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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 05 de Junho de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A “ESTUDANTADA” QUE CONSTRANGEU O BRASIL.

Por Abdon Marinho.

DOMINGO, 08 de julho de 2018, um dia para o Poder Judiciário esquecer ou para lembrar como exemplo do nunca mais deve ser repetido.

Mal acabara a corrida de fórmula um, meu celular começou a receber mensagens dos diversos grupos informando que o Tribunal Regional Federal da Quarta Região - TRF4, sediado em Porto Alegre, RS, determinara a soltura do ex-presidente Lula, condenado a doze anos e um mês de prisão pelo próprio tribunal.

A primeira impressão que tive, confesso, foi que se tratava de “fake news”. Acessei os principais sites do país e estava a notícia com todas as letras: o Desembargador Rogério Favreto, no plantão, atendendo a um pedido de três deputados do Partido dos Trabalhadores - PT, concedera uma ordem de Habeas Corpus determinando a imediata soltura do condenado em primeira e segunda instância pelo próprio tribunal.

Sem a pretensão de lecionar nada, acho oportuno pontuar algumas questões.

A primeira questão é a natureza do HC impetrado. 

Qualquer primeiranista de direito sabe ao se reclamar pela liberdade de alguém tem que se identificar quem é a autoridade coatora, ou seja, quem está restringindo a liberdade do paciente. É isso que determina a competência de quem vai conceder ou negar a ordem. Essa informação é essencial para a concessão da ordem e para saber a quem a ordem de soltura se dirige. 

Foi identificado o juízo da 13a Vara da Justiça Federal do Paraná, subordinada ao TRF4 e, portanto, subordinada à jurisdição do desembargador plantonista.

Além do mais, para concessão da ordem seria necessário um “fato novo”, uma vez, como dito anteriormente, trata-se de um condenado em duas instâncias, que teve infinitos recursos julgados pelas mais diversas instâncias da justiça brasileira, tendo, todas elas, por unanimidade (a exceção do STF que decidiu por maioria), que a prisão é regular e legitima.

Os impetrantes, advogados e deputados petistas impetraram a ordem sabendo de antemão que, exceto numa condição de anormalidade, a ordem jamais seria concedida, diante dos obstáculos legais. 

Talvez, por isso, enquanto todos ainda choravam a derrota da seleção brasileira, meia hora depois de iniciado o plantão do fim de semana, com um relator, que por seus vínculos, sensível a tese jurídica dos impetrantes, buscaram a soltura do ex-presidente, a despeito dos obstáculos legais referidos.

O Regimento Interno do TRF4 limita a atuação do juízo de plantão, senão vejamos: 

“Art. 92.  Nos sábados, domingos e feriados, nos dias em que não houver expediente normal, e fora do horário do expediente, haverá plantão no Tribunal, mediante rodízio dos Desembargadores, em escala aprovada pelo Plenário.

§ O plantão judiciário não se destina à reiteração de pedido apreciado pelo Tribunal, inclusive em plantão anterior, nem à sua reconsideração ou reexame, ou à apreciação de solicitação de prorrogação de autorização judicial para escuta telefônica”.

Não bastasse a regra explicita do regimento interno do tribunal,  uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, a de número 71, no seu artigo 1º, repete o que consta no RI: “§ 1º. O Plantão Judiciário não se destina à reiteração de pedido apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior, nem à sua reconsideração ou reexame ou à apreciação de solicitação de prorrogação de autorização judicial para escuta telefônica”.

Apesar de destes obstáculos explicitados tanto no regimento quanto na resolução do CNJ, o desembargador plantonista achou oportuno conceder a ordem de habeas corpus sob o argumento de que sugira um “fato novo”: o lançamento da pré-candidatura do ex-presidente condenado e que o mesmo precisaria está livre para participar de reuniões, debates, entrevistas, etc.

Ora, esse “fato novo” é conhecido desde que o ex-presidente saiu do governo para dar lugar a senhora Dilma Rousseff quando frustrada a tentativa de terceiro mandato seguido. Quando, em 2014, a substituta se recusou a ceder a vaga, foi motivo de stress público. Quando, através do processo de impeachment a presidente caiu, o ex-presidente presidente se anunciou pré-candidato, não descendo mais do palanque desde então. Nem mesmo com o processo, a condenação e a prisão o afastou do palanque. 

Na verdade, o condenado, sempre usou esse fato, o fato politico,  como uma tentativa de esmaecer as graves acusações contra ele. Não é sem razão que os críticos do ex-presidente refere-se a ele como “palanque ambulante”. 

Assim, qualquer pessoa que examine as coisas com um mínimo de bom senso chegará a conclusão de que essa argumentação é absurda, que não faz qualquer sentido. 

Mais: faz parecer que houve um tentativa de fuga tramada por aliados do ex-presidente, os deputados impetrantes, e que essa “tentativa” contou com a providencial simpatia do desembargador plantonista, um ex-militante do partido dos trabalhadores, que foi subordinado direto de expressivas figuras da organização partidária nos cargos que ocuparam nos governos que comandaram, inclusive, subordinado do ex-presidente.

Numa situação tão complexa, era de se esperar de um magistrado plantonista que agisse com cautela. Até porque, é duvidosa a competência do TRF4, uma vez que a jurisdição se esgotara  com a decisão que acolheu o recurso especial e não acolheu o recurso extraordinário da defesa. 

