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Mat­api, camarões e traíras.

Escrito por Abdon Mar­inho


Matapi, camarões e traíras.

Por Abdon C. Marinho.

FORAM os povos tupis das tri­bos local­izadas no litoral brasileiro que legaram os povos cabo­c­los do norte do país o instru­mento arte­sanal de nome mat­api grafado na lín­gua nativa como mat­apí uti­lizado para pesca de camarões e out­ros peixes.

O mat­api, ainda uti­lizado para pesca do camarão no for­mato arte­sanal, con­siste numa armadilha feita de taboca ou talas de palmeiras e cipó ou embi­ras para se fazer a amar­ração.

Os cabo­c­los colo­cam os “mat­apis” nos pon­tos de vazantes aguardando que o crustáceo fique preso na armadilha. Segundo espe­cial­is­tas em meio ambi­ente essa é a forma mais sus­ten­tável para a pesca do camarão.

Como a maio­ria dos leitores não são pescadores e pouco estão lig­ando o sis­tema de pesca arte­sanal devo dizer que essa intro­dução tem ape­nas o condão de servir como analo­gia aos últi­mos acon­tec­i­men­tos da polit­ica local.

Quer me pare­cer que “armaram o mat­apí” para pescar o camarão, nesse caso, um camarão bem maior que o camarão-​gigante-​da-​Malásia (Mac­ro­brachium rosen­bergii), tam­bém chamado de camarão gigante azul, espé­cie nativa do Sud­este Asiático e, que aos poucos, vai se intro­duzindo em ecos­sis­temas amazôni­cos.

E tento o camarão ingres­sado no mat­apí os pescadores e/​ou os mel­hores chefs leoni­nos preparam os man­jares a serem servi­dos tais como: bobó de camarão; risoto de camarão; moqueca de camarão; risole de camarão ou, ainda, camarão empanado ou camarão no alho e “Orleans”, eita cor­re­tor! Digo: óleo.

Out­ras receitas famosas para o crustáceo são: bolin­hos de man­dioca com camarão ao catupiry; camarão frito na cerveja; camarão frito empanado; polenta com crème de camarão; escon­did­inho de camarão; estro­gonofe de camarão e até vat­apá de camarão.

Como aper­i­tivo, para abrir o apetite, a sug­estão do chef é uma caipir­inha com cachaça de São Domin­gos ali nas ime­di­ações de Col­i­nas; e, como sobremesa, um rocam­bole de doce de leite de búfala da Baix­ada.

Deixando as aulas de pesca arte­sanal e as mel­hores receitas do nosso cardá­pio de lado para aden­trar no árido campo dos acon­tec­i­men­tos mesquin­hos dos dias atu­ais, tenho por certo que o nosso vice-​governador foi vítima de uma armadilha engen­drada por pes­soas que se fiz­eram pas­sar por “ami­gas”. Lit­eral­mente, armaram o mat­apí para o Camarão.

Não tenho motivos para duvi­dar da palavra do vice-​governador quando ele acusa de fal­si­dade os “prints” far­ta­mente dis­tribuí­dos pela imprensa.

Ao meu sen­tir, quem se passa por amigo, inclu­sive, chamando o outro de “chefe” para, ato con­tínuo, espal­har aos “qua­tro ven­tos” o con­teúdo da con­versa é capaz de tudo – até de fal­si­ficar “prints” ou vender a mãe (e entre­gar). A isso, no lin­gua­jar do sertão, dar-​se o nome “trairagem”, coisa de “traíra”, não o peixe, mas os homens.

A “trairagem” descabida vai de encon­tro a uma garan­tia con­sti­tu­cional aos que exercem o dire­ito de bem infor­mar a sociedade, insculp­ida no artigo 5º da Carta Con­sti­tu­cional: “XIV — é asse­gu­rado a todos o acesso à infor­mação e res­guardado o sig­ilo da fonte, quando necessário ao exer­cí­cio profis­sional”.

Como hoje o tempo passa numa veloci­dade bem maior, vejo que tudo já me parece ao reverso do certo. Pois sou de um tempo em que Jor­nal­is­tas, com “J” maiús­culo, pro­te­giam suas fontes com o sac­ri­fí­cio da própria liber­dade ou da própria vida. Foi pen­sando em pes­soas com tal nível de caráter que se fez inserir tal dis­pos­i­tivo na Con­sti­tu­ição Fed­eral como cláusula pétrea ou seja que não pode ser alter­ada.

