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O ocaso de uma história.

Escrito por Abdon Mar­inho


O ocaso de uma história.

Por Abdon C. Marinho.

A SEM­ANA ofer­e­cia diver­sos temas para a reflexão que cos­tu­mamos fazer: a escal­ada autoritária nos Esta­dos Unidos; a guerra na Ucrâ­nia; a per­sistên­cia do mas­sacre de palesti­nos em Gaza; a vida e a morte do Santo Padre Fran­cisco; o assalto aos vel­hin­hos e aposen­ta­dos no velho novo escân­dalo do INSS; até mesmo o 95º aniver­sário de Sarney.

Em meio a tan­tas hipóte­ses de reflexão sem­anal, eis que nos chega a notí­cia da dec­re­tação e prisão do ex-​presidente Col­lor de Mello para “roubar” a cena.

Não que seja motivo de rejú­bilo o infortúnio de quem quer que seja, longe disso, esse sen­ti­mento jamais car­reguei e espero nunca car­regar comigo.

A notí­cia da prisão do ex-​presidente, na ver­dade, rea­cen­deu as lem­branças daquele finalz­inho de anos oitenta com suas esper­anças e tur­bulên­cias.

Cheguei na Ilha em 1985, já naquele ano come­cei a par­tic­i­par ati­va­mente das ativi­dades políti­cas locais, a cri­ação dos grêmios estu­dan­tis, da UBES; em 1986 foi a vez da luta pela con­sti­tu­inte, que queríamos pop­u­lar e exclu­siva, mas que acabou sendo uma con­sti­tu­inte con­gres­sual.

Junto com o con­gresso con­sti­tu­inte foram eleitos os novos gov­er­nadores estad­u­ais que assumi­ram em 1987.

O Par­tido do Movi­mento Democrático Brasileiro — PMDB, que esteve em oposição ao régime mil­i­tar, foi o grande vence­dor do pleito de 1986, ele­gendo a maio­ria dos gov­er­nadores estad­u­ais, entre eles a “novi­dade” Col­lor de Mello.

O sen­hor Col­lor, nascido no Rio de Janeiro, era filho da tradi­cional oli­gar­quia brasileira. O seu pai era o senador da República, Arnon de Mello, da ARENA, que dava sus­ten­tação ao régime mil­i­tar. Assim, Col­lor, ainda ado­les­cente, pas­sou a inte­grar os quadros da ARENA.

Quando na esteira da aber­tura política, em 1979, esse “movi­mento” virou par­tido com o nome de PDS — Par­tido Democrático Social, lá estava o Col­lor, com 30 anos de idade, “gan­hando” a nomeação de prefeito de Maceió e do gov­er­nador do estado.

Esse cargo de prefeito ele ocupou até 1982, quando saiu para con­cor­rer e eleger-​se dep­utado fed­eral por Alagoas.

Em 1986, Col­lor, aprovei­tando a “onda” pró PMDB, deixou o PDS (que era a antiga ARENA onde filiou-​se na juven­tude arenista em 1966) para filiar-​se ao par­tido da moda e eleger-​se gov­er­nador de Alagoas.

Essa pes­soa com esse pas­sado público – pois o que se dizia de basti­dores era impub­licável –, ao assumir como gov­er­nador em março de 1987, ini­ciou uma política de aus­teri­dade na máquina pública, sobre­tudo, nos escalões mais altos onde os servi­dores tin­ham salários altís­si­mos.

Essa ini­cia­tiva, que não tinha nada de extra­ordinário, gan­hou corpo e a mídia ini­ci­ava ali a cri­ação do per­son­agem “caçador de mara­jás”.

Em ape­nas dois anos con­struíram um per­son­agem que era o oposto ao seu “dono”: o per­son­agem “caçador do mara­jás” era a antítese de tudo aquilo que Col­lor era na real­i­dade.

Alguém que apoiou a ditadura, que tirou todos os proveitos políti­cos e finan­ceiros disso, cul­mi­nando com o império de comu­ni­cação afil­i­ado à “Rede Globo” e o “pre­sente” cargo de prefeito de Maceió.

Ainda ado­les­cente, mas muito estu­dioso de história, eu cus­tava a acred­i­tar naquilo que estava acon­te­cendo. Quando dis­seram que Col­lor seria can­didato à Presidên­cia da República, eu não acred­itei, achava absurdo que alguém com aquele pas­sado chegasse a tamanha ousa­dia.

