AbdonMarinho - O menino e o foguete: uma reflexão sobre a desigualdade.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 11 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O menino e o foguete: uma reflexão sobre a desigualdade.


O MENINO E O FOGUETE: UMA REFLEXÃO SOBRE A DESIGUAL­DADE.

Por Abdon C. Mar­inho.

MAIS UM ANO se ini­cia, com ele todos os dese­jos de dias mel­hores, de saúde, sucesso, paz e pros­peri­dade. Pelo menos é isso que con­sta na mil­hares de men­sagens que recebe­mos em todos os fins e iní­cios dos anos.

Este ano, em espe­cial, tais dese­jos se man­i­fes­tam com mais inten­si­dade, talvez por coin­cidir o iní­cio de ano com o dos gov­er­nos estad­u­ais e fed­eral, o que traz uma dupla chance para “esper­ançar”.

Entre­tanto, para alcançar­mos o que dese­jamos para o próx­imo, para o país e demais entes fed­er­a­dos, é opor­tuno refle­tir sobre o que e como fare­mos para com­bater as desigual­dades soci­ais tão pre­sentes nos dias atuais.

Há alguns dias – ainda no ano pas­sado, rsrs –, duas notí­cias, divul­gadas pela imprensa quase que de forma simultânea, chama­ram minha atenção: a primeira (ou a segunda) dava conta de um lança­mento de foguete no nosso Cen­tro de Lança­mento de Alcân­tara — CLA; a segunda, que, segundo o Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­cas — IBGE, dos 25 municí­pios brasileiros com a renda per capita mais baixa, 24 destes estão local­iza­dos no Maranhão.

Desde então tenho estado com tal para­doxo na cabeça: somos capazes de lançar foguetes ao espaço, satélites avançadís­si­mos, quiçá, daqui a alguns anos pos­samos daqui mesmo man­dar homens à lua ou a out­ros plan­e­tas, entre­tanto, não con­seguimos aliviar a fome, a pobreza e a desigual­dade social entre nós.

Imag­inei a cena de um menino pobre, desprovido de quais­quer per­spec­ti­vas futuras, daqui, deste lado da Baía de São Mar­cos, ali na Ilhinha ou Ponta d’Areia ou mesmo de um dos quilom­bos do lado de lá assistindo ao lança­mento do foguete – e serão vários, assim esper­amos –, essa cena pedi ao ilus­tre car­tunista Cordeiro Filho que a imor­tal­izasse na ponta do lápis para ilus­trar o texto.

O que passa pela cabeça do menino mal­trapilho, talvez fam­into, que assiste ao lança­mento do foguete? O que passa pela cabeça dos mil­hares de meni­nos, meni­nas, homens, mul­heres, jovens ou anciãos que diari­a­mente pas­sam fome – e segundo o IBGE são mais de 30 mil­hões de cidadãos cidadãos –, enquanto assis­tem numa tele­visão de uma loja ou escu­tam em rádio que o país, mais uma vez bateu o recorde de pro­dução agrí­cola ou que é o celeiro do mundo? Como pode haver mérito em tais suces­sos, tec­nológi­cos e/​ou de pro­dução agrí­cola, quando os dados nos rev­e­lam o inacesso dos cidadãos a tais benefícios?

Hoje os gov­er­nadores de todos os esta­dos da fed­er­ação e um pres­i­dente da república assumirão o comando dos esta­dos e da nação.

Daqui a pouco será a vez de cen­te­nas de par­la­mentares, estad­u­ais, fed­erais, senadores, tomam posse como rep­re­sen­tantes do povo.

Quais os com­pro­mis­sos que terão estes cidadãos em com­bater o prob­lema da desigual­dade social? Como fare­mos para ofer­tar a todos os brasileiros as mes­mas oportunidades?

Imag­ino que os diri­gentes dos esta­dos e do país assim com os rep­re­sen­tantes do povo (afi­nal, rep­re­sen­tam o povo) saibam que algo muito errado têm feito até aqui a ponto de pos­suirmos um país tão desigual com o efeito direto na fome de tan­tos mil­hões de cidadãos.

A fome é a sen­hora abso­luta da nossa des­graça.

Acho que qual­quer outro debate sobre desigual­dade social perde o sen­tido diante da cruel real­i­dade dos que acor­dam pela manhã e não têm o que comer; mais tarde, pre­cisam gan­har o almoço e no fim do dia o jan­tar. Ou, como assis­ti­mos por diver­sas vezes, irem dormir mais cedo na vã ten­ta­tiva de “enga­nar a fome”.

