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O AMBI­ENTE IDEOLÓGICO.

Escrito por Abdon Mar­inho


O AMBI­ENTE IDEOLÓGICO.

Por Abdon Mar­inho.

O LEITOR já deve ter perce­bido que tudo no Brasil se tornou motivo para explo­ração política dos lados que se engalfin­ham na guerra de poder.

Quando se fala “tudo” é na acepção mais ampla da palavra. Como numa guerra, não há espaço que não esteja em dis­puta ou trincheira que não seja suscetível à con­quista.

Disputa-​se tudo, até aquilo que dev­e­ria ser motivo de con­vergên­cia – se hou­vesse alguma con­vergên­cia no país.

Nesta “guerra”, prin­ci­pal­mente, de vaidades, o que menos inter­essa é a ver­dade ou o bem-​estar da sociedade, que não passa de plateia. Como na antiga brin­cadeira de cabo de guerra, um lado só estará sat­is­feito com a queda do outro, sem, entre­tanto, o aspecto lúdico de out­rora.

Outro dia um amigo chamou minha atenção para a polêmica em torno da questão ambiental.

Na linha do que muitos dizem, não estaria havendo a mesma mobi­liza­ção das infini­tas insti­tu­ições e enti­dades de defesa do meio ambi­ente que hou­vera pouco antes, por conta dos incên­dios na Amazô­nia, agora, por conta do der­rame de óleo no litoral brasileiro atingindo a vida mar­inha e toda a costa nordes­tina.

Com efeito, por ocasião dos incên­dios na Amazô­nia, autori­dades do mundo inteiro se man­i­fes­taram cobrando solução para o prob­lema, chegando, inclu­sive, a sug­erirem uma “inter­venção” no ter­ritório brasileiro ou que a flo­resta amazônica deix­asse de ser con­sid­er­ada parte inte­grante do ter­ritório nacional.

O gov­erno brasileiro pas­sou a ser tratado como um pária entre as nações civ­i­lizadas.

As enti­dades ambi­en­tal­is­tas do mundo inteiro pas­saram a atribuir ao gov­erno a respon­s­abil­i­dade direta pelos crimes ambi­en­tais que estariam ocor­rendo como estraté­gia para destru­ição e explo­ração da flo­resta amazônica, como se os próprios inte­grantes do gov­erno estivessem com as tochas nas mãos colo­cando fogo nas árvores.

Mesmo agora, após pas­sado o ápice do prob­lema, gov­er­nadores da região, entre os quais o do Maran­hão, que há muito tempo deixou que destruíssem suas flo­restas, foram lit­eral­mente “recla­mar ao Papa” sobre os pos­síveis “maus tratos” impos­tos pelo gov­erno fed­eral a flo­resta amazônica.

Con­forme assen­tei naquela opor­tu­nidade, o gov­erno Bol­sonaro teve sua parcela de respon­s­abil­i­dade pelos incên­dios ocor­ri­dos, sobre­tudo, pelo dis­curso incon­se­quente de que deve­mos explo­rar as riquezas da flo­resta amazônica a todo custo, o que “abriu” opor­tu­nidade aos esper­tal­hões que há anos grilam ter­ras e explo­ram a flo­resta a se sen­tirem con­fortáveis para, inclu­sive, pro­moverem um “dia de fogo”, como ficou con­statado nas inves­ti­gações.

Outra, o gov­erno reagiu mal e fora do tom ao que estava acon­te­cendo no período, colo­cando a culpa no carteiro em detri­mento ao con­teúdo da carta.

O prob­lema não era a divul­gação das queimadas crim­i­nosas e sim as queimadas em si.

O fato de agora o Insti­tuto Nacional de Pesquisas Espa­ci­ais — INPE, infor­mar que o mês de out­ubro apre­sen­tou o menor número de focos de incên­dio em vinte e um anos não elide os pre­juí­zos oca­sion­a­dos pelos incên­dios que ainda estão ocor­rendo (ape­sar de serem os menores no espaço-​tempo), assim como os que ocor­reram ante­ri­or­mente.

Como já disse: a flo­resta amazônica “encolhe” a cada ano sendo justa a pre­ocu­pação dos cidadãos brasileiros e estrangeiros com o seu futuro.

