AbdonMarinho - Sobre ladrões de velhinhos e outros males.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 20 de Maio de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Sobre ladrões de vel­hin­hos e out­ros males.


Sobre ladrões de vel­hin­hos e out­ros males.

Por Abdon C. Marinho.

UM SAUDOSO amigo dizia-​me, lá pelos primór­dios da minha car­reira acadêmica, que o que sep­ara as civ­i­liza­ções – ou as nações civ­i­lizadas – da bar­barie é a pre­v­idên­cia social. É dizer, aquilo que os gov­er­nos dos países fazem por sua pop­u­lação idosa, defi­ciente, neces­si­tada, etc.

Nesse que­sito o Brasil deve pouco ou nada a qual­quer outra nação do mundo. Ainda com a falta de con­t­role que per­mite inúmeras fraudes nas con­cessões de bene­fí­cios enquanto out­ros penam para serem aten­di­dos em seus dire­itos, podemos dizer que pos­suí­mos uma pre­v­idên­cia social sat­is­fatória – e, elim­i­nadas as fraudes –, poder-​se-​ia garan­tir aposen­ta­do­rias mel­hores aque­les cidadãos que, efe­ti­va­mente, têm dire­ito a ela.

A pre­v­idên­cia social, a assistên­cia social e as polit­i­cas de saúde, con­sol­i­dadas no Sis­tema Único de Saúde — SUS, esta­b­ele­ci­das e garan­ti­das pela Carta Con­sti­tu­cional de 1988, colo­cam o Brasil em condições de igual­dade senão de supe­ri­or­i­dade em relação a muitas out­ras nações.

Essas con­quis­tas esta­b­ele­ci­das na própria Con­sti­tu­ição – e isso tam­bém motivo de orgulho –, pre­cisam ser preser­vadas e for­t­ale­ci­das como traços de civil­i­dade capazes de superar o “com­plexo de vira-​lata” tão latentes em alguns de cidadãos.

Não fosse o SUS, a pre­v­idên­cia e a assistên­cia social muitos brasileiros não teriam garan­ti­dos dire­itos bási­cos e sequer exi­s­tiríamos como pro­jeto de nação.

Cediço que os órgãos de con­t­role externo e interno devem man­ter a per­ma­nente vig­ilân­cia para evi­tar fraudes e desvios.

É nesse con­texto que se reveste de gravi­dade ímpar a rev­e­lação de que, há quase uma década, parte da aposen­ta­do­ria e dos bene­fí­cios de aposen­ta­dos, pen­sion­istas os de ben­efi­ciários de assistên­cia social estavam sendo desvi­a­dos.

A modal­i­dade de golpe é aquela que nasceu junto com a implan­tação dos sis­temas informa­ti­za­dos. Se não falha a memória, deter­mi­nado fun­cionário de um banco amer­i­cano que lidava bem com a infor­mática que acabava de nascer, começou a sub­trair cen­tavos das con­tas dos clientes.

O sis­tema ruiu quando um vel­hinho perce­beu a sub­tração em seu holerite e foi recla­mar as autori­dades que pas­saram a inves­ti­gar e desco­bri­ram que o “rato” vinha mor­dendo cen­tavos das con­tas de mil­hares ou de mil­hões de cidadãos.

Se não me falha a memória essa fraude ocor­rida lá na segunda metade do século pas­sado virou filme e acabou por influ­en­ciar a fraude nas aposen­tarias e pen­sões dos “vel­hin­hos” brasileiros.

Segundo rev­elou a apu­ração já repas­sada para a pat­uleia, enti­dades, se dizendo rep­re­sen­tar os aposen­ta­dos cel­e­bravam acordo de colab­o­ração téc­nica com a autar­quia fed­eral, INSS, para que o órgão retivesse das con­tas dos “vel­hin­hos” supostas con­tribuições por supostas assistên­cias que as mes­mas prestariam aos seus asso­ci­a­dos.

Ao que se sabe, aposen­ta­dos de cidades inteira, prin­ci­pal­mente do Nordeste, seriam asso­ci­a­dos de tais enti­dades e suposta­mente teriam dado autor­iza­ção para os descon­tos em seus holerites.

As infor­mações disponi­bi­lizadas para a pop­u­lação é que tais autor­iza­ções nunca exi­s­ti­ram e, se exi­s­ti­ram, foram vici­adas.

