AbdonMarinho - Reflexões do irmão imaginário sobre a “guerra das plumas e paetês” e outros males
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 27 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Reflexões do irmão imag­inário sobre a “guerra das plumas e paetês” e out­ros males

Reflexões do irmão imag­inário sobre a “guerra das plumas e paetês” e out­ros males.

Por Abdon C. Mar­inho.

O DR. WEL­GER FREIRE, meu sócio de quase trinta anos e o mais bril­hante advo­gado que con­heço, vez por outra me estim­ula a escr­ever tex­tos mais amenos, menos polêmi­cos e que, quem sabe, pudessem ate nos ren­der div­i­den­dos econômi­cos ao invés dos que comu­mente escrevo e que acabam por con­trariar os humores dos poderosos de plan­tão, sejam de dire­ito, esquerda ou nada disso.

A primeira coisa a ser dita é que não faço isso de forma proposi­tal. Na ver­dade – quem escreve sabe bem disso –, nós, os escribas, não man­damos naquilo que escreve­mos. Diante da folha de papel em branco ou da tela vazia é como se o “irmão imag­inário” assumisse o comando do texto e o pro­duzisse ao seu talante.

Con­ver­sava com o amigo Max Harley Fre­itas e ele falava de uma entre­vista de Chico Buar­que onde ele tratava jus­ta­mente disso, desse “irmão imag­inário” respon­sável por suas obras literárias e de como ele sen­tira ao ter­mi­nar deter­mi­nada obra e não ter mais a com­pan­hia daquele irmão.

O meu irmão, “respon­sável” pela elab­o­ração dos nos­sos tex­tões de fim de sem­ana, deve ter sido, nas encar­nações pretéri­tas, um grande rev­olu­cionário ilu­min­ista e human­ista sendo inca­paz de ficar inerte ou não se indig­nar com as coisas que para muitos “passa batido” mas que para ele sig­nifica uma afronta aos dire­itos dos cidadãos.

Certa vez meu irmão viu impor­tante autori­dade jactar-​se de que iria resolver o prob­lema do abastec­i­mento de água da cap­i­tal – isso há quase vinte anos ou mais –, para isso, pas­sava em “revista” caminhões-​pipa que fariam o abastec­i­mento de diver­sos pon­tos da cidade. O cidadão pas­sava os veícu­los em “revista” tal qual os gen­erais dos exérci­tos fazem com as tropas mil­itares, a imprensa e os adu­ladores de plan­tão “sau­davam” o grande feito enquanto ele escrevia para os que quisessem saber: — ei, que “van­tagem” existe em dis­tribuir água para o povo em cam­in­hões quando ela dev­e­ria jor­rar nat­u­ral­mente das torneiras? E de qual­i­dade? É tratada?

Tanto estava certo e que aquele espetáculo era ape­nas per­for­mático que o prob­lema do abastec­i­mento de água na cap­i­tal, pas­sa­dos tan­tos anos, ainda per­siste, fal­tando água nas torneiras “dia sim e no outro tam­bém” e ele se agre­gando a inex­istên­cia de sanea­mento básico, do lixo que se acu­mula por todos can­tos, da falta de estru­tura que assusta as famílias a cada chuva, e por aí vai.

Essa mesma verve ou sen­ti­mento crítico o fez indignar-​se ao assi­s­tir autori­dades se pro­movendo ao inau­gu­rar uma sentina ou uma placa de trân­sito.

Ele dizia: — que absurdo um prefeito ocupar-​se da inau­gu­ração de uma sentina.

O mesmo sen­ti­mento de indig­nação ao assi­s­tir um gov­er­nador de estado deslocar-​se para deter­mi­nado municí­pio para “inau­gu­rar” um poço arte­siano ou um CRAS (esse con­struído com recur­sos públi­cos des­ti­na­dos pelo gov­erno fed­eral).

O Maran­hão tem sido ter­reno fér­til para esse tipo de inver­são de val­ores. Não faz muito tempo, inclu­sive como “meta de desen­volvi­mento” falava-​se na imensa quan­ti­dade de restau­rantes pop­u­lares onde os “cidadãos” podiam sacia­rem a fome e alimentar-​se com qual­i­dade gas­tando ape­nas um real ou pouco mais que isso.

A despeito do alcance social de tal pro­grama ou mesmo de even­tual incen­tivo à cadeia pro­du­tiva o meu irmão imag­inário inda­gava em diver­sos tex­tos se esse tipo de pro­grama ao invés de apon­tar para algum tipo de sucesso não estaria, de fato, ate­s­tando o nosso fra­casso uma vez que, cer­ta­mente, os cidadãos prefeririam estarem bem empre­ga­dos, gan­hando bem para não pre­cis­arem desse tipo de favor do estado para aten­der a mais básica das neces­si­dades após a existên­cia: alimentar-​se.

