AbdonMarinho - UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 25 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UM DESPROPÓSITO DE HOMENAGEM.

UM DESPROPÓSITO DE HOM­E­NAGEM.
Por Abdon Mar­inho.
A COR­RENTE é das primeiras lem­branças que trago da infân­cia. A cor­rente da cole­to­ria.
Aos mais jovens abro um parên­tese para explicar que antiga­mente, em quase todos municí­pios do Maran­hão tinha uma Cole­to­ria com uma cor­rente na frente da estrada que obri­gava os cam­in­hões e out­ros veícu­los a pararem para que fosse ver­i­fi­cada o que trans­portavam e fazer o recol­hi­mento dos impos­tos.
Acho que o nome téc­nico dos fun­cionários eram fis­cais da fazenda, mas, para todos, eram ape­nas chama­dos de cole­tor.
Na Gonçalves Dias da minha infân­cia, a Cole­to­ria – que tinha como cole­tor o sen­hor Mar­cionilio Lopes, se me falha a memória –, ficava na entrada da cidade, nas prox­im­i­dades do cemitério munic­i­pal, mais ou menos em frente onde, depois con­struíram o depósito da Com­pan­hia Brasileira de Armazenagem ou, sim­ples­mente, CIBRAZEM, e as residên­cias dos seus fun­cionários – o primeiro con­domínio da cidade.
Pois bem, muitos anos depois, já advo­gado ini­ciando a car­reira, con­heci outro cole­tor, o sen­hor Joel dos San­tos, pai do meu sócio Wel­ger Freire.
Já vivendo a sabedo­ria out­onal da vida, seu Joel, como o chamava, cos­tu­mava dizer – e Wel­ger, vez por outra, tam­bém conta –, que em todos os anos em que foi cole­tor nunca entrou para fis­calizar um esta­b­elec­i­mento sem que não tenha encon­trado mais de uma irreg­u­lar­i­dade.
Faço essa breve digressão para entrar no assunto pro­pri­a­mente dito e que me trouxe a lem­brança das palavras do saudoso Joel dos San­tos.
A imprensa notí­cia que o gov­er­nador do Maran­hão, por decisão do Con­selho dos Procu­radores do Min­istério Público Estad­ual, foi agra­ci­ado com a mais impor­tante comenda daquela insti­tu­ição, a medalha Celso Mag­a­l­hães.
Mais do que ao gov­er­nador, que ape­nas é uma peça na engrenagem da admin­is­tração, uma hom­e­nagem a todo o gov­erno pelos rel­e­vantes serviços presta­dos à causa da insti­tu­ição. Na ver­dade uma espé­cie de “ates­tado de hon­esti­dade” ao gov­er­nador e a seu gov­erno.
O Min­istério Público Estad­ual, con­trar­iando a lóg­ica e a exper­iên­cia do velho Joel, com a dita hom­e­nagem atesta que o atual gov­erno é um pri­mor de hon­esti­dade a não mere­cer reparos. Como se seu Joel olhasse ape­nas a fachada do esta­b­elec­i­mento e já fosse carim­bando a “reg­u­lar­i­dade”.
Não duvido que o gov­er­nador mereça, até porque faltam-​me ele­men­tos para dizer se o gov­erno é ou não hon­esto. Até porque tempo não me sobra para acom­pan­har suas ações, vigiar os diários ou inves­ti­gar a ver­dade dos muitos boatos que ouvi­mos.
Isso é papel dos órgãos de con­t­role, dos par­tidos de oposição e dos políti­cos que dis­putarão a prefer­ên­cia do eleitorado logo mais. Entre­tanto é fato que a oposição tem denun­ci­ado uma série de “malfeitos” da atual gestão, bem como não se pode olvi­dar que a Polí­cia Fed­eral, por três vezes – tal como Pedro negou Cristo –, já aman­heceu “na porta” do atual gov­erno cobrando expli­cações diver­sas.
