AbdonMarinho - O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 26 de Abril de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.


O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUM DIA, acred­ito que mais cedo do que muitos imag­i­nam, ire­mos nos per­gun­tar: o que acabou primeiro, a Justiça ou a democ­ra­cia?

E, então, talvez, nos dare­mos conta que a própria civ­i­liza­ção tam­bém chegou ao fim.

A frase de François Guizot que quase se torna um aforismo jurídico – antes que alguém desista por não saber o que é aforismo esclareço tratar-​se de uma máx­ima ou sen­tença que em pou­cas palavras con­tém uma regra ou um princí­pio de alcance moral –, sen­ten­cia: “quando a política aden­tra aos recinto dos tri­bunais, a justiça se retira por alguma porta”.

O pre­sente texto é o preâm­bulo de uma abor­dagem filosó­fica para uma des­graça que assom­bra os democ­ratas e as sociedades mod­er­nas: a inter­fer­ên­cia política na justiça e/​ou a inter­fer­ên­cia da justiça na política.

Como dizia um antigo pro­fes­sor: a ordem dos fatores não altera o resul­tado final, que sem­pre será a aniquilação de ambos.

Quando se ensi­nava dire­ito e quando se apren­dia o Dire­ito, éramos apre­sen­tado que as leis dev­e­riam ser o sufi­cien­te­mente claras para que os cidadãos comuns as com­preen­dessem, soubessem o que era certo e o que era errado e con­cor­dasse com aquilo.

O “pacto social” entre Estado e cidadãos regido por um con­junto de nor­mas que, razoáveis e jus­tas, a todos sub­me­tem.

Nesse tempo, tam­bém, se apren­dia que as sociedades mod­er­nas ado­tavam como mod­elo o sis­tema de poderes inde­pen­dente e har­môni­cos entre si, nos quais o Leg­isla­tivo, o Exec­u­tivo e o Judi­ciário tin­ham cada um o seu papel a ser desem­pen­hado seguindo aquele con­junto de nor­mas razoavel­mente esta­b­ele­ci­das e aceitas pela sociedade.

De outro mestre de igual sabença colhia-​se a lição: — duvi­dem de leis com­plexas e de inter­pre­tações rebus­cadas, a bal­iza da lei é a com­preen­são do homem médio, aquilo que o cidadão comum, mesmo sem muito ou estudo nen­hum, com­preende como aceitável. A lei não pode con­ter charada ou pegad­in­has.

Ao longo dos sécu­los sem­pre que um líder ou grupo político ten­tou ou con­seguiu manip­u­lar ou dom­i­nar os demais poderes o resul­tado alcançado foi régime autoritário, ditadura, destru­ição da sociedade.

O mundo vive nova­mente sob esse espectro.

Em diver­sos países do mundo assis­ti­mos líderes ou seus par­tidos políti­cos tentarem manip­u­lar os demais poderes, sobre­tudo, o Poder Judi­ciário.

Mesmo democ­ra­cias que se rep­utavam con­sol­i­dadas enfrentam está­gios de manip­u­lação ou dom­i­nação da Justiça.

O pior é que, para muitos, isso é tido como uma prática nor­mal. Agora mesmo, nos Esta­dos Unidos, o bil­ionário Elon Musk, como já fiz­era nas eleições pres­i­den­ci­ais, ten­tou, com o seu imenso pode­rio econômico, influ­en­ciar na escolha de um juiz para a Suprema Corte de um dos esta­dos – feliz­mente, sem êxito. Dizem que gas­tou cerca de 25 mil­hões de dólares na ten­ta­tiva de influir no resul­tado final da escolha dos cidadãos pois lá os juízes são eleitos.

Nos mes­mos Esta­dos Unidos – out­rora refer­ên­cia de democ­ra­cia con­sol­i­dada –, assis­ti­mos decisões sendo desre­speitadas e mesmo o enfrenta­mento das decisões pelo poder político do gov­er­nante de plan­tão.

E, mais, juízes e procu­radores sendo coagi­dos e con­strangi­dos pelo Depar­ta­mento de Justiça e o próprio pres­i­dente falando em impeach­ment de juizes.

Os exces­sos em quer­erem con­tro­lar as decisões judi­ci­ais chegou a tal ponto que o pres­i­dente da Suprema Corte, de quem pouco se ouve falar, manifestou-​se pub­li­ca­mente para dizer que o impeach­ment não é o meio ade­quado para sub­sti­tuir os recur­sos judi­ci­ais.

Vejam, isso vem acon­te­cendo naquela que já foi con­sid­er­ada como um mod­elo de democ­ra­cia para o mundo oci­den­tal.

Esta­mos diante da política (ou polit­icagem) “arrobando” os pór­ti­cos da Justiça.

Em diver­sos out­ros países o Poder Judi­ciário – e com ele as noções de Justiça e Dire­ito que apren­demos –, vem sendo aniquilado para aten­der aos inter­esses políti­cos da força dom­i­nante. Fazem isso medi­ante a sub­sti­tu­ição de juízes (muitos, inclu­sive, sendo pre­sos ou exi­la­dos), o aumento da com­posição das cortes para acres­cen­tar os “seus” ou através de alter­ações nas leis para sub­me­ter as decisões judi­ci­ais aos inter­esses políti­cos de quem se encon­tra no poder.

