AbdonMarinho - A democracia não teme as ruas
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 19 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A democ­ra­cia não teme as ruas

A DEMOC­RA­CIA NÃO TEME AS RUAS.

Por Abdon Marinho.

FOI nos meus primeiros anos na escola – e já se vão uns quarenta anos –, que aprendi o sig­nifi­cado da palavra democ­ra­cia. Lá estava a pro­fes­sor­inha dizendo: o termo democ­ra­cia vem do grego dēmokratía e sig­nifica gov­erno do povo, sendo que “demos” = povo e kratos = poder; o termo democ­ra­cia tem origem no século V a. C.

Dito isso, temos por certo que o con­ceito de democ­ra­cia e sua sig­nifi­cação tem mais de dois mil e quin­hen­tos anos de “estrada”.

Faço tais con­sid­er­ações bási­cas porque, pelo que tenho ouvido, lido e assis­tido de man­i­fes­tações, prin­ci­pal­mente, de autori­dades, chego a con­clusão que o Brasil pre­cisa voltar ao primário.

São dois milênios e meio de um con­ceito que as pes­soas, ainda nos dias atu­ais, teimam em não saber, ou pior, em dá a inter­pre­tação que lhes é conveniente.

Digo isso a propósito de uma man­i­fes­tação agen­dada para o dia 15 de março em apoio ao gov­erno fed­eral e às muitas inter­pre­tações e nar­ra­ti­vas a respeito da mesma.

Até onde sei, o movi­mento, ainda que com a par­tic­i­pação de alguns inte­grantes do gov­erno, é autônomo, vale dizer não é “ban­cado” com recur­sos públi­cos; não está coagindo ninguém a par­tic­i­par e está fazendo suas con­vo­cações para defender seus posi­ciona­men­tos, num espec­tro político de ampla liber­dade de ideias.

Até o onde sei, a con­vo­cação não parte do chefe do Poder Exec­u­tivo – e ainda que par­tisse, não teria nada demais –, que, ape­nas, e tão somente, retrans­mi­tiu uma men­sagem de con­vo­cação do ato marcado.

Este sim­ples ato – retrans­mi­tir uma men­sagem ou diver­sas men­sagens –, tem sido inter­pre­tado pelos “sábios” de plan­tão como um crime de respon­s­abil­i­dade, a moti­var o impeach­ment do pres­i­dente e um aten­tado con­tra a democ­ra­cia.

São min­istros do supremo, gov­er­nadores de estado, senadores e dep­uta­dos, estad­u­ais e fed­erais, além de inúmeros jor­nal­is­tas, muitos à soldo de deter­mi­nadas pau­tas, falando estas e out­ras bobagens.

A democ­ra­cia não teme as ruas, não teme o povo nas ruas prote­s­tando, muito pelo con­trário, isso é da essên­cia das democ­ra­cias pujantes.

Ape­nas para citar alguns exem­p­los, depois da Segunda Guerra Mundial já tive­mos mul­ti­dões nas ruas con­tra a cor­rida arma­men­tista; con­tra a pro­lif­er­ação de armas nucleares; con­tra as guer­ras das Cor­eias e do Vietnã; as man­i­fes­tações de 68; con­tra e a favor do aborto; con­tra o Muro de Berlim, etc.

No Brasil tive­mos inúmeras man­i­fes­tações con­tra o régime mil­i­tar; pela volta das eleições dire­tas; pela Con­sti­tu­inte; pelo impeach­ment de Col­lor; por reforma agrária; as man­i­fes­tações de 2013, com pau­tas diver­sas; pelo impeach­ment de Dilma, etc.

O povo é o “dono” da democ­ra­cia pelo sim­ples fato, como repisamos a lição do primário, que muitos esque­ce­ram, democ­ra­cia é o povo no poder (demos” = povo e kratos = poder).

Me per­doem, mas sus­ten­tar que o povo nas ruas prote­s­tando por quais­quer pau­tas, ainda as mais absur­das, atenta con­tra a democ­ra­cia, é pas­sar um ates­tado de ignorância.

Vi uns e out­ros dizendo que os protestos serão pro­movi­dos por rea­cionários, con­ser­vadores. E daí?

Estas pes­soas são tão cidadãos quanto os demais, cumprem suas obri­gações e pagam seus impos­tos como quais­quer outros.

Os inco­moda­dos que mar­quem seus protestos tam­bém, defendam suas pau­tas nas ruas.

A mar­avilha de viver­mos no Brasil é que qual­quer um tem plena liber­dade de ir às ruas fazer seu protesto, soz­inho ou em grupo, desde que pací­fico.

Até bem pouco tempo tín­hamos protestos quase diários em Brasília, muitos deles vio­len­tos e quase todos custea­dos com din­heiro público. Os par­tidos que estavam no poder “apar­el­haram” movi­men­tos soci­ais para que fos­sem as ruas pres­sionar o Con­gresso Nacional e o Supremo Tri­bunal Fed­eral, na defesa de suas pau­tas.

Isso nunca cau­sou escân­dalo em quem quer que fosse, nem mes­mos nestes que hoje se dizem escan­dal­iza­dos pelo fato do pres­i­dente da República ter retrans­mi­tido uma men­sagem que con­voca um ato pací­fico, custeado as expen­sas dos seus par­tic­i­pantes e orga­ni­zadores, em defesa do seu governo.