Assis­tia per­plexo à con­strução de um “falso mito”, parte da pop­u­lação brasileira estava “mes­mer­izada”, hip­no­ti­zada pelo per­son­agem que qual­quer pes­soa tivesse pas­sado perto do bom senso e de um livro de história sabia que não era ver­dade.

Acho que Col­lor foi o nosso primeiro caso de “falso” out­side.

Em ape­nas dois anos (1987 a 1989) ele foi “con­struído” como per­son­agem prin­ci­pal da República em um papel que não era dele.

E esse per­son­agem con­quis­tou o coração do povo brasileiro. Naquela época víamos pes­soas de todas as idades e extratos soci­ais defend­endo o Col­lor.

Essa defesa dele tornou-​se ainda mais acen­tu­ada quando ele deixou o PMDB para o minús­culo PRN e pas­sou a com­bater o gov­erno do par­tido onde esteve fil­i­ado até então.

Aqui abro espaço para uma iro­nia do des­tino. Col­lor can­didato em 1989, durante toda a cam­panha eleitoral, propalava (aliás, o per­son­agem propalava) que uma das primeiras coisas que faria ao chegar na presidên­cia seria pren­der o pres­i­dente da República de então, o nosso con­ter­râ­neo José Sar­ney.

A iro­nia, que não sei se alguém perce­beu, é que a ordem de prisão con­tra ele saiu (e foi cumprida) jus­ta­mente no dia do aniver­sário de 95 anos de Sar­ney, que fes­te­java cer­cado de ami­gos, ali­a­dos, novos ali­a­dos e adu­ladores, sem nunca ter sido fusti­gado ou sofrido maiores abor­rec­i­men­tos com a Justiça brasileira. Mas isso não foi por culpa dele.

Em 1989 tín­hamos nomes, quadros políti­cos dis­putando aquela que era a primeira eleição direta após a ditadura: Aure­liano Chaves, que foi gov­er­nador de Minas Gerais e vice-​presidente da República no gov­erno Figueiredo; Leonel Brizola, que fora gov­er­nador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro; Ulysses Guimarães, dep­utado fed­eral que desde sem­pre foi uma voz con­trária à ditadura; Mário Covas, que foi gov­er­nador de São Paulo; Paulo Maluf, que foi gov­er­nador de São Paulo; Fer­nando Col­lor, ex-​governador de Alagoas; Luiz Iná­cio Lula da Silva, sindi­cal­ista, e ainda out­ros.

Quem pas­sou para o segundo turno foram Lula e Col­lor.

No segundo turno, emb­ora a difer­ença tenha sido de pouco mais de 4 mil­hões de votos (35 mil­hões a 31 mil­hões), Col­lor gan­hou prati­ca­mente em todos os esta­dos da fed­er­ação, exceto no Rio Grande do Sul, Per­nam­buco e no Dis­trito Fed­eral.

Em março de 1990, Sar­ney pas­sou a faixa para Col­lor, tudo dev­i­da­mente nego­ci­ado por conta das reit­er­adas ameaças de prisão, e o primeiro pres­i­dente eleito após a rede­moc­ra­ti­za­ção assumiu o mandato.

O pres­i­dente assumiu não como Col­lor, mas como um per­son­agem cri­ado num espaço de pouco mais de dois anos. Tanto assim que uma das primeiras medi­das do gov­erno foi “con­fis­car todos os ativos finan­ceiros” dos cidadãos e empre­sas.

Exceto para uma casta da sociedade, sem­pre munida de boas infor­mações, todos os sal­dos bancários acima de 50 mil cruza­dos novos foram con­fis­ca­dos pelo Plano Col­lor, que tinha por meta esta­bi­lizar a inflação que naque­les dias chegava a 80, 90 por cento ao mês.

Narra a história que medida tão drás­tica gan­hou de Fidel Cas­tro, então dita­dor cubano de plan­tão, que viera a posse, o seguinte comen­tário: “O Brasil imple­men­tou o social­ismo antes de Cuba”.

Mesmo com isso, Col­lor con­tin­uou a con­tar com o apoio de muitos brasileiros. Muitos não que­riam acred­i­tar que tin­ham eleito um per­son­agem.

