AbdonMarinho - O desafio da miséria.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 26 de Abril de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O desafio da miséria.


O desafio da miséria.

Por Abdon C. Marinho.

ASSIS­TIA a um dos noti­ciários da noite quando, em horário nobre, aparece um com­er­cial do gov­erno estad­ual à guisa de apre­sen­tar seu pro­grama de com­bate à pobreza abso­luta no estado. Segundo a peça, se não me falha a memória, já foram tiradas mil­hares de pes­soas da condição de mis­éria mas que ainda exi­s­tiriam 500 mil cidadãos vivendo tal fla­gelo.

De tudo que ouvia naque­les trinta segun­dos de com­er­cial o que mais me chamou atenção foi o depoi­mento de uma sen­hora dizendo que já teve que colo­car água no fogo ape­nas com sal para beber e assim enga­nar a fome.

Fiquei com aquela imagem na cabeça – for­jado na leitura de livros, desen­volvi o hábito de con­seguir “visu­alizar” o que leio ou escuto –, con­seguia “vê” a sen­hora aque­cendo a água, provavel­mente numa “trempe” para depois beber como se fosse uma sopa de sal.

É triste, é doloroso, é deprimente.

Emb­ora seja do inte­rior do inte­rior, não lem­bro de tomar con­hec­i­mento de tamanho estado de mis­éria. Nem mesmo nas memórias das secas extremas em que os ser­tane­jos caçavam os “gabirus” para comer, deparei-​me com histórico de “sopa de sal”.

Não faz muito muito tempo recebi um mapa sobre a taxa de pobreza dos esta­dos brasileiros. O Maran­hão apare­ceu nesse estudo como “campeão”, acima de out­ros esta­dos do Nordeste, e bem acima dos esta­dos de out­ras regiões. O único perto de rivalizar com o nosso estado, em tal estudo, foi o Estado do Acre.

Trata-​se de quadro desalen­ta­dor. Talvez deva­mos, antes de quais­quer out­ras con­sid­er­ações, bus­car saber como cheg­amos a esse estado de coisas.

O Maran­hão já foi o estado “El dourado” do Nordeste, para onde, nos momen­tos mais difí­ceis da vida no sertão nordes­tino as pes­soas se mudavam para pros­perar, criar os fil­hos e fazer for­tuna.

Não faz sen­tido nen­hum que os demais esta­dos ten­ham avançado enquanto o Maran­hão, com todas as condições favoráveis, tenha regre­dido eco­nomi­ca­mente.

Um outro estudo recente apon­tou que 54% (cinquenta e qua­tro por cento) da pop­u­lação era ben­efi­ciária do “bolsa-​familia”. Mas não é só o “bolsa-​família”, temos os seguros para pescadores, temos as aposen­ta­do­rias rurais, temos o “pé de meia”, temos, agora, os vários pro­gra­mas assis­ten­ci­ais do gov­erno estadual.

Em out­ras palavras, temos quase toda a pop­u­lação do estado depen­dendo do assis­ten­cial­ismo estatal. É dizer, se acon­te­cer a catástrofe de sus­penderem ou cortarem tais pro­gra­mas a pop­u­lação morre, o estado desa­parece. Isso em um estado que já foi um dos mais promis­sores do país.

Como disse acima, sou do inte­rior do inte­rior, e me lem­bro que as pes­soas pobres de out­rora, mesmo as que nada tin­ham, podiam cul­ti­var uma roça de onde tiravam o arroz, o fei­jão, o milho, a man­dioca, a macax­eira, o max­ixe, o quiabo, o ger­i­mum, a abób­ora, a melan­cia; tin­ham can­teiros em casa onde cul­ti­vavam, a cebola, o alho, o coen­tro, e várias out­ras coisas; tin­ham gal­in­has, patos, mar­recos, por­cos, cabras e bodes, ovel­has e até mesmo umas reses. Os pobres tin­ham, ainda o babaçu, de onde tiravam o azeite das amên­doas e uti­lizavam as cas­cas para fazer o carvão.

As pes­soas eram pobres mas não eram depen­dentes de esmo­las estatais – que a época, sequer exis­tiam.

