AbdonMarinho - O Brasil faltou as aulas de história.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 12 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O Brasil fal­tou as aulas de história.


O BRASIL FAL­TOU AS AULAS DE HISTÓRIA.

Por Abdon C. Marinho.

NESTE fim de sem­ana ded­i­cado às emoções da final da Copa do Mundo da FIFA entre Argentina e França, dediquei um tempo para assi­s­tir o filme “Argentina, 1985”, inspi­rado na história dos acon­tec­i­men­tos do país título e na luta dos pro­mo­tores Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, e sua equipe de jovens estag­iários, para e levar a jul­ga­mento e à con­de­nação as jun­tas mil­itares respon­sáveis pela tor­tura, assas­si­natos e desa­parec­i­men­tos de mil­hares de argenti­nos.

Sem ofer­e­cer mais nen­hum “spoiler” do filme, devo dizer que senti-​me revis­i­tando o nosso próprio pas­sado, pois emb­ora muito jovem, os fatos que ocor­riam no país dos her­manos chegavam até nós por rádio ou pela tele­visão.

Naquele 1985 o Brasil tam­bém dava adeus à sua ditadura mil­i­tar – uma longa noite que durou 21 anos.

Difer­ente do que ocor­reu na Argentina, o Brasil fez a opção (ou nego­ciou) uma aber­tura grad­ual do régime mil­i­tar para a democ­ra­cia através de uma ANIS­TIA (Perdão geral, esquec­i­mento. Ato do poder público que declara impuníveis deter­mi­na­dos deli­tos, em geral por motivos políti­cos e, ao mesmo tempo, sus­pende diligên­cias per­se­cutórias e anula condenações).

Essa opção que, talvez, tenha nos trazido uma certa “tran­quil­i­dade” privou a maior parte da sociedade civil brasileira de encontrar-​se com o seu próprio pas­sado.

Achamo-​nos, como sociedade, no dire­ito de esque­cer e de per­doar fatos e crimes con­tra a ordem política e con­tra a humanidade dos quais não sofre­mos direta ou indi­re­ta­mente. Per­doamos as mortes, os desa­parec­i­men­tos e as tor­turas que não nos atingiu ou a alguém da nossa família ou algum amigo ou a uma pes­soa próx­ima.

Fize­mos o certo em nome da “paz social”?

Em nome de traz­er­mos os exi­la­dos a par­tir 1979 para que começasse a par­tic­i­par do processo eleitoral e político nos anos seguintes neg­amos à sociedade o dire­ito de con­hecer uma grande parte da nossa história recente.

Sobre os crimes da ditadura con­tra a sociedade civil e con­tra a humanidade, ape­nas o livro Brasil Nunca Mais, que bem poucos brasileiros tiveram acesso, bem difer­ente do ocor­rido na Argentina em que os jul­ga­men­tos, trans­mi­ti­dos via rádio, dava aquela sociedade, o con­hec­i­mento do ocor­rido nas palavras de quem sofr­era os abu­sos, os crimes hedion­dos da tor­tura.

Quando da trans­fer­ên­cia de poder – ou da devolução do poder –, falava-​se muito que não pode­ria haver “revan­chis­mos”, eu mesmo, durante muitos anos, defendi essa tese, que dev­eríamos esque­cer, colo­car uma pedra sobre o assunto e seguir em frente.

Mas, fize­mos o certo ao negar ao povo um encon­tro com o seu pas­sado recente em nome da “paz social”?

Hoje, quase quarenta anos depois, tenho dúvi­das e ques­tion­a­men­tos sobre isso.

Vejo mil­hares de brasileiros (talvez mil­hões) acam­pa­dos em frente aos quar­téis das Forças Armadas, há quase cinquenta dias, pas­sando pri­vações, cla­mando por “inter­venção mil­i­tar”, eufemismo para o que real­mente defen­dem: um retorno a uma ditadura mil­i­tar no Brasil.

Me per­gunto se estas pes­soas, de todas as idades, sexo, gênero e religiões, estariam fazendo isso se efe­ti­va­mente tivessem con­hec­i­mento do que se pas­sou nos anos de régime mil­i­tar e do sig­nifi­cado disso para o país.

Será que pen­sam que a “inter­venção mil­i­tar”, se fosse exe­quível, seria só a insta­lação de uma junta de coman­dantes mil­itares no poder – ou talvez, man­ter o mesmo gov­er­nante no poder dando-​lhe sus­ten­tação pela força –, e tudo con­tin­uar como dantes? E o que fazer com o Con­gresso Nacional recém-​eleito? O que fazer com o Supremo Tri­bunal Fed­eral e com os demais tri­bunais fed­erais? O que fazer com os gov­er­nos estad­u­ais e com as Assem­bleias Leg­isla­ti­vas? Pren­der todos que dis­cor­darem do régime mil­i­tar que dese­jam? Exi­lar? Pren­der? Matar?

Vemos que não faz qual­quer sen­tido o que querem.