Em todos esses países o que temos assis­tido é a con­sol­i­dação de ditaduras, mod­e­los de gov­er­nos autoritários onde as mino­rias soci­ais e/​ou os opos­i­tores são afas­ta­dos do poder – mesmo que ten­ham sido eleitos –, ou pre­sos sem qual­quer base legal ou crime cometido.

Aliás, o “crime” é ser oposição ao gov­erno e/​ou uma ameaçar a hege­mo­nia do seu poder.

Nas últi­mas décadas o Brasil vem avançando no seu “pro­jeto” de destru­ição da Justiça. Talvez muitos dos artí­fices de tal pro­jeto nem se dêem conta disso, seguem na linha do “todo mundo faz por que não eu?”.

Assim, esses gov­er­nantes, das mais vari­adas esferas de poder vão preenchendo os car­gos de juízes dos tri­bunais com pes­soas que, a despeito de suas capaci­dades téc­ni­cas, pos­suem uma vin­cu­lação política e/​ou pes­soal ou de par­entesco com aquele que o indi­cou.

Isso acon­tece desde sem­pre, é ver­dade, mas nunca com esse nível de vin­cu­lação. De cima a baixo em todos os tri­bunais de justiça ou de con­tas, os gov­er­nantes de plan­tão não têm con­strang­i­mento de “colo­car os seus” e até mesmo de “que­brarem lanças” por essas nomeações, e se tiverem o mesmo sangue, mel­hor, bem mel­hor.

Em tem­pos idos, ainda me recordo, ninguém ques­tion­ava uma decisão judi­cial. Mesmo que dela se dis­cor­dasse, buscava-​se os recur­sos cabíveis, tinha-​se, por certo, que aquele era o entendi­mento do jul­gador a quem se dev­e­ria respeitar.

Não pas­sava pela cabeça de ninguém que por trás da decisão se escon­diam inter­esses políti­cos e/​ou de out­ros matizes.

Hoje, mesmo decisões do Supremo Tri­bunal Fed­eral, vemos sendo esquadrin­hadas nas mesas de bares com ques­tion­a­men­tos sobre suas moti­vações.

Os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral pos­suíam tal grau de respeitabil­i­dade e de ilibada con­duta que a ninguém – do cam­ponês mais rude ao pres­i­dente da República –, pas­sava pela cabeça duvi­dar da seriedade de uma de suas decisões.

Hoje, repito, com ou sem razão, se esquadrinha decisões com a mesma inten­si­dade que se ques­tiona a arbi­tragem de uma par­tida de fute­bol.

A democ­ra­cia brasileira vai per­dendo um dos seus ativos mais caros: a cred­i­bil­i­dade das decisões judi­ci­ais.

Con­forme cos­tumo dizer: a justiça na qual ninguém con­fia não é justiça.

A “des­cred­i­bi­liza­ção” da justiça é o cam­inho mais curto para implan­tação de regimes autoritários, de ditaduras, onde todos poderes, inclu­sive, o de dis­por sobre os bens, a liber­dade e a vida das pes­soas, se con­cen­tram na mão do dita­dor e daque­les no seu entorno.

O mundo está cheio desses exem­p­los, não são ape­nas exem­p­los históri­cos, são, tam­bém, exem­p­los atu­ais, que estão acon­te­cendo enquanto escrevo esse texto.

O fenô­meno global de “desa­cred­i­tar” a Justiça – e, podemos citar como exem­plo, EUA, Rús­sia, China, Venezuela, Cuba, El Sal­vador, Nicarágua, Turquia, Hun­gria, até a França –, encon­tra no Brasil o mais fér­til dos ter­renos, basta ver os últi­mos números sobre a cred­i­bil­i­dade do Judi­ciário brasileiro.

Não faz muito tempo, em 8 de janeiro de 2023, a turba enfure­cida dis­pen­sou ao STF o mesmo trata­mento dado aos out­ros poderes: invadi­ram, van­dalizaram, destruíram, além de out­ros com­por­ta­men­tos escat­ológi­cos que ficaram reg­istra­dos. Não duvido que se tivessem encon­trado por lá algum min­istro o teriam lin­chado.

Den­tro e fora do Judi­ciário mas grav­i­tando em seu entorno, vemos pes­soas se devotando aos regimes autoritários, defend­endo ditaduras, viradas de mesa, supressão da democ­ra­cia.

Quer me pare­cer que ninguém con­segue enten­der que a Justiça é a última trincheira da democ­ra­cia e da liber­dade. Parece-​me que nem mesmo o Poder Judi­ciário tem essa com­preen­são, pois se tivesse bus­caria a auto­p­reser­vação. Não faz isso, dia após dia, ali­menta os escân­da­los com benesses e pen­duri­cal­hos injus­ti­fi­ca­dos, com decisões absur­das e com com­por­ta­men­tos incom­patíveis.

Não duvi­dem, logo, logo, estare­mos fazendo a per­gunta que fiz no iní­cio do pre­sente texto.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Comen­tários

0 #1 Antônio Car­los Ferna 13-​04-​2025 17:38
Muito bom, Dr. Abdon.
Só torço para que nunca ten­hamos motivos para fazer a per­gunta que o autor fez no iní­cio do texto, pois a nossa democ­ra­cia há de per­du­rar para sem­pre, e a cada dia mais forte, ape­sar de atos con­trários de alguns «traidores da pátria».
Parabéns pelo texto.
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