Outra coisa, a decisão que mandou prender o ex-presidente foi da Oitava Câmara do TRF4. Logo a autoridade coatora, seria aquele órgão judiciário e não o juízo da 13ª Vara do Paraná. 

Como poderia um plantonista ultrapassar todos esses óbices e mandar soltar um condenado sob o pálido argumento de que seria um pré-candidato e que precisa fazer sua campanha? Será que qualquer um, nas mesmas condições, pode invocar tal argumento?

Outro ponto a merecer atenção é a conduta do juiz Sérgio Moro. 

A defesa e seus críticos apontam que ele não poderia deixar de cumprir a decisão ou que não poderia intrometer-se no assunto por que estaria no gozo de férias.

Vamos por partes. O juízo da 13ª Vara do Paraná foi apontado como coator e foi “intimado” a prestar esclarecimentos no prazo de 05 (cinco) dias sobre os fatos articulados na petição inicial. 

Logo, ainda que se questione o fato de ter suspendido suas férias, decidido no domingo, ter questionado a ordem de soltura. 

Resta claro que ele não agiu “de oficio” ou “se atravessou” no processo, ele foi chamado a se manifestar nos autos.

O juiz diante de uma ordem flagrantemente ilegal fez o correto, questionou o cumprimento através da medida jurídica cabível, dizendo não ser o juízo da 13ª Vara a autoridade coatora, estabelecendo, assim,  o conflito de competência entre o plantonista e a Câmara que determinou o cumprimento da pena. 

Ora, questionado sobre um possível conflito positivo de competência pelo juízo de piso, nada mais normal que o relator da matéria viesse aos autos se manifestar. 

Visto por este prisma, nada mais comum que o juiz natural do feito no TRF4 “avocasse” o processo para suspender a decisão. 

Diante de tanta coisa inusitada, a decisão do desembargador Gebran Neto, numa tentativa de “salvar” a honra do tribunal, ainda disse que o magistrado plantonista foi levado a “erro” pelos impetrantes. Estes rapapés são comuns nos meio judiciário.

Incomum, o ponto fora da curva, foi, apesar da decisão do chamado juiz natural e ainda em face da grave repercussão da matéria, o plantonista insistir na determinação de soltura do condenado, estipulando um prazo de uma hora para a Policia Federal cumprir, sob pena de responsabilidade e desobediência.

E, se foi questionável que tenha insistido na determinação da soltura do condenado após o alerta do feito pelo juiz de piso sobre uma possível incompetência, acredito que tenha saído um pouco mais do tom, com a insistência, após a manifestação do relator original do processo que, como disse na sua decisão, “avocou” para si a responsabilidade para deliberar sobre o HC impetrado, inclusive, com emissão de opinião, extra autos, através de entrevista a uma rádio do Rio Grande do Sul. 

A tal insistência levou o presidente daquela corte, atendendo a uma solicitação do Ministério Público Federal, a suspender a liminar concedida e retornar os autos ao juízo natural, o relator do feito na Oitava Câmara.

Antes de nos perguntar ou apontar quem agiu certo, quem agiu errado, quem extrapolou nas suas atribuições, fazem-se necessários outros questionamentos: 

Quem ganha com tamanho tumulto processual? Os advogados do ex-presidente não estão questionando o cumprimento da pena após decisão de segunda instância no Supremo Tribunal Federal? Não estão com recurso no Superior Tribunal de Justiça discutindo a condenação? Será que acham “normal” depois do processo ter percorrido todas as instâncias, com os mais variados recursos, com uma “canetada” se desmanche todas as decisões tomadas? 

O mínimo que se espera do Poder Judiciário é cautela, é parcimônia, é serenidade. 

Ainda que ache, pessoalmente, que as decisões do juízo da 13ª Vara, do relator natural e do presidente do TRF4 estejam formalmente corretas e restabeleceu a normalidade do curso processual, aquele tribunal e o Poder Judiciário, de forma geral –, saem do episódio chamuscado. Entrou naquilo que se costuma dizer: cômico, se não fosse trágico. 

Foi um espetáculo grotesco, constrangedor para a sociedade e para as instituições. 

Pior que isso, se tivesse ocorrido a soltura do condenado sob a fajuta argumentação de que não se pode negar o direito de um cidadão ainda que condenado em duas instâncias, por um crime que o inabilita a concorrer a qualquer cargo, e ser, portanto, duas vezes, “ficha suja” –, fazer sua “pré-campanha”, e, no dia seguinte, ou poucos dias depois, o juízo natural do processo, determinar mais uma vez sua prisão. Sim, pois a menos que esteja tudo errado no direito, a decisão que determinou a soltura, apesar de todos os obstáculos, não teria como se sustentar. 

Teríamos de volta toda aquela novela para determinar a prisão do cidadão, com direito a comícios, manifestos, tumultos, etc., sem contar com o plausível risco de fuga. 

Uma incomum decisão secundadas por outras igualmente incomuns, num dia incomum, leva o país, em suspense, ser, mais uma vez, motivo de piadas ao redor do mundo. 

Me pergunto a razão disso tudo. A quem interessa ridicularizar a Justiça do Brasil? Quem ganha com o país sendo motivo de chacota mundial? 

Abdon Marinho é advogado.

*A foto que ilustra é a capa do Jornal Extra do dia 09 de julho de 2018.