É dizer, sob o império da Con­sti­tu­ição da República nen­hum jor­nal­ista é obri­gado a rev­e­lar quem lhe deu essa ou aquela infor­mação.

Daí ser incom­preen­sível – a mim, pois vejo a des­onra nor­mal­izada – , que jor­nal­is­tas façam uso de expe­di­ente vil para obter infor­mações e que faça uso das mes­mas da forma que tenho visto. Assim como, ao meu sen­tir, é igual­mente asqueroso que out­ros supos­tos jor­nal­is­tas dêem guar­ida a isso ao invés de ficarem do lado da vítima. No caso em tela, das duas víti­mas.

Mas vejo muitos jor­nal­is­tas, políti­cos, fazendo isso com tanto desas­som­bro que imag­ino viver em um mundo para­lelo, de con­ceitos inver­tidos.

Antes, repito, Jor­nal­is­tas mor­riam ou iam pre­sos por defender suas fontes agora vemos pes­soas se pas­sando por jor­nal­is­tas indo à polí­cia entre­gar seus equipa­men­tos de tra­balho – e se orgul­hando disso.

Mesmo admitindo-​se como ver­dadeiro o con­teúdo dos “prints” espal­ha­dos, tratou-​se de uma con­versa pri­vada entre duas pes­soas suposta­mente “ami­gas”, “mui ami­gas” – emb­ora do ponto de vista da biolo­gia traíras con­sumam camarões, rãs, inse­tos e out­ros peixes.

Em tese, as traíras “não aliviam” para ninguém. Logo, camarão parado é alvo fácil ou a maré leva.

Ora, a con­versa “não havida” entre duas pes­soas e não man­i­festa pub­li­ca­mente em ambi­ente público ou através de veícu­los de comu­ni­cação, diz respeito uni­ca­mente aque­les dois par­ticipes. Se um dos dois resolvem tornar aquela con­versa “não havida” pub­li­ca­mente, por mais grave que seja seu con­teúdo, é ele que é o ofen­sor e, de uma “tacada” só, ofende dois, com quem dial­o­gou e sobre quem se dial­o­gou.

Mesmo o “Vale tudo” da política, não dev­e­ria admi­tir que descon­hecessem con­ceitos ele­mentares de pri­vaci­dade. Já pen­saram no inferno que seria a vida sem a privacidade?

Não faz muito ouvi de um pas­tor, líder de uma denom­i­nação reli­giosa, que se viessem a público seus diál­o­gos de What­sApp com um deter­mi­nado político “o mundo viria abaixo”. Por um momento fiquei a imag­i­nar o um líder reli­gioso con­ver­saria com um político de “tão grave” a ponto do “mundo vir abaixo”.

Faço tais con­sid­er­ações para assen­tar o quanto é ridículo essa “ópera-​bufa” que ten­tam ence­nar na nossa já deca­dente cena política brasileira, com dia sim, no outro tam­bém, alguém rever­berando diál­o­gos “não havi­dos” em caráter pri­vado.

Vejam, por mais graves que tenha sido o con­teúdo dos “diál­o­gos não havi­dos” os mes­mos ocor­reram em caráter pes­soal entre duas pes­soas e, repito, a suposta gravi­dade, em todos os aspec­tos, não são os tais diál­o­gos em si, mas sim, a pub­li­ciza­ção dos mes­mos e a sua explo­ração política, inclu­sive, por uma de suas supostas víti­mas.

O diál­ogo pri­vado encontra-​se no mesmo pata­mar: o que eu penso de você não lhe diz respeito a menos que eu os exponha pub­li­ca­mente.

Nesse caso, o bem maior a ser con­sid­er­ado e pro­te­gido, inclu­sive por imper­a­tivo con­sti­tu­cional, é a intim­i­dade e a vida pri­vada das pes­soas.

Encerro dizendo que no dia em todas as con­ver­sas pri­vadas forem rev­e­ladas o mundo acaba.

Que libere sig­ilo total de todos seus diál­o­gos os que dis­cor­darem.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado e cronista.

Wal­ter Rodrigues – 15 anos de ausência.

Escrito por Abdon Mar­inho


Walter Rodrigues, ou WR para os ínti­mos, está há 15 anos longe de nós.

Neste dia, peço licença aos leitores para hom­e­nagear o jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, que nos deixou há 15 anos.