O irmão apon­tava em diver­sos tex­tos que a cel­e­bração de tal feito mas pare­cia o “ateste” do fra­casso de uma ger­ação inteira, dizia: — não fomos capazes de nos desen­volver a ponto das pes­soas pre­cis­arem para comer se socor­rer de uma pro­gra­mação do gov­erno que fornece refeições a um real.

Refle­tia: — que mérito pode exi­s­tir nesse tipo de coisa?

Mal virada a fol­hinha de ano, meu irmão imag­inário leu uma manchete e pôs-​se a refle­tir e indignar-​se com o seu alcance, falta de propósito ou de como, no estado, esta­mos vivendo em “mundo para­lelo”. Dizia a manchete do noti­cioso, e repli­cada por diver­sos veícu­los de comu­ni­cação social, que o gov­erno estad­ual des­ig­nara o BOPE (grupo de elite da polí­cia estad­ual) para pro­te­ger os “balões” dec­o­ra­tivos man­da­dos insta­lar na Avenida Beira-​mar para o car­naval de 2024.

Por mais ridículo que possa pare­cer, lá estavam os mais prepara­dos homens da força de segu­rança estad­ual “dando segu­rança aos balões” colo­ca­dos pelo gov­erno estad­ual.

A uti­liza­ção da força de elite da PMMA seria para evi­tar que agentes da prefeitura munic­i­pal reti­rassem os orna­men­tos estad­u­ais, uma vez, que o prefeito no dia da “virada” anun­ciara que o car­naval munic­i­pal seria naquele logradouro.

Estava anun­ci­ada a “guerra das plumas e paetês” e as “batal­has dos fofões” ou dos “blo­cos de sujos”.

Durante quase uma sem­ana – até que o prefeito anun­ci­asse um outro local para o evento da prefeitura –, adu­ladores de ambas as cor­rentes no intu­ito de venderem o próprio “peixe”, e se venderem, incen­ti­vavam o clima de con­flito entre as esferas de poder.

Longe de tomar par­tido, até por ser fiel ao ditado pop­u­lar que diz “em casa que falta pão, todos gri­tam e ninguém tem razão”, ou de ser con­tra a festa pop­u­lar, o irmão imag­inário refle­tia noutra ver­tente.

Faz algum sen­tido que gov­erno do estado e a prefeitura da cap­i­tal “travem” esse tipo de guerra, a ponto de terem chegado a escalar o BOPE, para faz­erem fes­tas públi­cas de carnaval?

Vejamos, por onde se passa se escuta a notí­cia que o setor público, esta­dos e municí­pios, se encon­tram na “pin­daíba”, sem din­heiro para nada, nem mesmo para aten­der as neces­si­dades bási­cas do serviço público.

Tal infor­mação deve ser ver­dadeira porque enquanto se travava a “guerra das plumas e paetês” ou as “batal­has dos fofões”, noticiava-​se, ainda no tema dos folgue­dos, que ambos os “lit­i­gantes” estavam sendo deman­da­dos por não terem pagos os artis­tas locais que prestaram seus serviços no car­naval e nos fes­te­jos juni­nos pas­sa­dos, inclu­sive, com dire­ito a reporta­gens em rede nacional.

Ai, reside outra grande injustiça pois o din­heiro público dis­pen­sado com tais even­tos sequer, pref­er­en­cial­mente, vai para o bolso dos artis­tas locais, res­i­dentes no estado e municí­pio, indo para fora do estado pois as “grandes estre­las” só sobem ao palco com o din­heiro na mão.

Meu irmão imag­inário sem­pre defendeu em inúmeros tex­tos que esses even­tos fos­sem custea­dos pela ini­cia­tiva pri­vada quando muito com o apoio do setor público ou em último caso através de parce­rias, pois, afora a falta de recur­sos, ale­gada por todos, o nosso estado e os municí­pios maran­henses pos­suem deman­das bem mais impor­tantes e urgentes. Somos ainda o estado mais pobre da fed­er­ação, com mais de 50% (cinquenta por cento) da pop­u­lação vivendo abaixo da pobreza, edu­cação, saúde, sanea­mento, empre­ga­bil­i­dade, desen­volvi­mento social, etc., rev­e­lando carên­cias em níveis diver­sos.

O mundo – o Maran­hão inclu­sive –, passa por uma grave emergên­cia climática, exceto pelo tem­po­ral desta manhã enfrenta­mos uma grave seca com sérios pre­juí­zos para um estado já pobre.

É certo que não é o din­heiro do Car­naval (ou do São João) que vai “desen­volver” o estado e pôr fim a sua sec­u­lar pobreza, mas, de outro não se faz muito sen­tido que se vá ao baile de bar­riga vazia. Ou que as esferas de poder (estado e municí­pio) travem uma “guerra” pelo dire­ito de fazer o car­naval aqui ou ali ou que dis­putem quem fez o evento mais “bonito” com atrações mais caras, quem atraiu mais gente, etcetera.

Tudo isso, pelo menos aos olhos do meu irmão imag­inário, pare­cem bobagem diante dos prob­le­mas efe­tivos que afligem a pop­u­lação.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor e cro­nista.