Pois bem, enquanto a flo­resta ardia (e ainda arde), um outro desas­tre ambi­en­tal se desen­rolava: o der­ra­ma­mento de toneladas de óleo cru na costa brasileira afe­tando a total­i­dade dos esta­dos do Nordeste.

Ape­sar da gravi­dade do dano ambi­en­tal aos diver­sos ecos­sis­temas mar­in­hos, aos mangues, onde se repro­duzem mil­hares de espé­cies e, mesmo, ao sus­tento de mil­hões de cidadãos, não vimos os protestos de enti­dades e ambi­en­tal­is­tas que “entraram em guerra”, quando das queimadas na Amazô­nia.

Assim como o gov­erno Bol­sonaro, no episó­dio da queimada da flo­resta, os protestos dos balu­artes do ambi­en­tal­ismo só foram apare­cer para criticar a demora do gov­erno na ação de com­bate ao óleo que inva­dia as pra­ias, os estuários dos rios e os manguezais.

Emude­ce­ram em relação a apu­ração das respon­s­abil­i­dades e se o der­ra­ma­mento de óleo acon­te­ceu aci­den­tal­mente ou se fora o crime cometido delib­er­ada­mente con­tra o Brasil, sobre­tudo, quando rev­e­lado, por dados cien­tí­fi­cos, que o óleo que apare­cia (e aparece) aos bor­botões tinha origem venezue­lana.

Ape­nas agora, mais de noventa dias depois da data ini­cial do desas­tre ambi­en­tal, ocor­rido a 700 km da costa da Paraíba, aponta-​se como prin­ci­pal sus­peito de ter efe­t­u­ado o der­ra­ma­mento de óleo uma embar­cação de ban­deira grega que fora car­regada na Venezuela com des­tino à Malásia.

Com a embar­cação iden­ti­fi­cada resta saber se foi aci­den­tal ou crim­i­noso o der­ra­ma­mento de óleo e as razões para não darem o alarme do aci­dente – como remen­dado –, no sen­tido de pre­venir ou mino­rar os danos a par­tir da adoção do Plano Nacional de Con­tingên­cia – PNC.

Ape­sar do que temos até aqui rev­e­lado ser estar­rece­dor, impera o mutismo sele­tivo de enti­dades ambi­en­tal­is­tas e de gov­er­nos em relação ao acontecido.

Para começar o próprio navio respon­sável pelo “aci­dente” dev­e­ria ter se repor­tado às autori­dades navais avisando do acon­te­cido. Depois, quando con­statado que se tratava de óleo de origem venezue­lana aquele país dev­e­ria ter se ofer­e­cido para aju­dar, infor­mando que embar­cações naquele período tin­ham sido car­regadas com aquele tipo de óleo.

Ambos preferi­ram o silên­cio. Por quais razões?

As descober­tas até aqui se deram graças aos esforços do gov­erno brasileiro, empresa, enti­dades e gov­er­nos estrangeiros que não aque­les que pode­riam e dev­e­riam ter aju­dado na alu­ci­nação dos fatos.

Vejam que mesmo cidadãos e enti­dades brasileiras, ditos defen­sores do meio ambi­ente, quando con­fronta­dos com a infor­mação de o óleo que chegava às pra­ias era ori­undo da Venezuela fiz­eram pouco caso ou con­tes­taram a infor­mação téc­nica numa nar­ra­tiva pura­mente ide­ológ­ica, que, aliás, per­manece até agora.

Para estes, a culpa pelo der­ra­ma­mento do óleo na costa do Nordeste é do gov­erno brasileiro – que, como em tudo que faz, é ata­bal­hoado –, e não daque­les que, efe­ti­va­mente, der­ra­ma­ram (por aci­dente ou de forma proposi­tal o óleo) e não repor­taram as autori­dades; ou do gov­erno venezue­lano que depois de saber a origem do pro­duto, nada fez para aju­dar na iden­ti­fi­cação dos respon­sáveis.

O certo é mil­hões de cidadãos brasileiros já estão pagando um preço ele­vado por um desas­tre ambi­en­tal enquanto a classe política nacional e a elas se agre­gando enti­dades de diver­sos matizes que se dizem defen­so­ras do meio ambi­ente pati­nam nas suas nar­ra­ti­vas ide­ológ­i­cas.