Na manhã de 19 de maio de 2010, acordei com várias lig­ações per­di­das do celu­lar de Wal­ter. Ele estava com alguém no momento do aci­dente e ten­tou me avisar ou pedir ajuda.

Wal­ter, paraense de nasci­mento, veio para o Maran­hão no final dos anos 1970 para seguir sua car­reira como jor­nal­ista. Ele tra­bal­hou em várias redações, sem­pre se opondo ao jor­nal­ismo de con­veniên­cia que igno­rava a verdade.

Con­heci Wal­ter em 1991, quando come­cei a tra­bal­har na Assem­bleia Leg­isla­tiva. Nossa amizade durou até sua par­tida em 2010.

Desde que fun­dei meu escritório até prati­ca­mente sua par­tida, fomos seus advo­ga­dos em várias ações judi­ci­ais, tanto como réus quanto como autores. Como já men­cionei antes, ele cun­hou a famosa frase: “Abdon, não importa se o processo tran­si­tou em jul­gado, mas se tran­si­tou ‘em recebido’”.

Outra frase sua que me mar­cou foi: “Quem dorme em horário de puta não pode acor­dar em horário de padeiro”.

A frase surgiu de uma recla­mação minha. Eu o liguei logo cedo, mas ele não aten­deu. Ele expli­cou que, como eu morava no sítio e tinha o hábito de dormir e acor­dar cedo, ele, por outro lado, pas­sava a noite quase toda acor­dado, estu­dando ou escrevendo. Ele disse que não se pode esperar que quem dorme em horário de puta acorde em horário de padeiro.

Aos domin­gos, como hoje, tín­hamos o hábito de nos ligar para falar sobre as notí­cias dos jor­nais ou para recla­mar quando, por algum motivo ou con­veniên­cia, sua col­una não cir­culava no Jor­nal Pequeno. Durante o período em que sua col­una cir­cu­lou nesse matutino, eu era advo­gado tanto de WR quanto do Jor­nal Pequeno. Ele me lig­ava furioso para recla­mar se a col­una não circulava.

Quando isso acon­te­cia, ele se recusava a colo­car a col­una na edição da segunda-​feira. Ele dizia que a edição de segunda era per­me­ada pelas notí­cias de violência.

O “arranjo” de encar­tar seu “Col­unão” no Jor­nal Pequeno fun­cio­nou durante um período, mas depois começaram os des­gastes. Ele deixou de encar­tar sua col­una no JP para ten­tar fazer de outra forma. Ele ainda ten­tou fazer a dis­tribuição inde­pen­dente, mas não deu certo.

Por fim, ele criou o Col­unão ape­nas na ver­são eletrônica, sendo um dos primeiros, senão o primeiro, blogue do estado.

Era uma solução, mas não era a ideal para ele, que gostava do jor­nal impresso, de sen­tir o cheiro da tinta no papel.

Isso o motivou a lançar uma ver­são impressa da sua col­una.

Quando lançou seu “Col­unão”, o chamou de tigre de papel e encer­rou a apre­sen­tação com a seguinte frase: “Eis o novo Col­unão, o nosso ‘tigre de papel’. Dis­posto à luta como um tigre, mas con­sciente tam­bém de sua fraqueza, pois um tigre da ver­dade não é um tigre de ver­dade, mas ape­nas uma imagem que se quer real. Seu lema é o de Karl Marx: ‘Sem dúvida o jor­nal­ista deve gan­har a vida escrevendo, mas não deve escr­ever para gan­har a vida’”.

Cer­ta­mente, Wal­ter cole­cio­nou muitos desafe­tos pelo seu estilo de escr­ever, sua “busca da ver­dade” sem pre­ocu­pações “colat­erais”, mas, cer­ta­mente, nunca seria capaz de uma deslealdade.

Nas nos­sas con­ver­sas, quando o inda­gava sobre deter­mi­nado artigo, prin­ci­pal­mente quando fazia uma denún­cia con­tra uma autori­dade, ele dizia que jamais iria dizer uma coisa se não tivesse out­ras duas a com­pro­var o que dizia. Suas palavras: “Quando jogo uma pedra, tenho out­ras duas aqui guardadas”.

Fazia o “dever de casa” como bom jor­nal­ista: apu­rava a infor­mação, ouvia as partes, for­mava seu juízo e escrevia o seu artigo, fazia sua denúncia.

