AbdonMarinho - O ocaso de uma história.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 27 de Abril de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O ocaso de uma história.


O ocaso de uma história.

Por Abdon C. Marinho.

A SEM­ANA ofer­e­cia diver­sos temas para a reflexão que cos­tu­mamos fazer: a escal­ada autoritária nos Esta­dos Unidos; a guerra na Ucrâ­nia; a per­sistên­cia do mas­sacre de palesti­nos em Gaza; a vida e a morte do Santo Padre Fran­cisco; o assalto aos vel­hin­hos e aposen­ta­dos no velho novo escân­dalo do INSS; até mesmo o 95º aniver­sário de Sarney.

Em meio a tan­tas hipóte­ses de reflexão sem­anal, eis que nos chega a notí­cia da dec­re­tação e prisão do ex-​presidente Col­lor de Mello para “roubar” a cena.

Não que seja motivo de rejú­bilo o infortúnio de quem quer que seja, longe disso, esse sen­ti­mento jamais car­reguei e espero nunca car­regar comigo.

A notí­cia da prisão do ex-​presidente, na ver­dade, rea­cen­deu as lem­branças daquele finalz­inho de anos oitenta com suas esper­anças e tur­bulên­cias.

Cheguei na Ilha em 1985, já naquele ano come­cei a par­tic­i­par ati­va­mente das ativi­dades políti­cas locais, a cri­ação dos grêmios estu­dan­tis, da UBES; em 1986 foi a vez da luta pela con­sti­tu­inte, que queríamos pop­u­lar e exclu­siva, mas que acabou sendo uma con­sti­tu­inte con­gres­sual.

Junto com o con­gresso con­sti­tu­inte foram eleitos os novos gov­er­nadores estad­u­ais que assumi­ram em 1987.

O Par­tido do Movi­mento Democrático Brasileiro — PMDB, que esteve em oposição ao régime mil­i­tar, foi o grande vence­dor do pleito de 1986, ele­gendo a maio­ria dos gov­er­nadores estad­u­ais, entre eles a “novi­dade” Col­lor de Mello.

O sen­hor Col­lor, nascido no Rio de Janeiro, era filho da tradi­cional oli­gar­quia brasileira. O seu pai era o senador da República, Arnon de Mello, da ARENA, que dava sus­ten­tação ao régime mil­i­tar. Assim, Col­lor, ainda ado­les­cente, pas­sou a inte­grar os quadros da ARENA.

Quando na esteira da aber­tura política, em 1979, esse “movi­mento” virou par­tido com o nome de PDS — Par­tido Democrático Social, lá estava o Col­lor, com 30 anos de idade, “gan­hando” a nomeação de prefeito de Maceió e do gov­er­nador do estado.

Esse cargo de prefeito ele ocupou até 1982, quando saiu para con­cor­rer e eleger-​se dep­utado fed­eral por Alagoas.

Em 1986, Col­lor, aprovei­tando a “onda” pró PMDB, deixou o PDS (que era a antiga ARENA onde filiou-​se na juven­tude arenista em 1966) para filiar-​se ao par­tido da moda e eleger-​se gov­er­nador de Alagoas.

Essa pes­soa com esse pas­sado público – pois o que se dizia de basti­dores era impub­licável –, ao assumir como gov­er­nador em março de 1987, ini­ciou uma política de aus­teri­dade na máquina pública, sobre­tudo, nos escalões mais altos onde os servi­dores tin­ham salários altís­si­mos.

Essa ini­cia­tiva, que não tinha nada de extra­ordinário, gan­hou corpo e a mídia ini­ci­ava ali a cri­ação do per­son­agem “caçador de mara­jás”.

Em ape­nas dois anos con­struíram um per­son­agem que era o oposto ao seu “dono”: o per­son­agem “caçador do mara­jás” era a antítese de tudo aquilo que Col­lor era na real­i­dade.

Alguém que apoiou a ditadura, que tirou todos os proveitos políti­cos e finan­ceiros disso, cul­mi­nando com o império de comu­ni­cação afil­i­ado à “Rede Globo” e o “pre­sente” cargo de prefeito de Maceió.

Ainda ado­les­cente, mas muito estu­dioso de história, eu cus­tava a acred­i­tar naquilo que estava acon­te­cendo. Quando dis­seram que Col­lor seria can­didato à Presidên­cia da República, eu não acred­itei, achava absurdo que alguém com aquele pas­sado chegasse a tamanha ousa­dia.

Assis­tia per­plexo à con­strução de um “falso mito”, parte da pop­u­lação brasileira estava “mes­mer­izada”, hip­no­ti­zada pelo per­son­agem que qual­quer pes­soa tivesse pas­sado perto do bom senso e de um livro de história sabia que não era ver­dade.

Acho que Col­lor foi o nosso primeiro caso de “falso” out­side.

Em ape­nas dois anos (1987 a 1989) ele foi “con­struído” como per­son­agem prin­ci­pal da República em um papel que não era dele.

E esse per­son­agem con­quis­tou o coração do povo brasileiro. Naquela época víamos pes­soas de todas as idades e extratos soci­ais defend­endo o Col­lor.

Essa defesa dele tornou-​se ainda mais acen­tu­ada quando ele deixou o PMDB para o minús­culo PRN e pas­sou a com­bater o gov­erno do par­tido onde esteve fil­i­ado até então.

Aqui abro espaço para uma iro­nia do des­tino. Col­lor can­didato em 1989, durante toda a cam­panha eleitoral, propalava (aliás, o per­son­agem propalava) que uma das primeiras coisas que faria ao chegar na presidên­cia seria pren­der o pres­i­dente da República de então, o nosso con­ter­râ­neo José Sar­ney.