Onde ire­mos parar com tudo isso? Qual o futuro do país quando os inter­esses pes­soais ou das ide­olo­gias se sobrepõem aos inter­esses nacionais?

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

Escrito por Abdon Mar­inho

A JUSTIÇA DOS POBRES E A JUSTIÇA DOS RICOS.

Por Abdon Mar­inho.

EM MEA­DOS de 2018, durante uma de min­has via­gens pelo inte­rior, fui procu­rado por um amigo. Que­ria que inter­cedesse por uma família que fora presa pre­ven­ti­va­mente, em um con­flito agrário, acu­sada de ameaçar os inva­sores da terra. Alguns habeas cor­pus já tin­ham sido avi­a­dos, porém, ainda, sem êxito.

Ape­sar de não ser nossa área de atu­ação e pouca famil­iari­dade ter­mos com matéria penal, solicitei que um dos meus sócios fizesse um novo HC que iria falar com o desem­bar­gador. Assim foi feito e dias depois a família estava solta.

Pas­sou pouco mais de dois meses (no máx­imo três) quando fui nova­mente procu­rado com o mesmo assunto. A Justiça, nova­mente, dec­re­tara a prisão de inte­grantes da família sob a acusação de que eles estariam ameaçando os supos­tos inva­sores das ter­ras. Nova­mente tive­mos que per­cor­rer um longo cam­inho para con­seguir soltar os cidadãos pre­sos por ameaça. Vitória só obtida no Tri­bunal de Justiça através do voto da maio­ria dos mem­bros da Câmara Criminal.

O crime de ameaça de que trata o artigo 147 do Código Penal, objeto da prisão daque­les cidadãos, esta­b­elece pena de detenção de um a seis meses, ou multa.

Con­tado o tempo em pas­saram pre­sos – nas duas vezes –, cumpri­ram mais que a pena máx­ima esta­b­ele­cida no tipo penal.

Cumpre obser­var que cumpri­ram todo esse tempo de prisão sem serem ouvi­dos ou estado na pre­sença de um juiz de dire­ito, vez que não é obri­gatória, nas comar­cas do inte­rior, a chamada audiên­cia de custó­dia.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, decidirá breve­mente sobre a con­sti­tu­cional­i­dade da prisão após o jul­ga­mento em segunda instân­cia.

Ainda, segundo dizem, o STF, escu­d­ado na inter­pre­tação lit­eral do inciso LVII do artigo 5º, da Con­sti­tu­ição Fed­eral, segundo o qual: “ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado de sen­tença penal con­de­natória;”, vetará a prisão a par­tir da con­de­nação em segunda instância.

Segundo soube, os mais notórios crim­i­nosos do país já estão con­fir­mando pre­sença nas fes­tas de final de ano e em out­ras pre­vis­tas para o primeiro semes­tre do ano que vem.

Trata-​se, por óbvio de uma impor­tante decisão, fun­dada em tese jurídica rel­e­vante, afi­nal, se à Con­sti­tu­ição diz que ninguém pode ser con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado da sen­tença penal con­de­natória, em tese, ninguém pode­ria ser preso até que se esgo­tassem todos os recur­sos nas der­radeiras instân­cias da Justiça.

Doutri­nar­i­a­mente até con­cordo com tal entendi­mento, con­forme já expres­sei em escritos ante­ri­ores. Entre­tanto, após muito refle­tir sobre o tema, me pus a pen­sar se este foi o norte traçado pelo con­sti­tu­inte orig­inário.

Quando pro­mul­gada em out­ubro de 1988 o pres­i­dente da Assem­bleia Nacional Con­sti­tu­inte, Ulysses Guimarães, pon­tif­i­cou que aquela era uma Con­sti­tu­ição cidadã, des­ti­nada, por­tanto, a diminuir as imen­sas desigual­dades soci­ais exis­tentes no nosso país.

Nos últi­mos trinta e um anos, por diver­sas vezes, sendo a última em 2016, o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, exceto pelo inter­valo exis­tente entre 2009 a 2016, enten­deu que o cumpri­mento da pena a par­tir da con­fir­mação do decreto con­de­natório na segunda instân­cia não ofend­e­ria à Con­sti­tu­ição cidadã.