Dizia com razão que o maior patrimônio do jor­nal­ista era a sua cred­i­bil­i­dade per­ante a sociedade, o respeito per­ante suas fontes e a cor­reção da infor­mação. Isso não sig­nifi­cava que ele ou qual­quer outro fosse “proibido” de ter lado. Aliás, quando lançou o Col­unão apartado do JP, fez questão de pon­tuar os princí­pios de sua linha edi­to­r­ial – tenho essa edição nos meus arquivos –, onde esclare­cia sobre o “seu lado” e as ideias que defendia.

Ape­sar de todos saberem disso, de ser público seu ideário como jor­nal­ista, seus arti­gos e denún­cias não eram cor­roí­das pelo descrédito, pelo con­trário, era como se tivesse ainda mais credibilidade.

Um bom jor­nal­ista não pre­cisa escr­ever sobre tudo, mas em vinte anos de amizade nunca tive qual­quer sus­peita que ele ocul­tou uma infor­mação por inter­esse sub­al­terno ou que rece­beu para escon­der a ver­dade e muito menos para “criar” ver­dades inex­is­tentes.

Observo o estado atual do jor­nal­ismo, onde supos­tos jor­nal­is­tas incom­pe­tentes se envolvem em práti­cas antiéti­cas, como trair suas fontes, fazer print de con­ver­sas pri­vadas, divul­gar infor­mações fal­sas e enga­nar seus leitores. Ao com­parar isso com o jor­nal­ismo de 15 anos atrás, percebo que não era ape­nas uma época difer­ente, mas um mundo com­ple­ta­mente diferente.

No entanto, este não é o foco da minha discussão.

A par­tida de Wal­ter Rodrigues em 2010 deixou um vazio no jor­nal­ismo brasileiro que per­manece até hoje, e temo que nunca seja preenchido.

O mundo parece pros­perar em um mar de desin­for­mação, inter­esses ocul­tos e polar­iza­ção política.

A ver­dade deixou de ser um con­ceito obje­tivo e se tornou a ver­dade abso­luta e indi­vid­ual de cada um.

Cada indi­ví­duo, movido por suas próprias con­veniên­cias e inter­esses pes­soais, agora tem sua própria ver­são da ver­dade, que nada mais é do que um dis­farce para men­ti­ras, enganos e enganações.

Os 15 anos de ausên­cia de Wal­ter Rodrigues, que provavel­mente pas­sarão des­perce­bidos, tam­bém servem como um momento para refle­tir sobre essa situação.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A fome de cada um.

Escrito por Abdon Mar­inho


A fome de cada um.

Por Abdon C. Marinho.

UM AMIGO me alcança com uma inda­gação: —vistes que belo lança­mento do pro­grama “Maran­hão sem fome”, do gov­erno estadual?

Acom­pan­hei “de longe”, pas­sara a sem­ana pelo inte­rior e, tendo con­seguido ante­ci­par a pas­sagem de sexta para quinta-​feira, à noite, me esper­ava uma pauta longa no escritório. O que vi foi através de notí­cias de blogues ou de pub­li­cações em redes soci­ais dos partícipes.

Pelo pouco que vi, pareceu-​me um evento por­ten­toso com dire­ito à pre­sença de min­istro de estado, camise­tas alu­si­vas ao pro­grama, ambi­ente bem dec­o­rado com direto a ponto especí­fico onde as pes­soas pode­riam tirar fotos para divul­gação em seus canais de comu­ni­cação. Um evento tão grandioso que real­izado em um giná­sio esportivo – o maior da cap­i­tal.

Devo con­fes­sar que tenho “difi­cul­dades” com esse tipo de coisa.

Certa vez, durante um crise hídrica na cap­i­tal – que até hoje padece com esse tipo de prob­lema –, vi um secretário de estado dizendo que o prob­lema da falta d‘água na cidade estaria resolvido a par­tir de então enquanto pas­sava “em revista” uma frota de carros-​pipas.

Vendo a cena fiz uma per­gunta indisc­reta: —ei, já não seria hora da cap­i­tal do estado pos­suir um sis­tema de abastec­i­mento de água reg­u­lar garan­ti­ndo água na torneira de cada cidadão ao invés de abastecê-​los através de carro-​pipa como se fazia nos tem­pos de Ana Jansen?