Onde estavam nas últi­mas décadas quando os gov­er­nos patroci­navam com recur­sos públi­cos toda a sorte de man­i­fes­tações e movi­men­tos, inclu­sive, os de cunho violento?

Onde estavam os min­istros do Supremo? onde estavam os pres­i­dentes das casas do Con­gresso Nacional? Onde estavam os gov­er­nadores? Onde estavam os dep­uta­dos estad­u­ais, fed­erais e senadores?

Pois é, antes tin­ham a com­preen­são que man­i­fes­tações públi­cas eram expressões legí­ti­mas da democ­ra­cia, agora não.

Con­tinua sendo, o povo é o dono real do poder. Ele na rua é sinôn­imo de que as coisas devem ser resolvi­das den­tro das regras da democ­ra­cia.

Não sei se assisto a um dan­tesco espetáculo de hipocrisia ou de cin­ismo. Tomem tento, meus sen­hores, como dizia meu pai.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral no seu artigo 5º, inciso XVI, asse­gura: “XVI — todos podem reunir-​se paci­fi­ca­mente, sem armas, em locais aber­tos ao público, inde­pen­den­te­mente de autor­iza­ção, desde que não frus­trem outra reunião ante­ri­or­mente con­vo­cada para o mesmo local, sendo ape­nas exigido prévio aviso à autori­dade competente;”.

Este dis­pos­i­tivo con­sti­tu­cional é uma garan­tia dos dire­itos da cidada­nia. Sim, os cidadãos podem ir às ruas protestarem livre­mente con­tra o que acham errado; podem recla­mar dos poderes e insti­tu­ições. Isso é democracia.

Ah, estão con­vo­cando para protes­tar con­tra o Con­gresso Nacional e con­tra o STF. E o que tem de errado em protes­tar con­tra o Con­gresso Nacional e o STF?

Estes poderes, assim como o Poder Exec­u­tivo, estão sub­or­di­na­dos a von­tade dos cidadãos.

Não ape­nas podem, mas sem­pre que pos­sível, até para que saibam que não estão agradando, devem ser alvos de protestos nas ruas, sim!

O protesto é o cidadão que paga a conta dizendo que não con­corda com o que estão fazendo fal­sa­mente em seu nome.

O que inco­moda os que estão com esse mim­imi todo é que, pelo que soube, a pauta do protesto con­vo­cado é muito especí­fica: os man­i­fes­tantes estão con­tra o fato do Con­gresso Nacional querer dis­por de uma gorda fatia do orça­mento da União, traduzindo, do din­heiro público em bene­fí­cio de seus próprios mem­bros.

São trinta bil­hões, ou mais, que o Con­gresso Nacional – mais caro do mundo –, quer “meter a mão”. Os que protes­tam têm a plena con­vicção que grande parte, senão a maior parte, destes recur­sos serão desvi­a­dos. Voltarão para o bolso de suas excelên­cias, salvo rarís­si­mas exceções.

Fazia tempo que não via uma pauta tão justa.

O povo nas ruas, de forma ordeira e pací­fica, vai dizer que não con­corda que o seu din­heiro, o nosso din­heiro, o din­heiro do con­tribuinte seja rou­bado, é isso. Só isso!

Na defesa dos recur­sos da nação, con­tra os rou­bos, insti­tu­cional­iza­dos ou não, dev­e­ria haver um protesto diário.

O Brasil tem o estranho “tal­ento” de trans­for­mar ideias boas em monstros.

É o que acon­tece com o tal orça­mento impos­i­tivo. A ideia era boa. Mas o que tem acon­te­cido? Suas excelên­cias querem se apoderar da maior parte do orça­mento da união em proveito próprio.

Trata-​se de uma per­ver­são da democ­ra­cia. Os dep­uta­dos e senadores “nadando no din­heiro público”, sem con­tar os fun­dos eleitorais e par­tidários, dis­putam eleições em condições de abso­luta desigual­dade com os demais brasileiros que dese­jam rep­re­sen­tar o seu povo numa das casas do con­gresso.

Nos últi­mos tem­pos, o que mais tenho ouvido são pes­soas dizendo que não têm cor­agem de enfrentar uma dis­puta eleitoral com os atu­ais deten­tores de mandatos eletivos.

Essa desigual­dade, a que as autori­dades pare­cem cegas, fere muito mais a democ­ra­cia do que a con­vo­cação de qual­quer protesto pop­u­lar.

Ape­nas os bem idio­tas ou mal inten­ciona­dos caem nessa lorota de que os pres­i­dentes da Câmara dos Dep­uta­dos e do Senado da República estão pre­ocu­pa­dos com a democ­ra­cia no país.

Neste caso especí­fico, menos ainda, pois não é seg­redo para ninguém que dese­jam a manip­u­lação destes recur­sos da nação para “con­vencerem” seus pares a mudarem a Con­sti­tu­ição da República e per­mi­tir que os mes­mos se per­petuem nos car­gos. É “só” isso que querem.

O país não pode se calar diante disso. O cam­inho das ruas é o mais democrático e o único a seguir.

O povo nas ruas prote­s­tando é a prova de que nem tudo, ainda, está per­dido. Como dizia aquele velho bor­dão de tan­tas lutas: o povo unido jamais será vencido!

Abdon Mar­inho é advo­gado.