As coisas começaram a “azedar” ape­nas quando seu irmão caçula denun­ciou que o gov­erno dele era uma farsa calçada na cor­rupção coman­dada por Paulo César Farias, o PC.

Mesmo após essa denún­cia, vivendo no per­son­agem, Col­lor chamou o povo para ir às ruas de verde-​amarelo para demon­strar apoio a ele. O que se viu no dia da suposta man­i­fes­tação foi o povo vestido de luto, em protesto.

O resto da história todos sabe­mos: Col­lor foi o primeiro pres­i­dente eleito da nova república e o primeiro a sofrer processo de impeach­ment. Durante seu gov­erno nem tudo foram espin­hos, tive­mos ini­cia­ti­vas para aber­tura do mer­cado brasileiro, para ino­vação tec­nológ­ica, algu­mas ini­cia­ti­vas de preser­vação ambi­en­tal, etc.

Depois de cumprir o prazo de ineleg­i­bil­i­dade, Col­lor voltou à política, tendo sido eleito duas vezes senador pelo estado de Alagoas, encer­rando o mandato em 2022, quando perdeu a eleição de gov­er­nador.

O irmão de Col­lor, Pedro, que foi um dos respon­sáveis pela der­ro­cada da “República de Alagoas”, antes de mor­rer, em 1994, foi co-​autor do livro “A tra­jetória de um farsante”.

Enquanto escrevo esse texto, leio que o ex-​presidente Col­lor encontra-​se preso na ala espe­cial do presí­dio de Maceió, enquanto seus advo­ga­dos ten­tam transferi-​lo para prisão domi­cil­iar, ale­gando prob­le­mas de saúde que o acome­tem.

Um dos argu­men­tos dos causídi­cos é que o ex-​presidente tem, entre out­ros, transtornos de bipo­lar­i­dade.

Não sei se pre­cis­aram de laudo para isso, na ver­dade trata-​se, se ver­dade, de um laudo tar­dio. Desde 1987, mais ainda a par­tir de 1989, que olho para ele e detecto visual­mente que sofre desse e de out­ros transtornos, sem­pre exis­tiu esse con­flito entre a pes­soa real e o per­son­agem.

Na história da política brasileira, o ex-​presidente é um per­son­agem que merece ser estu­dado, pois chega a ser impres­sio­n­ante como con­seguiu enga­nar tan­tos por tanto tempo.

A prova maior disso é que hoje Col­lor encontra-​se cumprindo pena não pelos atos de cor­rupção prat­i­ca­dos no seu curto gov­erno (1990÷1992), mas pelas cor­rupções que prati­cou no gov­erno do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, aquele mesmo par­tido que perdeu a eleição para ele em 1989.

Essa é mais uma iro­nia da história brasileira.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A gestão pública e a Ignorân­cia paralisante

Escrito por Abdon Mar­inho


A gestão pública e a Ignorân­cia paralisante.

Por Abdon C. Marinho.

O AMIGO e sócio, Wel­ger Freire, acor­dou pre­ocu­pado com a saúde da filha. Esper­ava o resul­tado dos exames médi­cos que man­dara realizar no dia ante­rior. Levantou-​se cedo (como de cos­tume) e logo aces­sou o site da clínica para ver­i­ficar os exames. Tudo per­feito, exceto por uma incon­formi­dade. Saiu do quarto apa­vo­rado e já foi pre­venindo a esposa: — Meu bem, se pre­pare, ela está com influenza A!

A esposa, em pânico, começou logo a chorar e ligou para a mãe para pas­sar a “triste” notí­cia. Era choro de lá, choro de cá; prepar­a­tivos para levar a infanta para o hos­pi­tal; até que ocor­reu ao sócio a ideia de con­sul­tar o filho que é médico e faz residên­cia no Rio Grande do Sul.

— Meu filho, recebi os exames de sua irmã e veio tudo bem, só tem um prob­lema: ela está com influenza A.

Do outro lado da linha o filho respondeu-​lhe: — ô pai, influenza A é ape­nas gripe comum.

Foi aí que ele caiu em si.

Naquela mesma manhã, no escritório, nós con­tá­va­mos desse falso surto de diag­nós­tico ter­mi­nal que o acome­teu logo que levan­tou, enquanto caiamos na gar­gal­hada.