Ven­cida a “emergên­cia nacional” de garan­tir que os cidadãos não passem fome, pre­cisamos cor­ri­gir as demais maze­las que puxam o Brasil para o atraso.

Nos últi­mos anos tenho con­statado que a primeira – e talvez a mais urgente –, a ser cor­rigida é a desigual­dade na edu­cação infan­til. Pre­cisamos igualar em tec­nolo­gia e fer­ra­men­tas edu­ca­cionais as esco­las do país colocando-​as no mesmo nível da rede de ensino pri­vado e dos mel­hores cen­tros do mundo.

As cri­anças da rede pública começam o ensino em fla­grante desvan­tagem em relação as cri­anças cri­anças ini­ciam os estu­dos na escola da rede pri­vada, em todos os sen­ti­dos, no acesso às tec­nolo­gias, no apren­dizado de lín­guas, etc.

Agora mesmo, redes de rádio e tele­visão, pas­sam com­er­ci­ais de esco­las pri­vadas chamando para as matrícu­las e infor­mando que terão ensino de robótica e de lín­guas estrangeiras já a par­tir do mater­nal, aliás, já infor­mam que o apren­dizado será bilíngue.

Ora, tal real­i­dade é tão dis­tante da rede pública quanto a da cri­ança mal­trapilha que observa de longe o lança­mento do foguete.

Exceto pelo pio­neirismo de alguns gestores munic­i­pais, o ensino de lín­guas na rede pública só é obri­gatório a par­tir do sexto ano, assim mesmo, o mate­r­ial ofer­tado é abso­lu­ta­mente incom­patível com a real­i­dade dos estu­dantes que nunca tiveram qual­quer acesso à dis­ci­plina e não con­seguem acom­pan­har.

Temos nesta única situ­ação duas desigual­dades: a primeira que a cri­ança já “perdeu” cinco anos de apren­dizado; a segunda, que a par­tir do sexto ano, com mate­r­ial inad­e­quado, não con­seguirá mais acom­pan­har.

O resul­tado desta “anom­alia” sistêmica será sen­tida ao longo dos anos na vida acadêmica do estu­dante, nos anos finais do fun­da­men­tal, no ensino médio e, até mesmo, no ensino supe­rior, se con­seguir chegar lá, uma vez que o ENEM a par­tir de 2024, con­terá questões trans­ver­sais de lín­gua estrangeira.

Esse é ape­nas um exem­plo de uma das difi­cul­dades que pre­cisamos cor­ri­gir com urgên­cia, desde ontem.

Não passa de hipocrisia exigir-​se de cri­anças e ado­les­centes que não tiveram as mes­mas condições de ensino um aproveita­mento, pelo menos igual, com os que tiveram todas as condições desde o maternal.

Logo, pre­cisamos de mais inves­ti­men­tos em edu­cação básica. Sem cor­ri­gir o ensino fun­da­men­tal não ter­e­mos como alcançar resul­ta­dos no ensino médio e no supe­rior.

No Maran­hão, além da fome, da desigual­dade na edu­cação, pre­cisamos de uma política de desen­volvi­mento econômico regional.

Viajo o MARAN­HÃO quase todo, por onde passo, seja por cidades peque­nas, médias ou grandes, não vemos indús­trias de nada; não vemos pro­dução de nada.

O que vemos dia após dia, a qual­quer horário que se passé, são homens em idade de tra­balho, nas por­tas ou debaixo de árvores, ociosos, “matando” em jogu­inho de car­tas ou dom­inó, ou na cerveja ou cachaça; o que vemos são crianças/​adolescentes fora da escola quando dev­e­riam estar em sala de aula apren­dendo alguma coisa.

Os que pos­suem respon­s­abil­i­dades, não podem ficar inertes diante de tal quadro.

Urge uma política de indus­tri­al­iza­ção e de pro­dução como forma de romper com o ciclo nefasto que vem se repetindo ao longo das décadas no estado.

Faz-​se necessário, com urgên­cia, uma rup­tura.

O novo gov­erno, a instalar-​se hoje, tem tam­bém essa mis­são.

Não é crível ou aceitável que o nosso estado com tan­tas poten­cial­i­dades con­tinue pade­cendo de tan­tos males.

Podemos ter por­tos dos dois lados da baía, podemos ter um sis­tema rod­o­fer­roviário levando e trazendo as riquezas do país inteiro e para o mundo; já temos um cen­tro de lança­mento de foguetes; temos solo fér­til, água em abundân­cia, ter­ras vas­tas.

O que falta para trans­for­mar tudo isso em riquezas para o nosso povo?

As cri­anças, ado­les­centes e jovens não podem se con­for­mar ape­nas em olhar o foguete subir aos céus.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.