AbdonMarinho - A gestão pública e a Ignorância paralisante
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 25 de Abril de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A gestão pública e a Ignorân­cia paralisante


A gestão pública e a Ignorân­cia paralisante.

Por Abdon C. Marinho.

O AMIGO e sócio, Wel­ger Freire, acor­dou pre­ocu­pado com a saúde da filha. Esper­ava o resul­tado dos exames médi­cos que man­dara realizar no dia ante­rior. Levantou-​se cedo (como de cos­tume) e logo aces­sou o site da clínica para ver­i­ficar os exames. Tudo per­feito, exceto por uma incon­formi­dade. Saiu do quarto apa­vo­rado e já foi pre­venindo a esposa: — Meu bem, se pre­pare, ela está com influenza A!

A esposa, em pânico, começou logo a chorar e ligou para a mãe para pas­sar a “triste” notí­cia. Era choro de lá, choro de cá; prepar­a­tivos para levar a infanta para o hos­pi­tal; até que ocor­reu ao sócio a ideia de con­sul­tar o filho que é médico e faz residên­cia no Rio Grande do Sul.

— Meu filho, recebi os exames de sua irmã e veio tudo bem, só tem um prob­lema: ela está com influenza A.

Do outro lado da linha o filho respondeu-​lhe: — ô pai, influenza A é ape­nas gripe comum.

Foi aí que ele caiu em si.

Naquela mesma manhã, no escritório, nós con­tá­va­mos desse falso surto de diag­nós­tico ter­mi­nal que o acome­teu logo que levan­tou, enquanto caiamos na gar­gal­hada.

Dias desses, por ocasião do Encon­tro Nacional de Com­pras Públi­cas – onde me fiz pre­sente não na condição de advo­gado, mas de empresário do setor de edu­cação –, con­ver­sava com alguns mem­bros dos setores de lic­i­tação, pre­goeiros e até gestores sobre umas inqui­etações.

A prin­ci­pal delas é a demora para os municí­pios “pegarem”. Já tendo avançado o ano, muitos ainda não “ini­cia­ram” o novo mandato; não avançaram nas lic­i­tações, nas com­pras necessárias ao fun­ciona­mento básico, etc.

Em alguns municí­pios, aliás, o ano letivo começou com sin­gu­lar atraso e em alguns sequer ini­ciou total­mente por falta de condições obje­ti­vas: refor­mas que não foram con­cluí­das, mate­r­ial didático que não foi adquirido, pro­fes­sores e/​ou servi­dores que não foram con­trata­dos, e diver­sos out­ros entraves.

Mesmo em municí­pios onde os gestores ape­nas tiveram seus mandatos ren­o­va­dos, a “par­al­isia” se faz pre­sente.

Nas inter­ações que fiz, percebi que parte da inér­cia é dev­ida à nova lei de lic­i­tações, que, ape­sar de não ser tão nova assim (Nova Lei de Lic­i­tações e Con­tratos, Lei nº 14.133÷2021), é de 2021, mas só agora está sendo efe­ti­va­mente apli­cada na maio­ria dos municí­pios brasileiros.

Em muitos municí­pios, sobre­tudo naque­les em que houve troca de comando de gestores, car­gos pre­vis­tos na nova lei não foram cri­a­dos e os próprios depar­ta­men­tos de lic­i­tações tiveram que ser read­e­qua­dos para a nova real­i­dade das con­tratações públi­cas.

Mesmo pes­soas já expe­ri­entes no seg­mento de lic­i­tações e con­tratos têm “pati­nado” e dado celeri­dade aos pro­ced­i­men­tos, muitos, inclu­sive, por receio em relação à nova leg­is­lação.

A situ­ação mostra-​se tão inusi­tada que, pas­sa­dos meses desde a posse, con­tratações que podem ser efe­ti­vadas através de inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação não foram feitas, deixando profis­sion­ais que já dev­e­riam estar tra­bal­hando e recebendo desde o iní­cio da gestão “a verem navios”.

O sócio Wel­ger Freire cos­tuma dizer que ninguém se defende da lei.

