AbdonMarinho - O REI NUNCA ERRA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O REI NUNCA ERRA.

O REI NUNCA ERRA.

O TÍTULO que empresto do provér­bio por­tuguês serve para retratar a atual situ­ação do gov­erno do Maranhão.

Começo por dizer que segundo alguns his­to­ri­adores abal­iza­dos, o provér­bio, na ver­dade, fazia parte das Orde­nações Afon­si­nas e fundava-​se no caráter «impunível» do monarca. Claro, a história reg­is­tra, que a assertiva con­tida nas orde­nações sobre­viveu, ape­nas, como provérbio.

Isso no resto do mundo, por estas pla­gas e para os atu­ais diri­gentes estad­u­ais existe o con­venci­mento de que os mes­mos são insuscetíveis de quais­quer erros e, firmes nesta con­vicção, pouco lhes valem os ape­los de quem quer que seja.

Se não erram que razão têm para dar ouvi­dos à pat­uleia ignara?

No domingo, 08 de janeiro, pedido des­cul­pas – e tecendo loas ao gov­erno –, por achar pouco crível a história de que aluguel no bairro Aurora que recaíra sobre o imóvel de um cama­rada comu­nista, ali­ado, por­tanto, do gov­er­nador, o matutino da Afonso Pena, o valente Jor­nal Pequeno, con­clama, dire­ta­mente, o gov­er­nador Flávio Dino e o secretário Már­cio Jerry a recon­hecerem o erro na história do aluguel, ainda que ressal­vando que o mesmo se dera por descon­hec­i­mento do fato.

São palavras do arti­c­ulista prin­ci­pal do matutino: “Recon­hecer erro não é nen­hum demérito; ao con­trário é sinal de maturi­dade e humil­dade!!! Errar é humano, todos erram, e o gov­er­nador Flávio Dino e o secretário Már­cio Jerry pre­cisam enten­der isso!!! É bonito recon­hecer um erro!!! Nesse caso especí­fico, o mais cor­reto seria recon­hecer o erro e tomar as dev­i­das e urgentes providên­cias para punir os os respon­sáveis por essa neg­ligên­cia que cau­sou (ou está cau­sando) pre­juí­zos aos cofres públi­cos!!! Tivesse feito isso desde o iní­cio, o gov­erno não estaria enfrentando des­gaste diante de tamanha reper­cussão!!! O gov­er­nador Flávio Dino pre­cisa evi­tar isso!!!”.

Tudo muito bem dito e com todas estas exclamações.

Nesta mesma linha e na mesma data – agora sim, por mera coin­cidên­cia – foi a vez do pro­fes­sor e jor­nal­ista Ed Wil­son Araújo, assen­tar: «Diante dessa cir­cun­stân­cia, é mel­hor recon­hecer que a locação foi arran­jada e cuidar para que novos episó­dios não aconteçam.

Na dis­puta de ver­sões, o Palá­cio dos Leões já teve baixas em duas batal­has e pode perder a guerra.

O argu­mento de que o gov­erno não sabia que a casa era de um fil­i­ado da leg­enda comu­nista não cabe.

A mil­itân­cia de São Luís é pequena, ainda mais na esquerda, campo onde quase todo mundo se conhece.

Nesse episó­dio do aluguel, quanto mais o gov­erno tenta arru­mar as coisas, mais desar­ranjo acontece.

O Palá­cio dos Leões pre­cisa recon­hecer que há imper­feições na gestão, por mais que o gov­er­nador Flávio Dino e sua equipe este­jam com as mel­hores das intenções para mel­ho­rar o Maranhão.»

Os dois, tais qual João Batista, pregam no deserto, jamais serão ouvi­dos. Pior, cor­rem o risco de ficarem «mal vis­tos», serem arro­la­dos como inimi­gos do pro­jeto rev­olu­cionário que «lib­er­tará o Maran­hão para todo sempre».

Por que recon­hece­riam um erro numa questão como esta se não recon­hecem fal­has bem mais graves?

O erro no caso do «aluguel cama­rada», não se ref­ere, ape­nas, ao negó­cio jurídico em si, pode até ser, ainda que absurdo, que o mesmo seja reg­u­lar, legal e tudo mais.