Mas, ainda que nada disso tivesse ocor­rido, nem mesmo os reclames dos opos­i­tores, entendo que o Min­istério Público pos­sui uma rel­e­vante mis­são Con­sti­tu­cional que torna incom­patível com esse tipo de pro­ceder.
A con­vicção do equívoco se acen­tua, quando, segundo diver­sos meios de comu­ni­cação, além da hon­raria con­ce­dida ao gov­er­nador, o que mais viu foram suas excelên­cias, Procu­radores de Justiça, em cenas de “tietagem” explícita em relação ao chefe do Poder Exec­u­tivo estad­ual. Não estava lá, talvez seja ape­nas a maledicên­cia dos opos­i­tores.
Noutra quadra, acred­ito que suas excelên­cias não aten­taram para as con­se­quên­cias da delib­er­ação que tomaram.
Ainda que digam que o fato de con­ced­erem a tal hon­raria não os impe­dem do pleno exer­cí­cio de suas atribuições, decerto que não é assim que os opos­i­tores ou mesmo o cidadão comum vão enten­der.
Outro dia publiquei um texto onde aler­tava para o incô­modo silên­cio do Min­istério Público Estad­ual em face das diver­sas oper­ações da Polí­cia Fed­eral no estado. Pul­ulavam as infor­mações de desvios, pes­soas pre­sas, etcetera, e nada se ouvia do fis­cal da lei, nem mesmo de uma declar­ação pro­to­co­lar a pat­uleia tomou con­hec­i­mento.
Se eu – que nada tenho con­tra ou a favor ao gov­erno –, não entendi o silên­cio, o que dizer dos opos­i­tores ou mesmo dos cidadãos comuns que têm mal­querenças ou deman­das con­tra o gov­erno ou o gov­er­nador? Como enten­der que o MPE, tenha, prati­ca­mente, con­ce­dido um “ates­tado de hon­esti­dade” a atual gestão?
Claro, poderão dizer não ates­taram hon­esti­dade de ninguém ou, ainda, que não é nada disso, entre­tanto, tal hom­e­nagem não com­por­tava, excelên­cias, sobre­tudo, agora, em pleno ano de eleições gerais.
Será que não aten­taram para a pos­si­bil­i­dade de algum “mar­queteiro” ter a infe­liz “ideia” de usar a tal medalha como instru­mento de pro­pa­ganda eleitoral dizendo que o Min­istério Público “atestou” a hon­esti­dade do gov­er­nador e que por isso o mesmo deve ser reeleito? Já pen­saram no tra­balho que será des­men­tir tal coisa? E como fica a lisura do pleito?
Não duvi­dem que isso ocorra. Mesmo que não seja feito “ofi­cial­mente” pela cam­panha, será feito por algum dos diver­sos blogueiros e/​ou jor­nal­is­tas à soldo das cam­pan­has ou sim­ples­mente sim­pa­ti­zantes. E ainda usarão as ima­gens com as cenas de “tietagem” – se é que estas ocor­reram.
A maior pre­ocu­pação de quem fará a eleição deste ano será com a dis­sem­i­nação de notí­cias fal­sas, destor­ci­das ou que não cor­re­spon­dem a total­i­dade da ver­dade. Sabe­mos que serão muitas. Os pré-​candidatos já preparam seus “exérci­tos” para ocu­parem as redes soci­ais e dis­sem­inarem loas a si e apon­tar os defeitos dos adver­sários.
Essa pre­ocu­pação que é geral dev­e­ria cobrar maior dis­crição das insti­tu­ições e não o con­trário.
Noutras palavras, inad­ver­tida­mente, suas excelên­cias, levaram o Min­istério Público Estad­ual para den­tro dis­puta eleitoral com todas suas nefas­tas con­se­quên­cias.
Um enorme passo atrás.
