AbdonMarinho - INTERVENÇÃO E VIOLÊNCIA: A ÚLTIMA CARTADA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 27 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

INTER­VENÇÃO E VIO­LÊN­CIA: A ÚLTIMA CARTADA.

INTER­VENÇÃO E VIO­LÊN­CIA: A ÚLTIMA CAR­TADA.
Por Abdon Mar­inho.
O GOV­ERNO fed­eral decidiu pela inter­venção no Rio de Janeiro, tendo con­seguido o apoio de larga maio­ria nas Casas do Con­gresso Nacional.
A inter­venção, pelo ineditismo – a primeira desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país –, como era de se esperar, causa polêmi­cas de toda ordem.
Con­fesso que tenho sérias dúvi­das quanto ao instru­mento usado: o gov­erno fed­eral assumir a segu­rança pública de uma unidade da fed­er­ação nos deixa reféns da ideia de que não podemos fal­har. A falha numa mis­são como esta rep­re­sen­tará a dec­re­tação de falên­cia do Estado e a ban­didagem retornará aos seus pos­tos bem mais for­t­ale­cida.
Este é o meu “senão”. Mas não tenho dúvi­das que alguma medida pre­cis­aria ser ado­tada e com urgên­cia.
Os números da vio­lên­cia são acacha­pantes: mais de sessenta mil homicí­dios por ano; poli­ci­ais sendo abati­dos como moscas; os ban­di­dos afrontando o Estado de todas as suas for­mas.
Não são ape­nas ban­di­dos fan­tasi­a­dos dis­parando fuzis ou metral­hado­ras ou pro­movendo arrastões nas areias das pra­ias, nas avenidas de grande cir­cu­lações, temos em diver­sos can­tos do país, quase todos os cen­tros urbanos, zonas onde o crime orga­ni­zado dom­ina, faz o dire­ito, diz o que o cidadão de bem, tra­bal­hador, deve ou não fazer, já esta­b­ele­cendo a pena no caso de des­obe­diên­cia.
O sen­ti­mento da sociedade é que a guerra con­tra a crim­i­nal­i­dade está per­dida. Os inves­ti­men­tos na segu­rança pública, nos instru­men­tos de inves­ti­gação e inteligên­cia, em todo país são pífios.
Na outra ponta temos a crim­i­nal­i­dade cada vez mais “profis­sion­al­izada” com uma imensa capaci­dade de adap­tação, com recur­sos de sobra para cor­romper todos aque­les que se dispon­ham a serem cor­rompi­dos.
Na questão da segu­rança uma imagem bem ilus­tra­tiva é que na cor­rida o Estado vai de ele­fante e a crim­i­nal­i­dade vai de tigre. Ou, ainda, a difí­cil mis­são de enx­u­gar gelo.
A sociedade ao apoiar uma inter­venção mil­i­tar na segu­rança do Rio de Janeiro tem na mesma uma espé­cie de der­radeira “tábua de sal­vação”, quer acred­i­tar que os mil­itares irão “resolver” aquilo que as autori­dades civis prom­e­tem há mais de trinta anos e não resolvem, pelo con­trário, nas últi­mas décadas temos um recrude­sci­mento da crim­i­nal­i­dade em todo país até chegar­mos aos ina­cred­itáveis números de hoje.
E vejam que no que­sito segu­rança a morte vio­lenta inten­cional, talvez, nem seja o indi­cador mais grave – emb­ora o mais rad­i­cal –, temos os rou­bos, fur­tos, arrom­ba­men­tos, o trá­fico de dro­gas, de pes­soas, as várias modal­i­dades de extorsão, etc.
A inter­venção – ainda que em um único setor da admin­is­tração –, é uma medida excep­cional. O princí­pio é o da “não inter­venção”, con­forme se depreende da leitura do texto con­sti­tu­cional: “Art. 34. A União não inter­virá nos Esta­dos nem no Dis­trito Fed­eral, exceto para: … III — pôr termo a grave com­pro­me­ti­mento da ordem pública;”
Assisto debates, vejo as man­i­fes­tações da classe política e, infe­liz­mente, fico com a impressão de que muitos não sabem a gravi­dade da situ­ação pela qual vem pas­sando país. Não se dão conta que o Brasil é um paciente enfermo pre­cisando de cuida­dos excep­cionais e não terá cura sem um con­junto de medi­das dos seus diri­gentes.
Qual­quer pes­soa com um mín­imo de bom senso é sabedora que a inter­venção fed­eral é uma medida que, se bem empre­gada, vai ape­nas diminuir os impactos da vio­lên­cia na vida dos cidadãos, estando, sobre­tudo, soz­inha, longe de rep­re­sen­tar uma solução defin­i­tiva.
