AbdonMarinho - Um presidente em fuga
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 12 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Um pres­i­dente em fuga


UM PRES­I­DENTE EM FUGA.

Por Abdon C. Marinho.

INTER­ROMPE­MOS o recesso de final de ano para um reg­istro que só podemos fazer até hoje: pela primeira vez desde que Cabral apor­tou por estas ter­ras, temos um pres­i­dente em fuga. Sim, não passa de eufemismo dizer que o “ainda” pres­i­dente (até as 24 horas de hoje) entrou de férias ou que o pres­i­dente “via­jou” ou que o pres­i­dente foi vis­i­tar “ami­gos” no estrangeiro ou com­prar uma com­pota de bacuri, ou mesmo, como ainda pregam os mais cré­du­los da sua seita, o pres­i­dente deixou o país para coman­dar a reação a par­tir do estrangeiro ou ainda que na undécima hora as Forças Armadas do país irão tomar o poder e chamá-​lo para reas­sumir o cargo de pres­i­dente na eleição que perdeu.

Sinto nos que pregam tais coisas uma fé própria dos que se encon­tram afas­ta­dos da real­i­dade. Assim como os devo­tos de D. Sebastião que ainda hoje aguardam o seu retorno ou, trazendo para algo mais próx­ima da real­i­dade brasileira, na vitória de Antônio Con­sel­heiro con­tra o exército repub­li­cano de Flo­ri­ano Peixoto, na Guerra de Canudos, tão bem retratada na obra “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, recon­hecida como primeiro livro-​reportagem do país e pode ser lido como livro de história, geografia ou soci­olo­gia.

Os que assim agem ou expõem, ao meu sen­tir, pare­cem per­ten­centes a uma real­i­dade para­lela com­ple­ta­mente desco­lada da real­i­dade. Não faz nen­hum sen­tido que este­jam há sessenta dias acam­pa­dos em frente aos quar­téis mil­itares, em orações, lou­vores ou can­tando hinos, pedindo um golpe mil­i­tar na décima econo­mia do mundo em pleno avançado século XXI.

Voltando à nossa real­i­dade nua e crua – e ao que motiva o pre­sente texto –, temos um pres­i­dente em fuga. Não sei o que o motivou a “fugir” do país fal­tando pouco mais de um dia para o tér­mino do mandato ou que temeu ao fazê-​lo, mas, a ver­dade é uma só, o pres­i­dente da república fugiu do país.

O vice-​presidente, no exer­cí­cio da presidên­cia, uma vez que o tit­u­lar bandeou-​se para o estrangeiro, anun­ciou ou pro­nun­ci­a­mento à nação para o dia de hoje, talvez esclareça os motivos da fuga do pres­i­dente – aguardemos.

Se fiz­er­mos um res­gate histórico, em 1985, o então pres­i­dente João Figueiredo, tam­bém recusou-​se a trans­mi­tir o cargo a Sar­ney (na véspera da posse o pres­i­dente eleito Tan­credo Neves pas­sou mal e foi inter­nado às pres­sas no hos­pi­tal de Base de Brasília, onde veio fale­cer, em 21 de abril).

Se não me falha a memória, Figueiredo não faria a trans­mis­são de cargo a Tan­credo Neves – e muito menos a Sar­ney, de quem tomara ojer­iza por ter o mesmo se ban­deado para a oposição após ter dado sus­ten­tação política ao régime mil­i­tar do qual foi o último pres­i­dente –, e via­jara para o Sítio do Dragão, em Petrópo­lis, região ser­rana do Rio de Janeiro, deixando a faixa pres­i­den­cial com algum aju­dante de ordens.

A história não conta, mas é bem provável que no momento da posse de Sar­ney na presidên­cia inte­rina, Figueiredo estivesse andando a cav­alo ou cuidando dos mes­mos ou ainda tomando chá com a esposa.

Emb­ora a trans­mis­são de cargo seja um gesto de civil­i­dade e maturi­dade democrática, não existe uma obri­gação de fazê-​lo – quem empossa o gov­er­nante eleito é o Con­gresso Nacional, com­posto pelos rep­re­sen­tantes do povo –, assim como não existe uma obri­ga­to­riedade de recon­hecer o resul­tado eleitoral e cumpri­men­tar o vence­dor – quem proclama o resul­tado das eleições é o Tri­bunal Supe­rior Eleitoral — TSE.

Em ambos os casos, recon­hecer o resul­tado e trans­mi­tir o cargo ao eleito foram com­por­ta­men­tos aos quais nos acos­tu­mamos e nos fazia pen­sar que vivíamos em uma democ­ra­cia amadure­cida.

