AbdonMarinho - A Mera Coincidência de Maduro.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 09 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A Mera Coin­cidên­cia de Maduro.

(Mapa da América do Sul de 1805).

A Mera Coin­cidên­cia de Maduro.

Por Abdon C. Marinho*.

FAL­TAVA POUCOS dias para as eleições amer­i­canas quando um escân­dalo eclodiu em pleno Salão Oval da Casa Branca: o pres­i­dente teria “bulido” em uma menina que vis­i­tava aquela sede de governo.

Com um escân­dalo sex­ual de tamanha monta, pres­i­dente e asses­sores não vêem muita chance de reeleição. Diante disso, um dos seus asses­sores entra em con­tato com um pro­du­tor de Hol­ly­wood para que este invente uma guerra na Albâ­nia que serviria para desviar as atenções do escân­dalo e cap­i­talizar politi­ca­mente o can­didato à reeleição.

Esse é o fio con­du­tor da comé­dia Wag the Dog, de Barry Levin­son, de 1997. No elenco, mon­stros sagra­dos do cin­ema mundial, como Robert De Niro, Dustin Hoff­man, Kirsten Dunst, Woody Har­rel­son. Para abril­han­tar ainda mais a película, tem uma par­tic­i­pação do can­tor Willie Nelson.

No Brasil, o filme lançado em 1998, rece­beu o nome “Mera Coin­cidên­cia” e o foi o dileto amigo Ader­son Lago, quando nos prepará­va­mos para o embate eleitoral daquele ano que me aler­tou para o mesmo: — ah, Abdon, assisti um filme muito bom, ótimo. Tu não podes perder. Antes que tivesse tempo ou dis­posição para assi­s­tir, me recomen­dou o filme umas três vezes, quase sem­pre acres­cen­tando alguns detal­hes.

Assisti, gostei, recomendo esse clás­sico de 1997, prin­ci­pal­mente para aque­les gostam de “casar” uma comé­dia leve com a política.

Como, nas palavras de Oscar Wilde “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida…”, o dita­dor da Venezuela, Nicolás Maduro, que no próx­imo ano (2024) pas­sará por um processo eleitoral que tín­hamos esper­ança que fosse limpo, resolveu “inven­tar” sua própria guerra. Essa guerra, entre­tanto, com ares de comé­dia pastelão não conta com o tal­ento de grandes atores, como no filme orig­i­nal – muito pelo con­trário –, e cam­inha a pas­sos lar­gos para se tornar uma tragé­dia para a América Latina.

Desde que o atual grupo político, primeiro com Hugo Chavez e depois com Nicolás Maduro assumiu o poder na Venezuela, em 1999, aquele país que já foi um dos mais ricos do mundo, graças, sobre­tudo, ao petróleo começou um processo acel­er­ado de dete­ri­o­ração con­tando hoje com quase 95% (noventa e cinco por cento) de sua pop­u­lação vivendo em situ­ação de pobreza. Isso mesmo, quase cem por cento da pop­u­lação vive em situ­ação de pobreza, grande parte deles sem con­seguir encon­trar mais nem luxo para comer, uma inflação anual que beira os qua­tro dígi­tos e uma grande parcela de sua pop­u­lação (cerca de dez por cento ou mais) tendo sido obri­gada a bus­car abrigo noutras nações, sofrendo todos os tipos de pri­vações e humil­hações que essa situ­ação impõe.

Nesse cenário des­o­lador para qual­quer um que vá dis­putar uma eleição mas sofrendo pressões de todos os países do mundo mundo civ­i­lizado para que faça eleições e que as mes­mas ten­ham acom­pan­hamento inter­na­cional, ao dita­dor restou “inven­tar” uma reivin­di­cação ter­ri­to­r­ial arbi­trada em favor da Guiana desde 1899, para “acen­der” um sen­ti­mento patriótico, desviar a atenção dos prob­le­mas reais da Venezuela, “que­brar” a oposição acusando-​a de impa­tri­ota e até imputando-​lhe crimes, como já temos visto, e de que­bra, ten­tar algum tipo de “bar­ganha” com o país viz­inho, menor, desmil­i­ta­rizado, etc.

Qual­quer um com o ensino fun­da­men­tal sabe que uma das razões da esta­bil­i­dade do con­ti­nente amer­i­cano reside no fato de ter­mos fron­teiras sól­i­das e definidas há mais de um século e tais definições foram fru­tos de nego­ci­ações pací­fi­cas das diplo­ma­cias desses países.