O que me chama atenção é o fato do próprio gov­er­nador ter chamado o prob­lema para a esfera de suas atribuições. Não era, nunca foi.

O gov­er­nador tem papel con­sti­tu­cional bem definido, a menos que ele próprio, tenha «tra­bal­hado» pela cel­e­bração do con­trato, só lhe cabia deter­mi­nar a inves­ti­gação rig­orosa e, se detec­tada qual­quer irreg­u­lar­i­dade, exi­gir a punição dos respon­sáveis. Pronto!

Mas, talvez, por afinidade ide­ológ­ica, o gov­er­nador se investiu dos poderes do stal­in­ismo da antiga União das Repúbli­cas Social­is­tas Soviéti­cas – URSS, quando Stalin rece­bia min­u­ciosos relatórios e dava conta das ativi­dades de toda a buro­c­ra­cia estatal, deste a existên­cia de qual­quer trama na cúpu­las do par­tido ou das forças armadas ao que fazia um sim­ples fis­cal de alfân­dega em um posto per­dido da Sibéria.

Assim, para o bem e para o mal o gov­erno se acha infalível, não ape­nas sua cúpula ou linha de frente, mas todos os demais integrantes.

Não faz muito tempo escrevi um texto inti­t­u­lado «Custa Pedir Des­cul­pas?» Fazia um apelo para que o gov­er­nador Flávio Dino pedisse – em seu nome, em nome de sua família, em nome da sociedade maran­hense, em nome do seu gov­erno e nome da Polí­cia Mil­i­tar do Maran­hão –, des­cul­pas aos famil­iares da jovem morta na madru­gada de 15/​12/​2016, numa ação desastrada da polí­cia estadual.

Se viram o texto, fin­gi­ram que não ou não lhe deram qual­quer importân­cia. Pas­sa­dos tan­tos dias é pos­sível que con­tin­uem achando que ati­rar uma cen­tena de vezes con­tra um veículo cujo seus ocu­pantes não rev­i­daram de forma alguma, tenha sido um «feito extra­ordinário» a mere­cer uma con­dec­o­ração, quem sabe?

O gov­erno estad­ual padece desta inca­paci­dade de recon­hecer erros, corrigi-​los e pre­venir que out­ros ocorram.

Tal inca­paci­dade pode dar azo ao surg­i­mento de um Estado autoritário, onde cidadão comum ou os adver­sários do gov­erno sofram perseguições por parte do apar­elho estatal. Se são inca­pazes de recon­hecer que erram, o que os impe­dem de «dobrar a ver­dade» para ela lhes dê razão? O que os impede, diante uma ação poli­cial desastrada (nem cite­mos o patente caso de Bal­sas), «pro­duzam provas» para jus­ti­ficar e/​ou pas­sar o prob­lema adi­ante? Nada. E, se o mau exem­plo vem de cima, aí é que nos escalões infe­ri­ores as coisas desandam.

O Estado existe para pro­te­ger os cidadãos, lhes garan­tir a segu­rança e tran­quil­i­dade. É uma espé­cie de pacto: seguimos a lei, pag­amos nos­sos impos­tos e em troca o Estado, rep­re­sen­tado pelo gov­erno, cumpre com o seu papel cuidar dos cidadãos e protegê-​los. Não esper­amos que o Estado erre de forma delib­er­ada na intenção de causar pre­juí­zos à sociedade de uma forma geral ou aos cidadãos em par­tic­u­lar. Mas esper­amos, que quando isso ocorra, por neg­ligên­cia, imperí­cia ou imprudên­cia, este mesmo Estado do qual somos patrões, assuma sua respon­s­abil­i­dade ou, no mín­imo, recon­heça que errou e devote um pedido sin­cero de des­cul­pas a sociedade e, prin­ci­pal­mente, a quem sofreu um dano, sobre­tudo, se este é irreparável.

Se errar é humano, como acen­tua o dito pop­u­lar, não errar sig­nifica a negação da humanidade, um dis­tan­ci­a­mento dos demais seres. Ape­nas Deus nunca erra.

Quando, nas orde­nações estava con­tido a impos­si­bil­i­dade do rei nunca errar, isso não sig­nifi­cava, nec­es­sari­a­mente, que ele nunca errava, mas que sem­pre tinha alguém para assumir ou errar por ele.

Abdon Mar­inho é advogado.