Dias desses, por ocasião do Encon­tro Nacional de Com­pras Públi­cas – onde me fiz pre­sente não na condição de advo­gado, mas de empresário do setor de edu­cação –, con­ver­sava com alguns mem­bros dos setores de lic­i­tação, pre­goeiros e até gestores sobre umas inqui­etações.

A prin­ci­pal delas é a demora para os municí­pios “pegarem”. Já tendo avançado o ano, muitos ainda não “ini­cia­ram” o novo mandato; não avançaram nas lic­i­tações, nas com­pras necessárias ao fun­ciona­mento básico, etc.

Em alguns municí­pios, aliás, o ano letivo começou com sin­gu­lar atraso e em alguns sequer ini­ciou total­mente por falta de condições obje­ti­vas: refor­mas que não foram con­cluí­das, mate­r­ial didático que não foi adquirido, pro­fes­sores e/​ou servi­dores que não foram con­trata­dos, e diver­sos out­ros entraves.

Mesmo em municí­pios onde os gestores ape­nas tiveram seus mandatos ren­o­va­dos, a “par­al­isia” se faz pre­sente.

Nas inter­ações que fiz, percebi que parte da inér­cia é dev­ida à nova lei de lic­i­tações, que, ape­sar de não ser tão nova assim (Nova Lei de Lic­i­tações e Con­tratos, Lei nº 14.133÷2021), é de 2021, mas só agora está sendo efe­ti­va­mente apli­cada na maio­ria dos municí­pios brasileiros.

Em muitos municí­pios, sobre­tudo naque­les em que houve troca de comando de gestores, car­gos pre­vis­tos na nova lei não foram cri­a­dos e os próprios depar­ta­men­tos de lic­i­tações tiveram que ser read­e­qua­dos para a nova real­i­dade das con­tratações públi­cas.

Mesmo pes­soas já expe­ri­entes no seg­mento de lic­i­tações e con­tratos têm “pati­nado” e dado celeri­dade aos pro­ced­i­men­tos, muitos, inclu­sive, por receio em relação à nova leg­is­lação.

A situ­ação mostra-​se tão inusi­tada que, pas­sa­dos meses desde a posse, con­tratações que podem ser efe­ti­vadas através de inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação não foram feitas, deixando profis­sion­ais que já dev­e­riam estar tra­bal­hando e recebendo desde o iní­cio da gestão “a verem navios”.

O sócio Wel­ger Freire cos­tuma dizer que ninguém se defende da lei.

No caso da “nova” Lei de Lic­i­tações, ao meu sen­tir, ela tornou bem mais fácil deter­mi­na­dos pro­ced­i­men­tos que dev­e­riam aju­dar os entes públi­cos, dando-​lhes celeri­dade na gestão.

Quer me pare­cer, entre­tanto, que muitos gestores e/​ou profis­sion­ais oper­adores do dire­ito estão receosos da uti­liza­ção dos pro­ced­i­men­tos legais estatuí­dos na leg­is­lação dev­ido ao receio dos “tri­bunais das redes soci­ais e veícu­los de comu­ni­cação” e até mesmo das pos­síveis inter­pre­tações dadas pelos organ­is­mos de con­t­role, como o Min­istério Público, que atua como fis­cal da lei ou dos tri­bunais de con­tas.

Um exem­plo claro disso é o escar­céu que muitos fazem diante de uma inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação.

Ora, a inexi­gi­bil­i­dade é um pro­ced­i­mento pre­visto na leg­is­lação, não é algo “fora da lei”, muito pelo con­trário, encontra-​se lá dev­i­da­mente esta­b­ele­cido e é uma das fer­ra­men­tas que exis­tem para garan­tir a celeri­dade dos proces­sos admin­is­tra­tivos.

Aos oper­adores do cer­tame cabe ape­nas instru­men­talizar e fun­da­men­tar a opção pela inexi­gi­bil­i­dade de lic­i­tação.

Muito emb­ora gestores e demais respon­sáveis pelos cer­tames saibam disso, ao optarem por faz­erem uma inexi­gi­bil­i­dade agem como se estivessem fazendo algo fora da lei, come­tendo um crime ou coisa pior, quando na ver­dade estão se uti­lizando de um recurso legí­timo insti­tuído para ser uti­lizado sem­pre que se enquadrar na pre­visão legal.