Em 1990, mesmo sendo dura­mente crit­i­cado durante o processo eleitoral do ano ante­rior, Sar­ney trans­mi­tiu o cargo o pres­i­dente Col­lor de Melo; em 1995, Ita­mar Franco – que assumiu a presidên­cia em razão da cas­sação de Col­lor –, fez a trans­mis­são do cargo a Fer­nando Hen­rique Car­doso; em 2003, foi a vez de FHC trans­mi­tir a Lula, que trans­mi­tiu a Dilma Rouss­eff, em 2011; em 2019, Michel Temer – que assumiu em razão do impeach­ment de Dilma –, fez a trans­mis­são de cargo ao atual pres­i­dente, que se encon­tra em fuga.

Ora, se a recusa do pres­i­dente der­ro­tado era ape­nas em pas­sar a faixa ou trans­mi­tir o cargo ao eleito, não pre­cis­aria espetar mais uma conta (esper­amos que a última) nas costas do con­tribuinte dando as costas ao país com um séquito para o exte­rior, pode­ria ter ficado no Brasil e até mesmo em Brasília, tomando um chaz­inho de camomila com a primeira-​dama, enquanto os novos inquili­nos do poder assum­iam os car­gos para os quais foram eleitos.

Mas a “fuga” do pres­i­dente para estrangeiro, por razões que ainda descon­hece­mos, talvez seja ou ape­nas mereça um reg­istro para história, deste que vos escreve e de tan­tos out­ros que já se debruçaram ou se debruçarão sobre o tema.

O mais grave de tudo isso – e que a história dev­erá levar anos para enten­der –, é a humil­hação pública a que foram e a que estão sendo sub­meti­dos os seus mil­hares ou mil­hões de seguidores acam­pa­dos nas por­tas dos quar­téis com propósi­tos golpis­tas, por acred­itarem em uma “virada de mesa” ou em um mila­gre de último min­uto.

O pres­i­dente em fuga os “coz­in­hou” durante dois lon­gos meses de sol, chuva, sereno, pri­vações diver­sas com fal­sas esper­anças e ilusões, para pouco antes da fuga dizer que nada tinha a ver com os referi­dos movi­men­tos e protestos.

Não sendo ele um com­pleto igno­rante, já era sabedor desde sem­pre que não houve qual­quer anor­mal­i­dade no processo eleitoral, pode­ria ter recon­hecido como “homem” a der­rota no mesmo dia em que ela foi divul­gada, como fiz­eram todas as enti­dades, órgãos e gov­er­nos estrangeiros, ou quando muito, recon­hecer a der­rota quando divul­gado o resul­tado das análises feitas pelas Forças Armadas – que por receio ou covar­dia não foi tão cabal quanto dev­e­ria.

Mas não, em silên­cio, insu­flando os seus através de ter­ceiros e com sinais con­heci­dos como “api­tos de cachorro”, deixou que os seus ali­a­dos, seguidores ou devo­tos, homens, mul­heres, cri­anças, per­manecessem nas por­tas dos quar­téis pas­sando por pri­vações e vex­ames, acred­i­tando em coisas só exis­tentes numa real­i­dade para­lela.

Vejam que difundi­ram (ou ainda difun­dem) que o golpe vai ocor­rer de hoje pra manhã; que as fron­teiras estão sendo pro­te­gi­das para evi­tar que nações estrangeiras invadam o país por ocasião do golpe; que países ali­a­dos do pres­i­dente em fuga já estão na costa do país, pron­tos para aju­darem as Forças Armadas no golpe; e, até mesmo, pas­mem, que os ET’s estão no ponto para inter­virem.

Tudo isso, entrecor­tado com os dis­cur­sos de que estão pron­tos a “mor­rer pela pátria” para que a mesma não se torne uma “nação comunista”.

Con­fesso que grau de fanatismo idên­tico, na história recente, só encon­tra para­lelo, no suicí­dio massa dos seguidores de Jim Jones na Guiana, em 1978.

Tudo isso em defesa do “capitão” para que este no penúl­timo dia de gov­erno, faça um pro­nun­ci­a­mento dizendo que nada tem com isso e empreenda fuga para os Esta­dos Unidos.

Logo no iní­cio da cam­panha escrevi um texto inti­t­u­lado “Um pres­i­dente entre o Planalto e a Papuda”.

Não sei o que fez o pres­i­dente fugir, mas cer­ta­mente ele deve ter algum motivo para assim agir.

Só o tempo, sen­hor da razão, nos trará as respostas que pre­cisamos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.