Repito: não faz parte do meu imag­inário a lem­brança de pes­soas fazendo “sopa de sal”, como nar­rado no com­er­cial do gov­erno.

Quer me pare­cer que éramos um estado de pop­u­lação pobre e agora somos um estado de pop­u­lação mis­erável. Como dizia o ex-​governador Cafeteira, cresce­mos como rabo de cav­alo: para baixo.

Pre­cisamos nos con­cen­trar – enquanto evi­ta­mos que as pes­soas mor­ram de fome ou façam “sopa de sal” –, em enten­der como regred­i­mos tanto e como fare­mos para superar esses desafios.

O Maran­hão ainda é um estado muito rico, pos­sui ativos inques­tionáveis em diver­sos segui­men­tos, mas, parece-​me, não con­segue fazer girar a “roda do desen­volvi­mento”. Chega a ser doloroso assi­s­tir­mos, em pleno século XXI, que este­jamos, ainda, na pauta de tirar­mos mil­hões de pes­soas da indigên­cia.

Acred­ito que o primeiro passo para fazer uma mudança é saber o que foi feito de errado até hoje. Não se trata de bus­car cul­pa­dos por trans­for­mar um estado de povo pobre em um estado de povo mis­erável – cul­pa­dos todos somos –, mas bus­car as razões com o propósito de fazer algo difer­ente.

Vamos insi­s­tir no absurdo de esperar resul­tado difer­ente prat­i­cando os mes­mos erros?

Não faz muito, nas min­has andanças, dis­cu­tia soluções para a edu­cação brasileira. Dizia: — olha para mel­ho­rar os níveis da edu­cação de nos­sas cri­anças e ado­les­centes pre­cisamos tornar a edu­cação inte­gral e bilíngue. Essa é a solução para ele­var os níveis edu­ca­cionais e para colo­car­mos mais recur­sos na rede vez que cada cri­ança em tempo inte­gral ou em ativi­dade com­ple­men­tar equiv­a­lente, o municí­pio recebe o dobro em recur­sos se com­parado à jor­nada nor­mal; um aluno do EJAI ou EJAI/​Profissional ren­dem cerca de 5 mil; cri­anças em crèche pública tam­bém traz receitas para os municí­pios e esta­dos.

Para minha sur­presa alguém me atal­hou para dizer: — ah, doutor, temos muita difi­cul­dades para preencher vagas no ensino inte­gral, os pais não querem. Querem ape­nas que estu­dem um turno para no outro ajudá-​los em suas ativi­dades.

Já era objeto de pre­ocu­pação minha, a dis­crepân­cia entre o número de alunos matric­u­la­dos no ensino fun­da­men­tal menor e os número de alunos do fun­da­men­tal maior e entre esse e o número de matric­u­la­dos no ensino médio. Qual­quer um que exam­ine os números percebe a existên­cia de um sen­sível decréscimo. A medida que a idade avança a fre­quên­cia na escola diminui.

Agora nos deparamos com a falta de inter­esse de muitos pais em pro­por­cionar ou lutar por uma edu­cação pública de qual­i­dade para os fil­hos, preferindo que estu­dem menos ou não estu­dem para tê-​los em out­ras ativi­dades.

Vejam que isso é andar no con­tramão da história. Na minha infân­cia os pais, mesmo os mais pobres, se esforçavam para man­dar seus fil­hos para sede dos municí­pios onde podiam ter uma edu­cação mel­hor. Muitos sofriam para alu­gar uma casa ou os man­davam para “casas de ami­gos ou par­entes” para que tivessem mel­hores chances de estu­dar.

As próprias cri­anças e/​ou ado­les­centes, mesmo pas­sando por difi­cul­dades, tin­ham inter­esse em estu­dar, aliás, tin­ham na edu­cação a única forma de ascen­são social.

Nos dias atu­ais não assis­ti­mos mais nada disso. Há uma total inver­são de val­ores que os gov­er­nantes por razões diver­sas, não con­seguem com­preen­der ou romper.

Tenho por certo que para vencer­mos o desafio da mis­éria e de atraso pre­cisamos de edu­cação.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.