O mesmo ocorre quando fazem uma adesão a alguma ata de reg­istro de preço, com a con­tratação direta, etc.

Ver­i­fi­cada a legit­im­i­dade do instru­mento, não tem razão nen­huma para recusar sua uti­liza­ção. Claro que sem­pre se deve exam­i­nar com uma lupa para evi­tar quais­quer dúvi­das e prob­le­mas futuros.

Entre­tanto, não é razoável que a admin­is­tração pública seja par­al­isada por receio dos “tri­bunais da mídia”.

O gestor público pre­cisa ter a serenidade sufi­ciente para não ceder, em detri­mento do inter­esse da pop­u­lação, a um clima de insta­bil­i­dade externa cau­sado, na maio­ria das vezes por pes­soas que querem vender escân­da­los em troca de van­ta­gens inde­v­i­das ou por receio dos adver­sários.

A bal­iza da admin­is­tração pública é a lei, logo não é legí­timo que se deixe de uti­lizar dos mecan­is­mos legais com medo do que dirá o “tri­bunal da mídia” ou a pauta dos opos­i­tores.

Não se faz gestão pública com covar­dia ou com medo do que pode dizer a mídia ou os adver­sários. Se você tem medo de agir de con­formi­dade com a lei, temendo o que o adver­sário ou a mídia vão dizer (muitas das vezes para tirar alguma van­tagem, essa, sim, ile­gal), faz-​se necessário rever seus con­ceitos de admin­is­tração pública.

Essa ignorân­cia dos lim­ites da lei faz com que se deixe de fazer o que se deve, par­al­isando as admin­is­trações.

É necessário romper com essa ignorân­cia par­al­isante.

Por outro lado, tam­bém, é necessário que os órgãos de con­t­role respeitem seus lim­ites legais e parem de agir na “suposição” de que todo gestor público é sem­pre um crim­i­noso em poten­cial e passem a agir mais no sen­tido de ori­en­tar, aju­dar ou recomen­dar, sob pena de logo mais somente crim­i­nosos efe­tivos se dispon­ham a con­cor­rer a um cargo público.

O cidadão de bem não quer ficar sob o escrutínio público e dos órgãos de con­t­role de que tudo que faz possa ser tido ou “suposto” como um crime em anda­mento.

Um alerta der­radeiro: a crim­i­nal­iza­ção da gestão pública, feita direta ou indi­re­ta­mente, é o cam­inho mais curto para a sua destruição.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.

Escrito por Abdon Mar­inho


O ocaso da Justiça é o ocaso da democracia.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUM DIA, acred­ito que mais cedo do que muitos imag­i­nam, ire­mos nos per­gun­tar: o que acabou primeiro, a Justiça ou a democ­ra­cia?

E, então, talvez, nos dare­mos conta que a própria civ­i­liza­ção tam­bém chegou ao fim.

A frase de François Guizot que quase se torna um aforismo jurídico – antes que alguém desista por não saber o que é aforismo esclareço tratar-​se de uma máx­ima ou sen­tença que em pou­cas palavras con­tém uma regra ou um princí­pio de alcance moral –, sen­ten­cia: “quando a política aden­tra aos recinto dos tri­bunais, a justiça se retira por alguma porta”.

O pre­sente texto é o preâm­bulo de uma abor­dagem filosó­fica para uma des­graça que assom­bra os democ­ratas e as sociedades mod­er­nas: a inter­fer­ên­cia política na justiça e/​ou a inter­fer­ên­cia da justiça na política.

Como dizia um antigo pro­fes­sor: a ordem dos fatores não altera o resul­tado final, que sem­pre será a aniquilação de ambos.

Quando se ensi­nava dire­ito e quando se apren­dia o Dire­ito, éramos apre­sen­tado que as leis dev­e­riam ser o sufi­cien­te­mente claras para que os cidadãos comuns as com­preen­dessem, soubessem o que era certo e o que era errado e con­cor­dasse com aquilo.

O “pacto social” entre Estado e cidadãos regido por um con­junto de nor­mas que, razoáveis e jus­tas, a todos sub­me­tem.