Na última decisão sobre o tema, em 2016, tanto o min­istro Gilmar Mendes quanto o min­istro Dias Tof­foli assen­taram que o Brasil, com aquele entendi­mento, se aprox­i­mava do mundo civ­i­lizado, uma vez que quase a total­i­dade das nações ado­tam o cumpri­mento da pena a par­tir da primeira ou da segunda instân­cia.

Emb­ora ressal­vando as mel­hores das intenções que os min­istros do STF têm, chega a ser per­tur­bador que em tão pouco tempo mudem de opinião sobre um assunto tão sério e com mon­u­men­tal impacto sobre a vida dos cidadãos brasileiros, ainda mais quando se sabe que exis­tem moti­vações sub­al­ter­nas numa mudança de entendi­mento na pre­sente quadra: garan­tir a liber­dade dos poderosos que foram apan­hados no curso das inves­ti­gações da Oper­ação Lava Jato.

Olhando mais de perto, sabe­mos que essa é “missa encomen­dada” para soltar o ex-​presidente Lula e diver­sos out­ros crim­i­nosos de “colar­inho branco”, que ficarão fora do alcance da lei pelo resto de suas vidas. Como um recado para a pat­uleia de que o crime com­pensa e que quanto maior o crime maior a rec­om­pensa.

Nos últi­mos anos o STF, ao se ocu­par de out­ros assun­tos que não os per­ti­nentes à sua pauta precípua: a guarda da Con­sti­tu­ição, tem ficado a dever à sociedade. Agora, ao insi­s­tir (caso venha acon­te­cer) em se tornar casa revi­sora de ações penais, ficará devendo muito mais. Não ape­nas porque não dará conta de jul­gar os recur­sos crim­i­nais que por lá apor­tarão como, tam­bém, por negar à sociedade uma punição célere e justa aos malfeitores.

Os exem­p­los estão aí, ainda à vista de todos. Basta lem­brar o caso de Pimenta Neves que matou a namorada pub­li­ca­mente é só foi cumprir a pena após mais de uma década depois do crime, quando aos famil­iares da vítima – os que ainda estavam vivos –, sequer inter­es­sava mais. Ou caso do ex-​senador Luiz Estevão que ficou, igual­mente, mais de uma década impune após ser con­de­nado por fraudes e este­lion­atos diver­sos em todas as instân­cias da justiça e ficou poster­gando com dezenas de recur­sos.

E o que dizer do notório Paulo Maluf, que de tanto fazer malfeitos, até virou verbo, ainda na primeira metade dos anos oitenta, o verbo mal­u­far, e que só foi con­hecer as dependên­cias inter­nas de uma cela, e por curto período, no ano passado?

O Supremo, segundo a bolsa de apos­tas, tra­balha para trans­for­mar a impunidade em regra para aque­les que pud­erem pagar bons advo­ga­dos, inde­pen­dente de serem traf­i­cantes, latro­ci­das, cor­rup­tos, ladrões do din­heiro público.

Para estes as por­tas das cadeias serão giratórias.

Segundo dados do Con­selho Nacional de Justiça – CNJ, a pop­u­lação carcerária do país já pos­sui cerca de 730 mil pre­sos. Destes, quase a metade é com­posta de pre­sos pro­visórios, ou seja, de pre­sos que não foram jul­ga­dos ainda, cujo proces­sos se arras­tam por meses, por anos e, já tive­mos casos de, por décadas.

Como é pos­sível con­sid­erar ético ou moral­mente jus­ti­ficável que se man­tenha a prisão – até por anos –, de pes­soas que nunca foram jul­gadas ou con­de­nadas e que, até mesmo, nunca foram ouvi­das por um juiz, e man­dar soltar pre­sos que já foram jul­ga­dos e con­de­na­dos, por uma, duas, três ou mesmo qua­tro instân­cias – no caso dos diver­sos recur­sos exis­tentes no âmbito do STF?

A solução será soltar todos os encar­cer­a­dos cuja penas não ten­ham tran­si­tado e jul­gado? O que fazer com mil­hares de pre­sos pro­visórios?

Se é injusto que se mande à cadeia alguém que já foi con­de­nado por uma, duas, três, qua­tro instân­cias, mas que ainda não tenha ocor­rido o trân­sito em jul­gado, o que dizer da situ­ação daque­les que nunca foram jul­ga­dos uma única vez e estão encarcerados?