Mesmo essas “mobi­liza­ções” suposta­mente para ten­tar legit­i­mar uma rup­tura insti­tu­cional e a implan­tação de uma ditadura, não fazem sen­tido, pois ilegí­ti­mas na origem.

Os próprios mil­itares brasileiros sabem disso, tanto assim que se man­tém ordeiros den­tro dos quar­téis.

Devem saber que não existe condições para imple­men­tar uma ditadura no país e que 2022 é muito difer­ente de 1964, no Brasil e no mundo.

O ques­tion­a­mento de ile­git­im­i­dade do processo eleitoral brasileiro, por mais que tragam essa ou aquela nar­ra­tiva ou apre­sen­tem ou outra situ­ação ou mesmo fatos pos­síveis de serem ques­tion­a­dos não são sufi­cientes para quer­erem anu­lar o pleito eleitoral.

O processo eleitoral brasileiro é passível de ver­i­fi­cação e audi­to­rias em todas as suas fases.

E na eleição pas­sada, mais do que nas out­ras, foi sobe­ja­mente audi­tado, inclu­sive, pelas Forças Armadas que dis­seram não ter encon­trado provas de quais­quer ilíc­i­tos. Se tivessem tido um pouquinho mais de cor­agem não teriam dito que “o fato de não terem encon­trado, não sig­nifica que não tenha”, ou algo do tipo.

O certo é que não podemos abrir mão da democ­ra­cia que tanto nos cus­tou con­quis­tar porque os der­ro­ta­dos no pleito não se con­for­mam com a derrota.

Um amigo, muito querido, por sinal, enviou-​me um vídeo, onde denun­ci­avam uma prova “cabal” de fraude eleitoral: um morto apare­cia nos sis­temas eleitorais como tendo voltado em deter­mi­nada sessão.

Para quem lida com eleições há muitos anos, sabe que fatos assim podem acon­te­cer.

Às vezes um eleitor assina no caderno de votação no lugar inde­v­ido; pode até mesmo acon­te­cer de um eleitor se fazer pas­sar por outro e pedir ao pres­i­dente que libere a urna pelo fato da bio­me­tria não fun­cionar; pode até mesmo que os inte­grantes da seção de votação come­ter a fraude de votar por quem não compareceu.

Se isso acon­te­cer, a respon­s­abil­i­dade não é “toda” da Justiça Eleitoral, mas, prin­ci­pal­mente, dos par­tidos políti­cos, que nos ter­mos da leg­is­lação eleitoral, podem fis­calizar todas as fases do processo: da inscrição do eleitor até o momento em que o mesmo deposita o voto na urna.

Temos mais 30 par­tidos políti­cos em fun­ciona­mento reg­u­lar e recebendo uma “bolada” dos cidadãos para garan­ti­rem o reg­u­lar fun­ciona­mento da democ­ra­cia, se per­mitem que alguma irreg­u­lar­i­dade ocorra, devem, eles, arcarem com as con­se­quên­cias e não a sociedade.

Uma outra obser­vação a ser feita é que alguma descon­formi­dade que por ven­tura possa ocor­rer, não acon­tece ape­nas em bene­fí­cio de um can­didato, quando e se acon­tece, todos tiram suas van­ta­gens.

Isso para dizer que não faz sen­tido anular-​se um pleito eleitoral, envol­vendo quase cento e trinta mil­hões de eleitores porque na seção eleitoral de um povoado de “Muzam­binho” suposta­mente apare­ceu um voto de alguém que não pode­ria ter votado.

De mais a mais, se tem alguém que não pode recla­mar do come­ti­mento de deli­tos eleitoral na eleição pas­sada, é o atual pres­i­dente der­ro­tado: nunca na história deste país vimos um gov­erno come­ter tanto abuso de poder político e econômico como vimos no último pleito. Basta dizer que até “din­heiro público” foi dis­tribuído com as várias des­cul­pas para reverter os votos dos eleitores mais vul­neráveis eco­nomi­ca­mente.

Aos insat­is­feitos com o resul­tado das urnas, o mel­hor a faz­erem é acu­mu­lar forças políti­cas para as próx­i­mas eleições, daqui a dois e qua­tro anos, o que só será pos­sível numa democ­ra­cia, pois ditaduras não real­izam eleições livres e justas.

Em out­ras palavras, não deve­mos brin­car com a democ­ra­cia, pois sabe­mos que os riscos que cor­reríamos se não a tivésse­mos seriam infini­ta­mente maiores que qual­quer insat­is­fação com o resul­tado do pleito.

Quando à pre­ocu­pação de que Brasil vire uma ditadura comu­nista ou que o par­tido político que gan­hou as eleições “acabe” com país, não pre­cisam se pre­ocu­par, mesmo que ten­tem, não con­seguirão fazer isso em qua­tro anos, quando o povo brasileiro, mais uma vez, livre­mente, terá a chance de votar e escol­her o des­tino do país.

Enquanto isso um pas­seio pelos livros de história não faz mal a ninguém.

Na final da Copa do Qatar, que vença a mel­hor. Mas, viva a Argentina!

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.