos pro­du­tores da Bahia, do Ceará, de Per­nam­buco e do Piauí.

Será que os gov­er­nantes maran­henses – e não ape­nas os atu­ais –, acham razoável que um estado com tan­tas condições favoráveis não pro­duza nada? Será que não ficam con­strangi­dos em saber que batata, tomate, cebola, laranja, banana, limão, abób­ora, melan­cia, aba­caxi, pimen­tão, couve e tudo mais, até mesmo cheiro-​verde, que pode­riam ser pro­duzi­dos por aqui ten­ham de ser impor­tadas de out­ros esta­dos? Será que não sen­tem ver­gonha pelo fato da nossa pop­u­lação vir a mor­rer se, por­ven­tura, algum dia fecharem as fron­teiras estaduais?

Na atual quadra, numa hipotética situ­ação de fecharem as fron­teiras, isso acon­te­ceria. Infe­liz­mente o Maran­hão, a despeito de tudo que falamos ao longo dos anos não tem pro­dução em escala para ali­men­tar sua pop­u­lação. Arrisco dizer que não tem pro­dução nen­huma.

A agri­cul­tura famil­iar não con­segue pro­duzir o sufi­ciente para a sub­sistên­cia dos seus próprios inte­grantes.

Os pro­gra­mas de incen­tivo esta­cionaram no tempo ou ficaram no campo das boas intenções nunca con­cretizadas e os tra­bal­hadores não pos­suem estí­mu­los, dis­posição ou assistên­cia sufi­ciente para pro­duzirem qual­quer coisa. Não pas­sam de pro­gra­mas para “inglês ver”, sem qual­quer relevân­cia para a econo­mia.

A greve rev­elou que a política des­ti­nada a fix­ação do homem no campo com pro­dução para sub­sistên­cia e para o abastec­i­mento local e cir­cun­viz­in­hos, pas­sa­dos três anos e meio desde o iní­cio do atual gov­erno, não se con­cretizou. Emb­ora ten­ham cri­ado até uma sec­re­taria de estado com esta finalidade.

Nos últi­mos anos tenho per­cor­rido as estradas do Maran­hão e desde muito tempo tenho aler­tado que a qual­quer hora do dia que passé nes­tas estradas vejo dezenas de pes­soas ded­i­cadas ao ócio, quando deviam está tra­bal­hando.

Uma grande parcela dos municí­pios, senão todos, têm a econo­mia vin­cu­lada aos pro­gra­mas de dis­tribuição de renda pública, as famosas “bol­sas”; a receita vin­cu­lada as aposen­ta­do­rias e pen­sões; as receitas dos servi­dores públi­cos; e as trans­fer­ên­cias con­sti­tu­cionais, FPM, ICMS. FUN­DEB, SUS, etc.

Fora destas, não exis­tem out­ras, os municí­pios estão cada vez mais pobres. Se por qual­quer motivo, um dia ces­sarem estas receitas, os maran­henses mor­rerão de fome.

Na ver­dade, vive­mos uma situ­ação de extrema pobreza. O Maran­hão vive um cres­cente empo­brec­i­mento, não é de hoje, são décadas de deses­tí­mulo aos arran­jos pro­du­tivos locais, de aban­dono em que as políti­cas públi­cas são feitas “da boca para fora”.

Sou do inte­rior, meu pai criou mais de uma dezena de fil­hos com fruto do seu tra­balho no campo, éramos pobres, mas na nossa casa nunca fal­tou o arroz, o fei­jão, o milho, a macax­eira, a man­dioca, a abób­ora, bananas de todas as espé­cies, man­gas, as mais vari­adas, laran­jas, tan­jas; nunca fal­tou capões no quin­tal, gal­in­has, por­cos, cabras e mesmo umas vaquin­has para pro­duzir o leite que con­sumíamos.

Não era ape­nas meus pais, eram meus tios, meus viz­in­hos, todos da comu­nidade. Não havia família que não pos­suísse pro­dução de, pelo menos, arroz, fei­jão, milho, sufi­cientes para durar no mín­imo dois ou três anos, na even­tu­al­i­dade da safra não ser muito boa num ano.

Difer­ente de hoje, as pes­soas não viviam nas por­tas dos políti­cos ou das prefeituras. As pes­soas tin­ham ver­gonha de pedir esmola ou de viver dos favores alheios.

Não existe mais nada disso no inte­rior do Maran­hão. O que vemos é o aban­dono e pes­soas com idade de tra­balho, com a cara para cima esperando as esmo­las gov­er­na­men­tais e, tam­bém, dos políti­cos ine­scrupu­losos.

Hoje a pro­dução agrí­cola está cen­trada no agronegó­cio, nas mono­cul­turas como a da soja. Outro dia vi o gov­erno fes­te­jando os bons números desta pro­dução. Nada con­tra, mas essa ativi­dade pouco ou nada depende da ação gov­er­na­men­tal, bem difer­ente da inex­is­tente agri­cul­tura famil­iar.

O gov­erno fes­teja um sucesso que não é seu e silen­cia ante o fra­casso das demais ativi­dades agrí­co­las que dev­e­ria incen­ti­var e pro­mover.

Uma per­gunta der­radeira se faz necessária: até quando ter­e­mos de con­viver com a falta de plane­ja­mento, ini­cia­tiva, com­petên­cia, causas da ampli­ação da mis­éria do nosso estado e nossa gente?

Abdon Mar­inho é advo­gado.