Alguma coisa está fora de ordem quando a justiça passa enten­der que uma prisão pro­visória garante mais a ordem pública que uma sen­tença con­de­natória.

Arrisco dizer que o STF poderá está con­duzindo o país àquela situ­ação em que o cidadão será com­pelido a fazer justiça com as próprias mãos.

Quem vai se con­for­mar e ter que ficar olhando para um cidadão que ceifou a vida de um filho, um irmão ou um par­ente seu por anos a fio enquanto não “tran­sita em jul­gado” todos recur­sos pos­síveis e imag­ináveis de serem ten­ta­dos? Quem vai se con­for­mar em ter que con­viver – ou em saber –, que os fascíno­ras que invadi­ram sua casa, lhe roubaram, estupraram sua filha e/​ou esposa ficarão soltos e rindo da sua cara? Como se man­ter pací­fico diante de uma justiça que obri­ga­to­ri­a­mente terá que tar­dar e quase sem­pre fal­har?

Não foi bem enten­dido o alerta que fez o gen­eral Vilas-​Boas sobre as con­se­quên­cias desas­trosas que poderão advir de uma decisão política do STF, pau­tada nos próprios inter­esses e sem aten­tar para a gravi­dade os des­do­bra­men­tos. O gen­eral não tem condições, sequer físi­cas, de ameaçar ninguém, como ten­taram fazer crer e como alguns idio­tas difundi­ram. Não vi o que disse, ou escreveu, como uma ameaça mas, sim, como um sen­ti­mento das ruas que já não tol­eram tanta impunidade e ban­dalha.

O que se desenha é uma justiça para os ricos e outra para os pobres?

Abdon Mar­inho é advo­gado.

Carta a Wal­ter Rodrigues — Tem­pos Sombrios.

Escrito por Abdon Mar­inho

CARTA A WAL­TER RODRIGUESTEM­POS SOMBRIOS.

São José de Riba­mar, 16 de out­ubro de 2019.

Meu carís­simo Walter,

NESTE DIA, em que pelo cal­endário comum estarias com­ple­tando 70 anos, resolvi escrever-​te mais uma vez. Já faz muito tempo desde quando expus a ti min­has ideias sobre o momento político brasileiro e maran­hense.

Dev­eras que fazes muita falta na análise dos fatos destes dias e até é provável que estivesses dis­cor­dando do meu desalento em relação a tudo que assisto.

Em relação ao Brasil, acred­ito que muitas das con­quis­tas democráti­cas cor­rem o risco de desaparecerem.

Assisto com muita pre­ocu­pação as insti­tu­ições se dis­solverem.

Em diver­sos escritos tenho denun­ci­ado o novo “pacto das elites”, envol­vendo as mais ele­vadas fig­uras dos poderes da nação, numa estraté­gia sór­dida de pro­teção mútua e con­tra qual­quer punição pelos malfeitos cometi­dos.

A palavra de ordem é: ninguém solta a mão de ninguém. Os “grandes” se pro­tegem, ainda que para isso ten­ham que sac­ri­ficar a nação.

Imag­ine que a mais ele­vada Corte do país, para anu­lar con­de­nações de con­tu­mazes cor­rup­tos decidiu, desafiando o Código de Processo Penal, de 1973, que nos proces­sos em que ten­ham dela­tores e delata­dos, estes dev­erão falar em tem­pos dis­tin­tos nas chamadas ale­gações finais.

Ora, sem­pre tive­mos dela­tores e delata­dos nos proces­sos penais e durante quase cinquenta anos, nesta fase proces­sual todos falaram no mesmo tempo.

Qual a razão disso agora, meio século depois?

Uma só. Anu­lar as sen­tenças daque­les que foram apan­hados roubando a nação.

Queres mais? Segundo dizem o Supremo dev­erá mudar sua jurisprudên­cia que, inclu­sive, foi reafir­mada recen­te­mente, em 2016, quanto à exe­cução da pena após a segunda instância.

Do ponto de vista doutrinário, em que pese rarís­si­mos países adotarem o cumpri­mento da pena após o trân­sito em jul­gado, é uma dis­cussão inter­es­sante.

