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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 16 de Maio de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


A fome de cada um.

Por Abdon C. Marinho.

UM AMIGO me alcança com uma indagação: —vistes que belo lançamento do programa “Maranhão sem fome”, do governo estadual?

Acompanhei “de longe”, passara a semana pelo interior e, tendo conseguido antecipar a passagem de sexta para quinta-feira, à noite, me esperava uma pauta longa no escritório. O que vi foi através de notícias de blogues ou de publicações em redes sociais dos partícipes. 

Pelo pouco que vi, pareceu-me um evento portentoso com direito à presença de ministro de estado, camisetas alusivas ao programa, ambiente bem decorado com direto a ponto específico onde as pessoas poderiam tirar fotos para divulgação em seus canais de comunicação. Um evento tão grandioso que realizado em um ginásio esportivo o maior da capital. 

Devo confessar que tenho “dificuldades” com esse tipo de coisa.

Certa vez, durante um crise hídrica na capital que até hoje padece com esse tipo de problema –, vi um secretário de estado dizendo que o problema da falta d‘água na cidade estaria resolvido a partir de então enquanto passava “em revista” uma frota de carros-pipas. 

Vendo a cena fiz uma pergunta indiscreta: —ei, não seria hora da capital do estado possuir um sistema de abastecimento de água regular garantindo água na torneira de cada cidadão ao invés de abastecê-los através de carro-pipa como se fazia nos tempos de Ana Jansen?

Outra vez vi um governador  se molhando todo para inaugurar em um dos rincões do estado um poço artesiano. Sim, aquela comunidade ainda teria que ir até o chafariz buscar a água que, como direito básico, deveria estar disponível na torneira.

Uma outra vez vi determinado prefeito aqui mesmo na grande ilha “fazendo festa” para inaugurar uma sentina. Isso mesmo, uma sentina. Os mais jovens, sequer, deve conhecer o termo.

Agora estamos “inaugurando” mais um programa de combate à fome ou a fome extrema. Longe de mim tecer criticas à iniciativa governamental, se as pessoas estão passando fome ou enganando-a com “sopa de sal”, conforme exibido dias desses em uma propaganda institucional, urge que se faça algo. Quem tem fome tem pressa.

Como disse, tenho dificuldades com esse tipo de coisa. Essa dificuldade é decorrente de uma educação recebida dos meus pais.

Fomos educados para não aceitar comida dos outros. Se chegasse o horário das refeições e estivéssemos fora de casa éramos proibidos de aceitar qualquer convite para almoçar, jantar, etc.

Vamos almoçar? Vamos jantar? Não, obrigado. Eu não estou com fome. O estômago poderia estar “roncando”. 

Meu pai, homem rude do campo, analfabeto por parte de pai, mãe e parteira, acostumado ao trabalho de sol a sol, costumava dizer que esmola era devida aos cegos e aleijados. Assim mesmo, sem qualquer preocupação com o politicamente correto, que na época não existia.

A “vergonha” maior não residia em dar a “esmola” mas em precisar receber, em ser incapaz de prover o próprio sustento e da sua família. 

O tempo passou mas ainda hoje carrego comigo esse hábito. As pessoas me convidam para almoçar ou jantar ou mesmo quando oferecem algum coisa e não costumo aceitar.

Os meus amigos de viagem por vezes se “zangam” com minhas recusas. Uma senhora ofereceu-me umas galinhas gordas; um senhor disse que iria me trazer umas pescadas ou camarões como gestos de gratidão por algo que fiz e que nem lembro mais. Não, não, muito obrigado. 

Assim, repetindo, tenho dificuldades de aceitar que, em pleno século XXI, com o restante do mundo discutido sobre tecnologia de ponta, os avanços da internet e da inteligência artificial, o nosso estado ainda esteja na “rabeira” em tudo que é indicador social e ainda “fazendo festa” para lançamento de programa de combate à fome, pior, a fome extrema, aquela que se o cidadão não comer vai morrer de fome.

A percepção que tenho, fazendo um paralelo com a minha infância rural, é que o Maranhão ficou mais pobre. Deixamos de ser o El dourado do nordeste para ser um fardo para o país. vinculados ao bolsa-família temos 54% (cinquenta e quatro por cento) da população; além disso temos os diversos outros benefícios, como seguro-defeso, aposentadorias rurais, de meia, e tantos outros que não sabemos nem o nome. 

Não é sem razão que as fraudes no INSS apontaram o Maranhão e o Piauí com a maior concentração de vítimas aqui se encontram o maior número proporcional de beneficiários e nem todos legítimos. 

pelos anos cinquenta e sessenta o nosso estado era a promessa de vida melhor para milhares de retirantes fugidos da seca de outros estados do nordeste. 

Ainda hoje o estado possui condições favoráveis que nenhum outro estado possui. Ainda temos rios; ainda temos solo rico; ainda temos riquezas naturais extraordinárias; ainda temo um litoral imenso; local para construção de portos com os maiores calados do mundo; uma posição privilegiada em relação a linha do equador e tantas outras condições que poderiam nos fazer uma potência. 

Se fizemos uma comparação com o que éramos nos anos cinquenta com o que somos hoje, veremos que nos últimos setenta e cinco anos o Maranhão cresceu como rabo de cavalo: para baixo. 

Não é que o Maranhão não tenha apresentado uma melhora aqui ou ali é os nossos avanços ficaram muito aquém das efetivas necessidades para um desenvolvimento e crescimento sustentável. 

disse em diversos outros textos que no dia em que forem cortados todos benefícios sociais metade da população maranhense morre. 

Vejam divulgou-se recentemente a renda per capita mensal domiciliar, o Maranhão ficou em último lugar acredito que existisse mais um estado na federação continuaríamos  atrás. Esse tipo de pesquisa não considera que a renda per capita mensal domiciliar no estado é fictícia, ela não existe objetivamente, o cidadão não gerou essa riqueza, ela é, em grande parte, fruto dos repasses do governo federal. 

O lançamento de um programa de combate à fome extrema em um estado tão “rico” quanto o nosso é o atestado de que nos últimos setenta anos não fomos capazes de fazer o “dever de casa”. 

Aqui, com meus botões, fico a pensar: será que as autoridades públicas não deveriam se perguntar como chegamos a esse ponto de indigência? Será que não se sentem nenhum pouco responsáveis pela situação do estado? Será que acham normal um estado “rico” como o nosso ostentar os piores indicadores sociais em tudo, a ponto de precisar de um programa de combate à fome? Será que não ficam “constrangidos” aqui e fora em representarem um dos estados mais pobres do Brasil ou acham tanta fome e miséria é normal? Será que não deveriam se perguntar o que poderiam fazer para mudar tal realidade? Será que não deveriam se perguntar sobre a utilidade de seus mandatos diante da imutabilidade da miséria do povo que dizem representar?

Sim, senhores deputados, senhores senadores e demais autoridades de todos os poderes, o que, objetivamente, as excelências estão fazendo para mudar a realidade de um povo que ainda precisa de um programa estatal de combate à fome?

Com tantas indagações que não sei responder –, me sobra um dilema universal: somos o estado mais pobre por que sempre tivemos péssimos representantes ou sempre tivemos péssimos representantes por sermos um estado pobre?

Fica esse dilema para reflexão semanal.

Abdon C. Marinho é advogado.