Ainda assim, reti­rar os cidadãos da situ­ação de guerra em que se encon­tram, onde cada saída de casa rep­re­senta um risco a vida; onde mesmo den­tro de casa cor­rem o risco de serem alve­jadas por balas per­di­das; onde os cri­anças não con­seguem estu­dar sobres­saltadas por mais de uma dezena de tiroteios diários, rep­re­senta um rel­a­tivo avanço, um trégua enquanto se busca soluções reais.
O crime orga­ni­zado cresceu, tam­bém, como con­se­quên­cia do pre­con­ceito com qual sem­pre se encarou a segu­rança pública, prin­ci­pal­mente nas últi­mas décadas.
Não sei quem colo­cou na cabeça dos diri­gentes deste país que os crim­i­nosos são, nec­es­sari­a­mente, vítima da sociedade e que toda vio­lên­cia é pos­sível se com­bater ape­nas com políti­cas públi­cas.
Pre­sos neste raciocínio, vice­jaram os dis­cur­sos de idol­a­tria a ban­di­dos ou a vitimiza­ção de todos que fizessem da vio­lên­cia um método de dom­i­nação e sobre­vivên­cia.
Ainda hoje, diante de tanta crise, não são poucos os que tratam as forças de segu­rança como “inimi­gas” da pop­u­lação civil. Havendo, inclu­sive os que pregam a extinção das Forças Armadas e das Polí­cias. Um idi­o­tismo sem qual­quer amparo na real­i­dade. Estes últi­mos, feliz­mente, são mino­rias.
Voltando à questão especí­fica da inter­venção fed­eral no Rio de Janeiro, acred­ito que é chegada a hora de colo­car­mos as insti­tu­ições da República em sin­to­nia com suas atribuições con­sti­tu­cionais, fazendo isso desprovi­dos de pre­con­ceitos.
As Forças Armadas, as polí­cias têm respon­s­abil­i­dades clara­mente esta­b­ele­ci­das.
Assim, não há que se falar em incon­sti­tu­cional­i­dade ou ile­gal­i­dade da inter­venção. Ela está posta, dec­re­tada pela autori­dade e ref­er­en­dada pelas Casas do Con­gresso Nacional.
Assim, a inter­venção fed­eral não é um golpe nas insti­tu­ições, suas ativi­dades serão mon­i­toradas por diver­sos mecan­is­mos de con­t­role das insti­tu­ições de Estado.
Ao meu sen­tir trata-​se de um grande equívoco das forças políti­cas (parte dela) colo­car em segundo plano a grave questão da segu­rança pública, para tratar a inter­venção fed­eral como jogada de mar­ket­ing dos atu­ais inquili­nos do Planalto.
Não duvido que isso possa acon­te­cer – os inca­pazes são capazes do inimag­inável. Entre­tanto, não acred­ito que isso ocorra com o con­sór­cio das Forças Armadas, estas, estou certo, estarão pre­ocu­padas em se desin­cumbirem de sua mis­são e tudo farão neste sen­tido.
Acred­ito, tam­bém, que sem out­ras medi­das: con­t­role das fron­teiras, um Judi­ciário e um Min­istério Público enga­ja­dos, além das polí­cias, e ainda uma leg­is­lação mais rig­orosa, não ire­mos muito longe no esforço de com­bater a vio­lên­cia, tão sed­i­men­tada.
Vejam, não faz muitos dias noticiou-​se os assas­si­natos de impor­tantes fig­uras de um dos maiores gru­pos crim­i­nosos do país – provavel­mente um acerto interno da própria quadrilha –, estes ban­di­dos, pelo menos um deles, estava for­agido graças a uma decisão do STF.
Em out­ras palavras, e fazendo coro ao dis­curso comum, não adi­anta a polí­cia inves­ti­gar, pren­der se na outra ponta temos leis espe­cial­mente bon­dosas com os crim­i­nosos, leis que fazem o crime com­pen­sar.
Não adi­anta dizer que vão enfrentar o crime orga­ni­zado sem leis mais duras, que leve os ban­di­dos a temê-​las.
Não adi­anta dizer que vão com­bater o crime se vão insi­s­tir com essa cul­tura do “solticí­dio”, para a qual ban­dido bom é ban­dido solto.
Pre­cisamos de um con­junto de medi­das que deses­tim­ule e puna com rigor os deli­tos.
Sem a com­preen­são da gravi­dade da situ­ação, a vio­lên­cia ten­derá a aumen­tar.
Se isso ainda for pos­sível.
Abdon Mar­inho é advogado.