Acon­tece que não se trata disso. Mais uma vez, como no exem­plo ante­rior, a ideia é ben­e­fi­ciar os cor­rup­tos de sem­pre, os que saque­aram a nação.

Ninguém está pre­ocu­pado com o Dire­ito ou Justiça. Querem, tão somente, pro­te­ger os seus, ainda que para isso ten­ham que soltar mil­hares con­de­na­dos pelos crimes mais diver­sos e graves, segundo infor­mação do próprio Con­selho Nacional de Justiça – CNJ.

Durante quase cinquenta anos não se pre­ocu­param com o “cidadão” e agora pas­saram a se preocupar?

As devem ser ditas pelo nome: o STF trama para soltar seus ban­di­dos de esti­mação.

Se olhar­mos para os out­ros poderes da República, o desalento só aumenta: temos um Poder Exec­u­tivo que a maior parte das vezes se ocupa de resolver as crises que ele próprio criou ou de fazer tem­pes­tades em copos d’água; e um Poder Leg­isla­tivo que não se con­strange em par­tir para a chan­tagem explícita ou em leg­is­lar em causa própria.

O Brasil inven­tou um mod­elo par­la­men­tarista onde os par­la­mentares man­dam sem qual­quer ônus e sem quais­quer respon­s­abil­i­dades.

Chega a ser patético assi­s­tir­mos a comunhão de inter­esses entre os denom­i­na­dos de esquerda e os de dire­ita na defesa da cor­rupção e da impunidade.

O cenário estad­ual é muito pior que o nacional. Enquanto para o Brasil existe alguma pos­si­bil­i­dade de mudança a par­tir das eleições de 2022, no Maran­hão as mudanças que se desen­ham, pelo menos até aqui, são para pior.

Como sabes – e é até provável que já o tenha encon­trado por aí –, no último agosto dos des­gos­tos perdemos o amigo Celso Véras.

Naquela manhã, enquanto velá­va­mos o morto, eu e out­ros ami­gos, como Con­ceição Andrade, Juarez Medeiros, Zé Costa, Roberto de Paula, falá­va­mos de sua con­tribuição na resistên­cia à ditadura ou na luta pelos dire­itos humanos nos anos de chumbo e da sua influên­cia para a for­mação de novas lid­er­anças políti­cas no estado.

Mais tarde, naquele mesmo dia, um sábado, quando voltei para casa fiquei refletindo sobre a história política do estado.

A luta de ger­ações, primeiro con­tra a ditadura mil­i­tar, depois pela alternân­cia de poder e con­tra o sarneísmo.

A ditadura chegou ao fim em 1985. Em 1994 e 1998, com o fale­cido senador Epitá­cio Cafeteira, ten­ta­mos, sem êxito, a alternân­cia polit­ica no estado.

Ape­nas em 2006, com a vitória de Jack­son Lago, o sarneísmo sofreu seu primeiro revés. Dev­ido a força política em âmbito nacional, Sar­ney reto­mou o poder dois anos depois e, ape­nas em 2014, perdeu, defin­i­ti­va­mente, o poder no estado para os comu­nistas.

Sabes bem que a luta sem­pre foi pela alternân­cia e a par­tir dela levar­mos o Maran­hão ao desen­volvi­mento pleno.

Tenho dito, nos meus escritos – e tam­bém aos ami­gos mais próx­i­mos –, que o desen­volvi­mento acon­te­cerá, cedo ou tarde – e ape­sar dos gov­er­nantes que temos. Porém, cinco anos depois da son­hada alternân­cia o que temos visto é a mis­éria abso­luta aumen­tar assus­ta­do­ra­mente, dizem que o aumento passa de 40% (quarenta por cento) nos últi­mos qua­tro anos; é o estado sem qual­quer capaci­dade de inves­ti­mento em obras estru­tu­rantes e mal podendo pagar sua folha de pes­soal; é a pre­v­idên­cia dos fun­cionários públi­cos entrar em colapso.

Novo gov­erno, vel­has práticas.

Difer­ente do que pen­sá­va­mos, os atu­ais gov­er­nantes não son­haram os mes­mos son­hos que as ger­ações que os pre­ced­eram. Eles têm um pro­jeto de poder próprio que é indifer­ente ao des­tino do estado. Tanto assim que, cinco anos depois, bus­caram uma aliança com o Sar­ney. Sim o mesmo Sar­ney que apoiou o régime mil­i­tar e que sem­pre foi com­bat­ido pelas forças políti­cas democráti­cas do estado.