No caso da “nova” Lei de Lic­i­tações, ao meu sen­tir, ela tornou bem mais fácil deter­mi­na­dos pro­ced­i­men­tos que dev­e­riam aju­dar os entes públi­cos, dando-​lhes celeri­dade na gestão.

Quer me pare­cer, entre­tanto, que muitos gestores e/​ou profis­sion­ais oper­adores do dire­ito estão receosos da uti­liza­ção dos pro­ced­i­men­tos legais estatuí­dos na leg­is­lação dev­ido ao receio dos “tri­bunais das redes soci­ais e veícu­los de comu­ni­cação” e até mesmo das pos­síveis inter­pre­tações dadas pelos organ­is­mos de con­t­role, como o Min­istério Público, que atua como fis­cal da lei ou dos tri­bunais de con­tas.

Um exem­plo claro disso é o escar­céu que muitos fazem diante de uma inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação.

Ora, a inexi­gi­bil­i­dade é um pro­ced­i­mento pre­visto na leg­is­lação, não é algo “fora da lei”, muito pelo con­trário, encontra-​se lá dev­i­da­mente esta­b­ele­cido e é uma das fer­ra­men­tas que exis­tem para garan­tir a celeri­dade dos proces­sos admin­is­tra­tivos.

Aos oper­adores do cer­tame cabe ape­nas instru­men­talizar e fun­da­men­tar a opção pela inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação.

Muito emb­ora gestores e demais respon­sáveis pelos cer­tames saibam disso, ao optarem por faz­erem uma inexi­gi­bil­i­dade agem como se estivessem fazendo algo fora da lei, come­tendo um crime ou coisa pior, quando na ver­dade estão se uti­lizando de um recurso legí­timo insti­tuído para ser uti­lizado sem­pre que se enquadrar na pre­visão legal.

O mesmo ocorre quando fazem uma adesão a alguma ata de reg­istro de preço, com a con­tratação direta, etc.

Ver­i­fi­cada a legit­im­i­dade do instru­mento, não tem razão nen­huma para recusar sua uti­liza­ção. Claro que sem­pre se deve exam­i­nar com uma lupa para evi­tar quais­quer dúvi­das e prob­le­mas futuros.

Entre­tanto, não é razoável que a admin­is­tração pública seja par­al­isada por receio dos “tri­bunais da mídia”.

O gestor público pre­cisa ter a serenidade sufi­ciente para não ceder, em detri­mento do inter­esse da pop­u­lação, a um clima de insta­bil­i­dade externa cau­sado, na maio­ria das vezes por pes­soas que querem vender escân­da­los em troca de van­ta­gens inde­v­i­das ou por receio dos adver­sários.

A bal­iza da admin­is­tração pública é a lei, logo não é legí­timo que se deixe de uti­lizar dos mecan­is­mos legais com medo do que dirá o “tri­bunal da mídia” ou a pauta dos opos­i­tores.

Não se faz gestão pública com covar­dia ou com medo do que pode dizer a mídia ou os adver­sários. Se você tem medo de agir de con­formi­dade com a lei, temendo o que o adver­sário ou a mídia vão dizer (muitas das vezes para tirar alguma van­tagem, essa, sim, ile­gal), faz-​se necessário rever seus con­ceitos de admin­is­tração pública.

Essa ignorân­cia dos lim­ites da lei faz com que se deixe de fazer o que se deve, par­al­isando as admin­is­trações.

É necessário romper com essa ignorân­cia par­al­isante.

Por outro lado, tam­bém, é necessário que os órgãos de con­t­role respeitem seus lim­ites legais e parem de agir na “suposição” de que todo gestor público é sem­pre um crim­i­noso em poten­cial e passem a agir mais no sen­tido de ori­en­tar, aju­dar ou recomen­dar, sob pena de logo mais somente crim­i­nosos efe­tivos se dispon­ham a con­cor­rer a um cargo público.

O cidadão de bem não quer ficar sob o escrutínio público e dos órgãos de con­t­role de que tudo que faz possa ser tido ou “suposto” como um crime em anda­mento.

Um alerta der­radeiro: a crim­i­nal­iza­ção da gestão pública, feita direta ou indi­re­ta­mente, é o cam­inho mais curto para a sua destruição.

Abdon C. Mar­inho é advogado.