AbdonMarinho - Ainda é campanha … no grupo da família.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 11 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Ainda é cam­panha … no grupo da família.


AINDA É CAM­PANHANO GRUPO DA FAMÍLIA.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUNS ASSISTI uma troca de men­sagens acalo­rada entre dois dos meus ama­dos sobrin­hos – irmãos entre si –, no “grupo da família”.

O assunto era o mesmo de sem­pre dos últi­mos meses, quiçá anos: o cadáver insepulto da eleição pres­i­den­cial que teima em não des­en­car­nar.

A troca de men­sagens, por vezes áspera, remetia-​me à ideia de que a eleição ainda iria ocor­rer e não que já pas­sara e que o gov­erno eleito, a ser empos­sado no primeiro dia do ano que vem, já está fazendo suas próprias besteiras, e isso, inclu­sive, já servia de munição no debate entre ambos.

Como não cos­tumo travar qual­quer debate em grupo – muito emb­ora tenha opinião for­mada e exposta sem­anal­mente nos nos­sos tex­tos –, ape­nas reg­istrei as colo­cações deles evi­tando “tomar par­tido” no acalo­rado debate.

Depois, cá com os meus botões, pus-​me a refle­tir sobre o que vem acon­te­cendo no Brasil.

Como, na nossa família, exceção feita a minha pes­soa, nunca tive­mos sig­ni­fica­tivo enga­ja­mento político, imag­ino as frat­uras expostas do processo eleitoral ainda se fazem pre­sentes na maio­ria dos lares brasileiros, entre os gru­pos de ami­gos ou mesmo entre os cole­gas de empre­sas ou repartição.

Além do “grupo da família”, em out­ros em que fui colo­cado, parece que o único assunto exis­tente e per­ti­nente é o resul­tado eleitoral com pre­gações, vejam só, mesmo em gru­pos de advo­ga­dos, de pro­postas ou defesa de rup­turas insti­tu­cionais.

Fico sem enten­der nada, os advo­ga­dos, somos, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição da República, artigo 133 “o advo­gado é indis­pen­sável à admin­is­tração da justiça, sendo invi­o­lável por seus atos e man­i­fes­tações no exer­cí­cio da profis­são, nos lim­ites da lei”.

Ape­sar disso, vejo alguns cole­gas na defesa intran­si­gente de retro­ces­sos e, pas­mem, de um retorno à ditadura mil­i­tar ou de uma nova ditadura – pois as ditaduras mil­itares nunca são as mes­mas e nunca são iguais, elas sem­pre encon­tram uma forma de “se pio­rarem” para se man­terem no poder.

Ora, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de rep­re­sen­tantes eleitos ou dire­ta­mente, nos ter­mos desta Con­sti­tu­ição”. Artigo 1º, pará­grafo único, da Con­sti­tu­ição Fed­eral.

Se não acred­i­ta­mos no princí­pio da sobera­nia pop­u­lar e achamos que os mil­itares que não tiverem o voto de ninguém devem inter­vir no poder esta­b­ele­cido con­forme o estado democrático de dire­ito, é porque deix­amos de acred­i­tar no próprio país.

E retorno ao assunto prin­ci­pal nos trouxe aqui:

Imag­ino que ainda hoje, mais de trinta dias após o pleito, irmãos este­jam intri­ga­dos, pais mal falando com fil­hos, avós sem abençoar netos, já sem poderem com­par­til­har a ale­gria dos almoços de domingo.

Imag­ino ami­gos inven­tando des­cul­pas para não se encon­trarem ou cole­gas de tra­balho que limi­tam os con­tatos ao essencial.

Ainda hoje, tem-​se notí­cias de pes­soas sendo agre­di­das ou asse­di­adas por seus posi­ciona­men­tos políti­cos em locais públi­cos, no Brasil e no exte­rior.

E, até pior, vemos autori­dades – sobre­tudo do judi­ciário –, sendo ata­cadas ou con­strangi­das por onde pas­sam, como se fos­sem respon­sáveis pelo resul­tado eleitoral adverso de um can­didato que perdeu a eleição para si próprio.

É como se estivésse­mos voltando ao está­gio de bar­bárie – pior com muita “gente boa” achando “bonito”.

O que dizer da situ­ação de um sen­hor de 80 anos – vamos abstrair que se trata de um dos maiores artis­tas do país, recon­hecido por sua int­elec­tu­al­i­dade, a ponto de torna-​se mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras –, ser agre­dido por cidadãos brasileiros enquanto se diri­gia para acom­pan­har um jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo?

Acaso ele – e qual­quer outro cidadão –, não tem o dire­ito de ter sua prefer­ên­cia política e votar em quem quiser?

Se igno­rar­mos que temos de espe­cial na nossa democ­ra­cia é o fato dos cidadãos, inde­pen­dente de qual­quer condição finan­ceira, int­elec­tual, de cor, raça, gênero e tan­tas out­ras, tem o dire­ito de votarem em quem quis­erem e que seu voto tem a mesma valia, talvez este­jamos acometi­dos por alguma descon­formi­dade cog­ni­tiva.