Pen­sei: as vidas de tan­tos com­pan­heiros sac­ri­fi­cadas na luta con­tra o sarneísmo para aque­les que, final­mente, tendo chegado ao poder se vendendo como alternân­cia, aderir ofi­cial­mente ao Sar­ney.

Quando digo “ofi­cial­mente” é ape­nas para realçar o caráter litúr­gico, uma vez que as práti­cas empre­gadas no gov­erno atual­mente não são muito difer­entes das que sem­pre foram empre­gadas nos gov­er­nos ante­ri­ores: o empreguismo, o pat­ri­mo­ni­al­ismo, nas denún­cias de malfeitos, na uti­liza­ção do poder público em bene­fí­cio próprio, e tan­tas out­ras coisas.

Se existe dis­tinção em relação aos gov­er­nos ante­ri­ores, é ape­nas na piora, como na ten­ta­tiva de cri­ação de um pen­sa­mento único, na repressão à liber­dade de expressão, na perseguição aos que não se calam aos desmandos.

Outro dia uma jovem sueca ativista da causa ambi­en­tal dizia que os adul­tos tin­ham rou­bado seus son­hos.

Em relação à política local poderíamos dizer que os atu­ais gov­er­nantes roubaram os son­hos de duas ou três ger­ações, daque­les que lutaram con­tra a ditadura; dos que lutaram con­tra o sarneísmo; daque­les que son­haram com um gov­erno real­izador, cor­reto e volta­dos aos inter­esses da população.

Ao invés disso, quando, final­mente, “cheg­amos” ao poder é para ter­mos um gov­erno eivado de vel­has práti­cas e ali­ado do … Sar­ney.

E por qual razão? Nova­mente, uma só. O sonho do atual gov­er­nador, como sabes, sem­pre foi seguir os pas­sos do Sar­ney, gal­gar os espaços no cenário nacional e inter­na­cional que o velho moru­bix­aba alcançou. Por isso mesmo, sem qual­quer con­strang­i­mento, foi a casa dele pedir “arrego”.

Os seus adu­ladores e até mesmo o próprio, como se fos­sem fiéis dis­cípu­los de Pan­taleão, inven­taram mil e uma des­cul­pas, os riscos à democ­ra­cia, a causa nacional, a defesa da Con­sti­tu­ição, etc. Nada disso, como se dizia no meu inte­rior: foram “pedir penico”.

Outra coisa que sem­pre se dizia lá no meu sertão é que “gal­inha que segue pato, corre o sério risco de mor­rer afo­gada”.

Ape­nas um breve adá­gio para lem­brar ao gov­er­nante que os riscos de ten­tar seguir o Sar­ney é o mesmo da galinha.

Mas de tudo, caro amigo, o que mais me pesa a falta de per­spec­ti­vas, é a deses­per­ança em relação ao porvir.

Arrisco dizer que mais sinto saudades do pas­sado de perseguições do que ale­gria com o que nos reserva o futuro.

Qual o legado politico do atual gov­erno?

Olhamos as opções e o desalento aumenta. Não tem futuro. Não são pes­soas voltadas aos com­pro­mis­sos históri­cos de lutas por justiça social, igual­dade, hon­esti­dade, zelo pelo patrimônio público.

Temo, sin­ce­ra­mente, que no futuro sen­tire­mos saudades da atual mis­éria que cas­tiga nos­sos concidadãos.

Pode­ria me calar diante de tudo que assisto – como, aliás, me recomen­dam as pes­soas sen­sa­tas –, mas foi para isso que tanto luta­mos? Para, como gado, assen­tir como se tudo estivesse bem, só impor­tando a ração diária que recebe?

Neste seu aniver­sário de setenta anos, caro amigo, ao passo em que lamento a tua ausên­cia, a falta que faz nos­sas con­ver­sas de domingo, fico feliz por não teres que pas­sar por tan­tas decepções, por tan­tos dias som­brios do pre­sente e do futuro.

Um afe­tu­oso abraço do amigo,

Abdon Mar­inho.