O Min­istério Público, a par­tir da Carta de 1988, só não gan­hou o nome de “poder”, mas é, efe­ti­va­mente, um poder. Ele sabe disso e usa suas pre­rrog­a­ti­vas com tanta ênfase que já há, inclu­sive, quem réclame dos seus exces­sos e intro­mis­sões noutras esferas admin­is­tra­ti­vas.
Quase trinta anos depois, com o Min­istério Público, com as atribuições e inde­pendên­cia con­sol­i­dadas, o despropósito da hom­e­nagem, parece-​nos, um ponto fora da curva, uma espé­cie de provin­cian­ismo tar­dio daque­les que, pen­sá­va­mos, tinha ficado no pas­sado.
Até porque, nas mais diver­sas comar­cas temos visto o órgão min­is­te­r­ial extrema­mente atu­ante, por vezes – como ante­ri­or­mente dito –, quase extrap­olando de suas atribuições e invadindo as funções de quem foi legit­i­ma­mente eleitos pelo povo – que é o deten­tor do poder orig­inário.
E é este zelo que tem valido ao MPE o recon­hec­i­mento como o mais atu­ante do país no com­bate à cor­rupção, título este, aliás, can­tado em prosa e verso e fes­te­jado por onde se passa.
Por isso mesmo, uma dis­tinção ofer­tada a quem deva ser objeto das atribuições não deixa de causar assom­bro às pes­soas sen­sa­tas.
Onde já viu prestar hom­e­nagem ou distribuir-​se comen­das aque­les que nada mais fazem que cumprirem com seu dever? Será que, dora­vante, os gestores munic­i­pais que cumprirem seu dever tam­bém serão agra­ci­a­dos? O MPE pre­tende criar um selo de qual­i­dade admin­is­tra­tiva? Os pre­sos com bom com­por­ta­mento tam­bém recla­marão o recon­hec­i­mento do órgão acu­sador? Farão jus à comen­das?
Um amigo, em pas­sagem por Lis­boa, Por­tu­gal, con­tou aos nos­sos patrí­cios sobre a tal hom­e­nagem prestada pelo Min­istério Público ao chefe do Poder Exec­u­tivo maran­hense e eles não acred­i­taram, pen­saram tratar-​se de uma piada de brasileiro.
Tal qual ocor­ria no pas­sado, quando suas excelên­cias não viam nada demais em com­pare­cerem até em inau­gu­rações de obras públi­cas para deitarem aplau­sos e elo­gios às autori­dades, a atual hom­e­nagem revela-​se fora de con­texto, como uma ode ao provin­cian­ismo.
Deve­mos recon­hecer, entre­tanto, que já foi bem pior.
Por estas pla­gas, já foram mais comuns os con­vescotes em hotéis de luxo ou man­sões, onde todos se encon­travam para se con­frat­er­nizar e fes­te­jar – mag­istra­dos, mem­bros do min­istério público, empresários, políti­cos, advo­ga­dos, etc. –, quando muitas vezes, nos dias pos­te­ri­ores, estes mes­mos con­vi­vas eram clientes uns dos out­ros: jul­gadores e réus.
Para aumen­tar o provin­cian­ismo – e a falta de com­pos­tura –, ou rev­e­lar a falta de con­strang­i­mento, ainda posavam para fotos que sairiam nas col­u­nas soci­ais de domingo ou durante a sem­ana.
O saudoso jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues não cansava de me inda­gar sobre tais exo­tismos: — Abdon, esse povo não fica con­strangido, de ficarem todos jun­tos e mis­tu­ra­dos e nos dias seguintes estarem dis­putando inter­esses diver­gentes? Ou ainda: — Abdon, que hora mesmo esse povo tra­balha, ler ou estuda, se não nos cansamos de vê-​los dia sim e no outro tam­bém, em fes­tas e fes­tas?
Ainda bem que estas, são coisas que ficaram no pas­sado, pelo menos já esta­mos longe do que era. Vez por outra é que apare­cem algu­mas recaí­das, tais como estas da hom­e­nagem e tietagem fora de propósito.
Abdon Mar­inho é advogado.