Doc­u­men­tos ofi­ci­ais rev­e­lam que as autori­dades do setor foram aler­tadas, ainda em 2023, dos descon­tos inde­v­i­dos nas con­tas dos vel­hin­hos, defi­cientes e demais desvali­dos, mas, ao invés de faz­erem algo para estancar a san­gria o que fiz­eram foi o oposto disso: aumentou-​se o número de enti­dades “assaltantes” de vel­hin­hos e os val­ores que eram descon­ta­dos nos seus holerites.

Inde­pen­den­te­mente do escân­dalo ter surgido em gov­er­nos ante­ri­ores, pouco impor­tará diante do fato de que as autori­dades foram ofi­cial­mente comu­ni­cadas do que acon­te­cia e nada fiz­eram – muito ao con­trário.

Acred­ito, tam­bém, que a reação do gov­erno é abso­lu­ta­mente equiv­o­cada. Se o seu desejo (do gov­erno) é atribuir a respon­s­abil­i­dade aos gov­er­nos ante­ri­ores, que ger­aram “tunga” nos proven­tos dos vel­hin­hos dev­e­ria ser o primeiro a incen­ti­var todos os tipos de inves­ti­gação. A Câmara dos Dep­uta­dos quer inves­ti­gar? Os inte­grantes da base gov­ernista dev­e­riam ser os primeiros a assi­nar os pedi­dos de CPI. O Senado quer inves­ti­gar? Idem.

Ora, se querem fazer a pop­u­lação acred­i­tar que graças ao gov­erno revelou-​se tal escân­dalo, cred­i­tam o oposto quando ten­tam bar­rar as inves­ti­gações do Con­gresso Nacional.

Imag­ino – só imag­ino –, que o gov­erno não se deu conta dos efeitos do escân­dalo em tela na imagem do gov­erno.

É dizer: ainda que muitos ten­ham por “nor­mal” os desvios de ver­bas públi­cas – ainda que em maior pro­porção –, o alcance de tro­ca­dos nas con­tas de vel­hin­hos, defi­cientes e demais desvali­dos soa como uma agressão pes­soal a cada um cidadão.

Em cada família, sobre­tudo as mais vul­neráveis, algum dos seus mem­bros foi “tun­gado” sem que o gov­erno fizesse nada – mesmo sabendo.

Trata-​se de algo muito grave. Os cidadãos indig­na­dos não con­seguem dis­tin­guir que quem sabia era só o min­istro da pasta já exon­er­ado, o pres­i­dente da autar­quia já exon­er­ado. O cidadão entende que a respon­s­abil­i­dade é do atual gov­erno. Ainda mais que os mem­bros do atual gov­erno, em grande maio­ria, tem origem sindi­cal, um dos focos da roubal­heira.

Acred­ito que o gov­erno só con­seguirá “sair das cor­das” se apre­sen­tar resul­ta­dos de inves­ti­gação rápi­dos e con­vin­centes sobre o que ocor­reu. Em out­ras palavras: ver­i­ficar onde foi parar cada cen­tavo desvi­ado dos segu­ra­dos do INSS. E, mais impor­tante, fazer com que devolvam o “mal havido”, sem pre­juízo das com­pe­tentes ações penais.

O que veio a público no INSS não é difer­ente do acon­tece com mil­hões de out­ros vel­hin­hos e defi­cientes que vendo explo­rados há nos golpes dos fal­sos emprés­ti­mos suposta­mente real­iza­dos jun­tos a ban­cos públi­cos e/​ou pri­va­dos. Nesse caso, o sofri­mento dessas víti­mas é ainda maior pois percebem que as insti­tu­ições fazem emprés­ti­mos fal­sos em seus nomes quando, se fos­sem elas não con­seguiriam de forma alguma. O drama se torna maior quando bus­cam a Justiça e essa demora “sécu­los” para ofer­e­cer uma solução, isso quando não tratam as víti­mas como cul­padas.

Rara­mente temos algum aposen­tado ou mesmo tra­bal­hador do setor público ou pri­vado que não esteja sendo vítima de emprés­ti­mos abu­sivos ou mesmo fal­sos. Assim como os vel­hin­hos víti­mas das quadrilhas do esquema do INSS, muitos deles sequer se dão conta ou tem dis­posição para bus­car seus dire­itos.

O que o gov­erno e demais autori­dades pre­cisam com­preen­der é que esta­mos diante de uma crise de cred­i­bil­i­dade de todo sis­tema – do prev­i­den­ciário e do sis­tema bancário nacional –, e que, se não fiz­erem algo, as con­se­quên­cias serão maiores e piores.

Abdon C. Mar­inho é advogado.