Todos sabem tam­bém, uns mais que os out­ros, que o régime de Cara­cas não é con­fiável e a prova mais elo­quente disso é como tem se por­tado desde que se instalou e, prin­ci­pal­mente, nos últi­mos dias. Não bas­tava rea­cen­der uma dis­cussão já arbi­trada há mais de um século – e foi semel­hante a definição de fron­teiras de diver­sos out­ros países, prin­ci­pal­mente o Brasil que é o maior da América do Sul –, e para a qual não tem razão, como tam­bém, que levar o con­ti­nente todo para se envolver num front de guerra mundial anun­ciando que vai a Rús­sia em breve ten­tar o apoio para o seu pleito expan­sion­ista junto ao auto­crata Putin, que em pleno século XXI, achou de empreen­der uma expan­são de seu ter­ritório con­tra a Ucrâ­nia des­en­cade­ando uma guerra que já dura dois anos, com mil­hões de pes­soas sofrendo suas con­se­quên­cias.

Não acred­ito que a Rús­sia venha se envolver numa guerra na América, mas isso não a impede de dar força a Maduro, seja no Con­selho de Segu­rança da ONU, caso este resolva aprovar alguma res­olução con­tra a cam­panha expan­sion­ista de Maduro, seja com o fornec­i­mento de armas, homens, equipa­men­tos … será que pre­cisamos disso?

Doido é doido, já dizia meu pai. E caso esse con­flito escale, como ficam os inter­esses do Brasil? Sofr­ere­mos bom­bardeios? A base de Alcân­tara será ata­cada por alguma potên­cia? E, já estão dis­cutindo fron­teiras, nos­sas nações indí­ge­nas, sobre­tudo na região não poderão reivin­di­carem suas inde­pendên­cias em minús­cu­los ter­ritórios autônomos? Nos­sos out­ros viz­in­hos são poderão, se gov­er­na­dos por algum maluco, querer redis­cu­tir as suas fron­teiras com o Brasil?

O mapa que ilus­tra esse tex­tão é de 1805 (?) nele já con­sta a região do Esse­quibo como per­ten­cente à Guiana e não à Venezuela. Depois, na arbi­tragem de Paris, de 1895, ficou con­fir­mado que o ter­ritório ficaria com o primeiro país.

Não vejo sen­tido em se dis­cu­tir nova­mente essa questão pois isso impli­caria em “abrir” espaço para todas as demais dis­cussões rel­a­ti­vas as fron­teiras dos países sulamer­i­canos, incluindo a sobera­nia nacional sobre a Amazô­nia.

O Brasil – e prin­ci­pal­mente o atual gov­erno –, tem uma grande respon­s­abil­i­dade (e inter­esses) com o atual con­flito envol­vendo os dois viz­in­hos pois apoiou de forma “inédita” o régime de Cara­cas tendo o sen­hor Lula, muito emb­ora na condição de ex-​presidente, gravado vídeos e até par­tic­i­pado de comí­cios em favor do dita­dor Nicolás Maduro. Já no atual gov­erno, quando o régime de Maduro enfrentava iso­la­mento inter­na­cional, o gov­erno brasileiro o rece­beu e o apoiou com todas as hon­ras deferi­das não ape­nas um chefe de estado, mas, deferi­das a gov­erno amigo.

O Brasil não pode se “ofer­tar” como medi­ador de con­flito, não existe isso, o que existe é um dita­dor com um pro­jeto expan­sion­ista que ambi­ciona as riquezas do país viz­inho – que só em petróleo de qual­i­dade pos­sui reser­vas de 11 bil­hões de bar­ris, o que equiv­ale a setenta por cento das reser­vas do nosso país.

Não há o que mediar diante de uma situ­ação em que um país con­voca o plebisc­ito para incor­po­rar dois terços do país viz­inho, igno­rando trata­dos inter­na­cionais sec­u­lares, que manda fazer um mapa com a região incor­po­rada a seu ter­ritório, que nomeia gov­er­nador para a provín­cia “incor­po­rada”.

O Brasil pre­cisa dizer clara­mente que dis­corda desse tipo de decisão do gov­erno Maduro, cri­ada uni­ca­mente para sat­is­fazer o próprio ego dita­to­r­ial e se agar­rar ao poder perseguindo os adver­sários.

O que existe para mediar? A Guiana vai pagar “res­gate” para ter seu ter­ritório de volta? Essa “paz” durará até o próx­imo dita­dor rea­cen­der o interesse?

O Brasil pre­cisa ter um lado, uma posição clara – que não é de mediar, pois não há o que mediar –, con­trária aos inter­esses de Maduro, entre­gando a decisão para Corte Inter­na­cional, sob pena de trazer prob­le­mas à própria con­sol­i­dação ter­ri­to­r­ial brasileira, rea­cen­dendo dis­cussões sobre a Amazô­nia, sobre autono­mia de ter­ritórios indí­ge­nas e até mesmo nos inter­esses de viz­in­hos sobre o nosso ter­ritório por acor­dos cel­e­bra­dos no pas­sado.

Ao “nor­malizarmos” o inter­esse de Maduro pela grande Venezuela dos tem­pos colo­ni­ais podemos dar lugar até para a Espanha pleit­ear o respeito ao Tratado de Torde­sil­has.

Ao ten­tar imi­tar uma comé­dia o pés­simo ator Maduro nos apre­senta uma tragé­dia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.


(Novo mapa da Venezuela de 2023).