Nesse tempo, tam­bém, se apren­dia que as sociedades mod­er­nas ado­tavam como mod­elo o sis­tema de poderes inde­pen­dente e har­môni­cos entre si, nos quais o Leg­isla­tivo, o Exec­u­tivo e o Judi­ciário tin­ham cada um o seu papel a ser desem­pen­hado seguindo aquele con­junto de nor­mas razoavel­mente esta­b­ele­ci­das e aceitas pela sociedade.

De outro mestre de igual sabença colhia-​se a lição: — duvi­dem de leis com­plexas e de inter­pre­tações rebus­cadas, a bal­iza da lei é a com­preen­são do homem médio, aquilo que o cidadão comum, mesmo sem muito ou estudo nen­hum, com­preende como aceitável. A lei não pode con­ter charada ou pegad­in­has.

Ao longo dos sécu­los sem­pre que um líder ou grupo político ten­tou ou con­seguiu manip­u­lar ou dom­i­nar os demais poderes o resul­tado alcançado foi régime autoritário, ditadura, destru­ição da sociedade.

O mundo vive nova­mente sob esse espectro.

Em diver­sos países do mundo assis­ti­mos líderes ou seus par­tidos políti­cos tentarem manip­u­lar os demais poderes, sobre­tudo, o Poder Judi­ciário.

Mesmo democ­ra­cias que se rep­utavam con­sol­i­dadas enfrentam está­gios de manip­u­lação ou dom­i­nação da Justiça.

O pior é que, para muitos, isso é tido como uma prática nor­mal. Agora mesmo, nos Esta­dos Unidos, o bil­ionário Elon Musk, como já fiz­era nas eleições pres­i­den­ci­ais, ten­tou, com o seu imenso pode­rio econômico, influ­en­ciar na escolha de um juiz para a Suprema Corte de um dos esta­dos – feliz­mente, sem êxito. Dizem que gas­tou cerca de 25 mil­hões de dólares na ten­ta­tiva de influir no resul­tado final da escolha dos cidadãos pois lá os juízes são eleitos.

Nos mes­mos Esta­dos Unidos – out­rora refer­ên­cia de democ­ra­cia con­sol­i­dada –, assis­ti­mos decisões sendo desre­speitadas e mesmo o enfrenta­mento das decisões pelo poder político do gov­er­nante de plan­tão.

E, mais, juízes e procu­radores sendo coagi­dos e con­strangi­dos pelo Depar­ta­mento de Justiça e o próprio pres­i­dente falando em impeach­ment de juizes.

Os exces­sos em quer­erem con­tro­lar as decisões judi­ci­ais chegou a tal ponto que o pres­i­dente da Suprema Corte, de quem pouco se ouve falar, manifestou-​se pub­li­ca­mente para dizer que o impeach­ment não é o meio ade­quado para sub­sti­tuir os recur­sos judi­ci­ais.

Vejam, isso vem acon­te­cendo naquela que já foi con­sid­er­ada como um mod­elo de democ­ra­cia para o mundo oci­den­tal.

Esta­mos diante da política (ou polit­icagem) “arrobando” os pór­ti­cos da Justiça.

Em diver­sos out­ros países o Poder Judi­ciário – e com ele as noções de Justiça e Dire­ito que apren­demos –, vem sendo aniquilado para aten­der aos inter­esses políti­cos da força dom­i­nante. Fazem isso medi­ante a sub­sti­tu­ição de juízes (muitos, inclu­sive, sendo pre­sos ou exi­la­dos), o aumento da com­posição das cortes para acres­cen­tar os “seus” ou através de alter­ações nas leis para sub­me­ter as decisões judi­ci­ais aos inter­esses políti­cos de quem se encon­tra no poder.

Em todos esses países o que temos assis­tido é a con­sol­i­dação de ditaduras, mod­e­los de gov­er­nos autoritários onde as mino­rias soci­ais e/​ou os opos­i­tores são afas­ta­dos do poder – mesmo que ten­ham sido eleitos –, ou pre­sos sem qual­quer base legal ou crime cometido.

Aliás, o “crime” é ser oposição ao gov­erno e/​ou uma ameaçar a hege­mo­nia do seu poder.

Nas últi­mas décadas o Brasil vem avançando no seu “pro­jeto” de destru­ição da Justiça. Talvez muitos dos artí­fices de tal pro­jeto nem se dêem conta disso, seguem na linha do “todo mundo faz por que não eu?”.