A iro­nia, que não sei se alguém perce­beu, é que a ordem de prisão con­tra ele saiu (e foi cumprida) jus­ta­mente no dia do aniver­sário de 95 anos de Sar­ney, que fes­te­java cer­cado de ami­gos, ali­a­dos, novos ali­a­dos e adu­ladores, sem nunca ter sido fusti­gado ou sofrido maiores abor­rec­i­men­tos com a Justiça brasileira. Mas isso não foi por culpa dele.

Em 1989 tín­hamos nomes, quadros políti­cos dis­putando aquela que era a primeira eleição direta após a ditadura: Aure­liano Chaves, que foi gov­er­nador de Minas Gerais e vice-​presidente da República no gov­erno Figueiredo; Leonel Brizola, que fora gov­er­nador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro; Ulysses Guimarães, dep­utado fed­eral que desde sem­pre foi uma voz con­trária à ditadura; Mário Covas, que foi gov­er­nador de São Paulo; Paulo Maluf, que foi gov­er­nador de São Paulo; Fer­nando Col­lor, ex-​governador de Alagoas; Luiz Iná­cio Lula da Silva, sindi­cal­ista, e ainda out­ros.

Quem pas­sou para o segundo turno foram Lula e Col­lor.

No segundo turno, emb­ora a difer­ença tenha sido de pouco mais de 4 mil­hões de votos (35 mil­hões a 31 mil­hões), Col­lor gan­hou prati­ca­mente em todos os esta­dos da fed­er­ação, exceto no Rio Grande do Sul, Per­nam­buco e no Dis­trito Fed­eral.

Em março de 1990, Sar­ney pas­sou a faixa para Col­lor, tudo dev­i­da­mente nego­ci­ado por conta das reit­er­adas ameaças de prisão, e o primeiro pres­i­dente eleito após a rede­moc­ra­ti­za­ção assumiu o mandato.

O pres­i­dente assumiu não como Col­lor, mas como um per­son­agem cri­ado num espaço de pouco mais de dois anos. Tanto assim que uma das primeiras medi­das do gov­erno foi “con­fis­car todos os ativos finan­ceiros” dos cidadãos e empre­sas.

Exceto para uma casta da sociedade, sem­pre munida de boas infor­mações, todos os sal­dos bancários acima de 50 mil cruza­dos novos foram con­fis­ca­dos pelo Plano Col­lor, que tinha por meta esta­bi­lizar a inflação que naque­les dias chegava a 80, 90 por cento ao mês.

Narra a história que medida tão drás­tica gan­hou de Fidel Cas­tro, então dita­dor cubano de plan­tão, que viera a posse, o seguinte comen­tário: “O Brasil imple­men­tou o social­ismo antes de Cuba”.

Mesmo com isso, Col­lor con­tin­uou a con­tar com o apoio de muitos brasileiros. Muitos não que­riam acred­i­tar que tin­ham eleito um per­son­agem.

As coisas começaram a “azedar” ape­nas quando seu irmão caçula denun­ciou que o gov­erno dele era uma farsa calçada na cor­rupção coman­dada por Paulo César Farias, o PC.

Mesmo após essa denún­cia, vivendo no per­son­agem, Col­lor chamou o povo para ir às ruas de verde-​amarelo para demon­strar apoio a ele. O que se viu no dia da suposta man­i­fes­tação foi o povo vestido de luto, em protesto.

O resto da história todos sabe­mos: Col­lor foi o primeiro pres­i­dente eleito da nova república e o primeiro a sofrer processo de impeach­ment. Durante seu gov­erno nem tudo foram espin­hos, tive­mos ini­cia­ti­vas para aber­tura do mer­cado brasileiro, para ino­vação tec­nológ­ica, algu­mas ini­cia­ti­vas de preser­vação ambi­en­tal, etc.

Depois de cumprir o prazo de ineleg­i­bil­i­dade, Col­lor voltou à política, tendo sido eleito duas vezes senador pelo estado de Alagoas, encer­rando o mandato em 2022, quando perdeu a eleição de gov­er­nador.

O irmão de Col­lor, Pedro, que foi um dos respon­sáveis pela der­ro­cada da “República de Alagoas”, antes de mor­rer, em 1994, foi co-​autor do livro “A tra­jetória de um farsante”.

Enquanto escrevo esse texto, leio que o ex-​presidente Col­lor encontra-​se preso na ala espe­cial do presí­dio de Maceió, enquanto seus advo­ga­dos ten­tam transferi-​lo para prisão domi­cil­iar, ale­gando prob­le­mas de saúde que o acome­tem.

Um dos argu­men­tos dos causídi­cos é que o ex-​presidente tem, entre out­ros, transtornos de bipo­lar­i­dade.

Não sei se pre­cis­aram de laudo para isso, na ver­dade trata-​se, se ver­dade, de um laudo tar­dio. Desde 1987, mais ainda a par­tir de 1989, que olho para ele e detecto visual­mente que sofre desse e de out­ros transtornos, sem­pre exis­tiu esse con­flito entre a pes­soa real e o per­son­agem.

Na história da política brasileira, o ex-​presidente é um per­son­agem que merece ser estu­dado, pois chega a ser impres­sio­n­ante como con­seguiu enga­nar tan­tos por tanto tempo.

A prova maior disso é que hoje Col­lor encontra-​se cumprindo pena não pelos atos de cor­rupção prat­i­ca­dos no seu curto gov­erno (1990÷1992), mas pelas cor­rupções que prati­cou no gov­erno do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, aquele mesmo par­tido que perdeu a eleição para ele em 1989.

Essa é mais uma iro­nia da história brasileira.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.