O princí­pio con­sti­tu­cional da sobera­nia pop­u­lar mate­ri­al­izado no voto livre e secreto é a bal­iza que deve submeter-​se todos os cidadãos, inde­pen­dente de con­cor­dar­mos ou não com a escolha feita. A única lim­i­tação a tal bal­iza é o respeito e garan­tia às mino­rias. Garan­tias de que as mino­rias são igual­mente sujeitas de dire­itos e obri­gações não podendo em razão disso sofrer qual­quer tipo de retal­i­ação.

Ao longo da minha vida par­ticipei de inúmeras eleições e perdi – ou os can­didatos para quem torci, perderam –, a maio­ria delas. Talvez por isso tenha apren­dido, e aceitado, que a der­rota eleitoral faz parte do processo e o que nos cabe fazer, se quis­er­mos nos man­ter nos proces­sos eleitorais futuros é tra­bal­har mais.

Tal pre­missa, entre­tanto, só fun­ciona den­tro do estado democrático de dire­ito. Nas ditaduras, como pregam, os donos do poder sem­pre encon­trarão artifí­cios e sub­ter­fú­gios para igno­rar os resul­ta­dos das eleições. Uma vez é a des­culpa da fraude, noutra vez que a justiça “pen­deu” para um lado, outra que o sis­tema eletrônico não é con­fiável e por aí vai, como na parábola do lobo e do cordeiro.

Enquanto isso con­tam com séquito de ado­radores que, talvez, por neces­si­dade de “per­tenci­mento” acha que tudo vai certo e que o certo é que encontra-​se errado ou, pior que isso, que não existe mais o certo ou o errado, tudo não pas­sando de uma questão de “ponto de vista” ou do inter­esse a ser defen­dido.

Isso vem acon­te­cendo com pes­soas bem próx­ima a nós – como disse no iní­cio “no grupo da família” –, são ami­gos, são famil­iares, são viz­in­hos, são ami­gos.

À procura de um sap­ateiro que pro­duza sap­atos sob medida fui ao João Paulo por estes dias, ainda muito cedo, pas­sei em frente ao 24º Batal­hão de Caçadores do Exército (não sei se ainda se chama assim) e depare-​me com a Praça Duque de Cax­ias, em frente ao mesmo, trans­for­mada em um acam­pa­mento, tomada por inúmeras faixas pedindo golpe militar.

Por ser muito cedo, não deu para perce­ber a pre­sença de “mul­ti­dão”, mas, por outro lado, chama a atenção que mais de um mês depois das eleições pres­i­den­ci­ais ainda este­jamos este nível de incon­formismo ou de manip­u­lação dos cidadãos que não querem – e por isso não aceitam –, que o can­didato vence­dor seja diplo­mado e assuma ao cargo para o qual foi eleito.

Decerto que isso não é nor­mal.

Imag­ino (ape­nas imag­ino) que o vem ocor­rendo no Brasil – este nível de rad­i­cal­iza­ção política –, seja algo semel­hante ou muito próx­imo do que ocor­reu (e ocorre) em muitos países europeus e de out­ros can­tos do mundo em jovens e adul­tos “se deixaram” rad­i­calizar a ponto de irem se inscr­ever para “lutar con­tra as forças do mal” no Estado Islâmico. De repente, em diver­sos países europeus, vimos jovens até mesmo ado­les­centes de ambos os sexos fugirem de casa e atrav­es­sar “meio mundo” para serem explo­rados de todas for­mas por aque­les “líderes” numa guerra que não era sua. Quan­tos não foram abu­sa­dos, não perderam a vida, viraram pri­sioneiros ou escravos e até hoje fazem seus pais sofr­erem?

O nível de rad­i­cal­iza­ção política que vemos no país hoje é muito semel­hante ao que vimos acon­te­cer na Europa com estes mil­hares de jovens e/​ou ado­les­centes que deixaram seus lares e seus países para irem a “luta con­tra o mal” junto ao Estado Islâmico.

Os nos­sos “jihadis­tas” acam­pa­dos em frente aos quar­téis e tiros de guerra, tam­bém, dizem que estão lutando con­tra o mal, con­tra o comu­nismo (os comu­nistas estão na outra esquina pron­tos para tomar o poder, estuprar nos­sas fil­has, abolir nos­sas pro­priedades, etc), con­tra o satanismo (Satanás, o próprio, está chegando com seu exército do mal para per­verter nos­sas almas) e por aí vai.

Agem e dis­cutem como se “mundo fosse acabar amanhã”.

A ninguém socorre a ideia de que foi ape­nas uma eleição e que daqui a qua­tro anos ter­e­mos outra é mais outra qua­tro anos depois e assim sucessivamente.

Calma, patri­o­tas! Calma!

Abdon C. Mar­inho é advogado.