Assim, esses gov­er­nantes, das mais vari­adas esferas de poder vão preenchendo os car­gos de juízes dos tri­bunais com pes­soas que, a despeito de suas capaci­dades téc­ni­cas, pos­suem uma vin­cu­lação política e/​ou pes­soal ou de par­entesco com aquele que o indi­cou.

Isso acon­tece desde sem­pre, é ver­dade, mas nunca com esse nível de vin­cu­lação. De cima a baixo em todos os tri­bunais de justiça ou de con­tas, os gov­er­nantes de plan­tão não têm con­strang­i­mento de “colo­car os seus” e até mesmo de “que­brarem lanças” por essas nomeações, e se tiverem o mesmo sangue, mel­hor, bem mel­hor.

Em tem­pos idos, ainda me recordo, ninguém ques­tion­ava uma decisão judi­cial. Mesmo que dela se dis­cor­dasse, buscava-​se os recur­sos cabíveis, tinha-​se, por certo, que aquele era o entendi­mento do jul­gador a quem se dev­e­ria respeitar.

Não pas­sava pela cabeça de ninguém que por trás da decisão se escon­diam inter­esses políti­cos e/​ou de out­ros matizes.

Hoje, mesmo decisões do Supremo Tri­bunal Fed­eral, vemos sendo esquadrin­hadas nas mesas de bares com ques­tion­a­men­tos sobre suas moti­vações.

Os min­istros do Supremo Tri­bunal Fed­eral pos­suíam tal grau de respeitabil­i­dade e de ilibada con­duta que a ninguém – do cam­ponês mais rude ao pres­i­dente da República –, pas­sava pela cabeça duvi­dar da seriedade de uma de suas decisões.

Hoje, repito, com ou sem razão, se esquadrinha decisões com a mesma inten­si­dade que se ques­tiona a arbi­tragem de uma par­tida de fute­bol.

A democ­ra­cia brasileira vai per­dendo um dos seus ativos mais caros: a cred­i­bil­i­dade das decisões judi­ci­ais.

Con­forme cos­tumo dizer: a justiça na qual ninguém con­fia não é justiça.

A “des­cred­i­bi­liza­ção” da justiça é o cam­inho mais curto para implan­tação de regimes autoritários, de ditaduras, onde todos poderes, inclu­sive, o de dis­por sobre os bens, a liber­dade e a vida das pes­soas, se con­cen­tram na mão do dita­dor e daque­les no seu entorno.

O mundo está cheio desses exem­p­los, não são ape­nas exem­p­los históri­cos, são, tam­bém, exem­p­los atu­ais, que estão acon­te­cendo enquanto escrevo esse texto.

O fenô­meno global de “desa­cred­i­tar” a Justiça – e, podemos citar como exem­plo, EUA, Rús­sia, China, Venezuela, Cuba, El Sal­vador, Nicarágua, Turquia, Hun­gria, até a França –, encon­tra no Brasil o mais fér­til dos ter­renos, basta ver os últi­mos números sobre a cred­i­bil­i­dade do Judi­ciário brasileiro.

Não faz muito tempo, em 8 de janeiro de 2023, a turba enfure­cida dis­pen­sou ao STF o mesmo trata­mento dado aos out­ros poderes: invadi­ram, van­dalizaram, destruíram, além de out­ros com­por­ta­men­tos escat­ológi­cos que ficaram reg­istra­dos. Não duvido que se tivessem encon­trado por lá algum min­istro o teriam lin­chado.

Den­tro e fora do Judi­ciário mas grav­i­tando em seu entorno, vemos pes­soas se devotando aos regimes autoritários, defend­endo ditaduras, viradas de mesa, supressão da democ­ra­cia.

Quer me pare­cer que ninguém con­segue enten­der que a Justiça é a última trincheira da democ­ra­cia e da liber­dade. Parece-​me que nem mesmo o Poder Judi­ciário tem essa com­preen­são, pois se tivesse bus­caria a auto­p­reser­vação. Não faz isso, dia após dia, ali­menta os escân­da­los com benesses e pen­duri­cal­hos injus­ti­fi­ca­dos, com decisões absur­das e com com­por­ta­men­tos incom­patíveis.

Não duvi­dem, logo, logo, estare­mos fazendo a per­gunta que fiz no iní­cio do pre­sente texto.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.