Outra vez vi um gov­er­nador se mol­hando todo para inau­gu­rar em um dos rincões do estado um poço arte­siano. Sim, aquela comu­nidade ainda teria que ir até o cha­fariz bus­car a água que, como dire­ito básico, dev­e­ria estar disponível na torneira.

Uma outra vez vi deter­mi­nado prefeito aqui mesmo na grande ilha “fazendo festa” para inau­gu­rar uma sentina. Isso mesmo, uma sentina. Os mais jovens, sequer, deve con­hecer o termo.

Agora esta­mos “inau­gu­rando” mais um pro­grama de com­bate à fome ou a fome extrema. Longe de mim tecer crit­i­cas à ini­cia­tiva gov­er­na­men­tal, se as pes­soas estão pas­sando fome ou enganando-​a com “sopa de sal”, con­forme exibido dias desses em uma pro­pa­ganda insti­tu­cional, urge que se faça algo. Quem tem fome tem pressa.

Como disse, tenho difi­cul­dades com esse tipo de coisa. Essa difi­cul­dade é decor­rente de uma edu­cação rece­bida dos meus pais.

Fomos edu­ca­dos para não aceitar comida dos out­ros. Se chegasse o horário das refeições e estivésse­mos fora de casa éramos proibidos de aceitar qual­quer con­vite para almoçar, jan­tar, etc.

— Vamos almoçar? Vamos jan­tar? Não, obri­gado. Eu não estou com fome. O estô­mago pode­ria estar “ron­cando”.

Meu pai, homem rude do campo, anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira, acos­tu­mado ao tra­balho de sol a sol, cos­tu­mava dizer que esmola só era dev­ida aos cegos e alei­ja­dos. Assim mesmo, sem qual­quer pre­ocu­pação com o politi­ca­mente cor­reto, que na época não existia.

A “ver­gonha” maior não residia em dar a “esmola” mas em pre­cisar rece­ber, em ser inca­paz de prover o próprio sus­tento e da sua família.

O tempo pas­sou mas ainda hoje car­rego comigo esse hábito. As pes­soas me con­vi­dam para almoçar ou jan­tar ou mesmo quando ofer­e­cem algum coisa e não cos­tumo aceitar.

Os meus ami­gos de viagem por vezes se “zangam” com min­has recusas. Uma sen­hora ofereceu-​me umas gal­in­has gor­das; um sen­hor disse que iria me trazer umas pescadas ou camarões como gestos de gratidão por algo que fiz e que nem lem­bro mais. Não, não, muito obri­gado.

Assim, repetindo, tenho difi­cul­dades de aceitar que, em pleno século XXI, com o restante do mundo dis­cu­tido sobre tec­nolo­gia de ponta, os avanços da inter­net e da inteligên­cia arti­fi­cial, o nosso estado ainda esteja na “rabeira” em tudo que é indi­cador social e ainda “fazendo festa” para lança­mento de pro­grama de com­bate à fome, pior, a fome extrema, aquela que se o cidadão não comer vai mor­rer de fome.

A per­cepção que tenho, fazendo um para­lelo com a minha infân­cia rural, é que o Maran­hão ficou mais pobre. Deix­amos de ser o El dourado do nordeste para ser um fardo para o país. Só vin­cu­la­dos ao bolsa-​família temos 54% (cinquenta e qua­tro por cento) da pop­u­lação; além disso temos os diver­sos out­ros bene­fí­cios, como seguro-​defeso, aposen­ta­do­rias rurais, pé de meia, e tan­tos out­ros que não sabe­mos nem o nome.

Não é sem razão que as fraudes no INSS apon­taram o Maran­hão e o Piauí com a maior con­cen­tração de víti­mas – aqui se encon­tram o maior número pro­por­cional de ben­efi­ciários e nem todos legí­ti­mos.

Lá pelos anos cinquenta e sessenta o nosso estado era a promessa de vida mel­hor para mil­hares de reti­rantes fugi­dos da seca de out­ros esta­dos do nordeste.

Ainda hoje o estado pos­sui condições favoráveis que nen­hum outro estado pos­sui. Ainda temos rios; ainda temos solo rico; ainda temos riquezas nat­u­rais extra­ordinárias; ainda temo um litoral imenso; local para con­strução de por­tos com os maiores cal­a­dos do mundo; uma posição priv­i­le­giada em relação a linha do equador e tan­tas out­ras condições que pode­riam nos fazer uma potên­cia.

Se fize­mos uma com­para­ção com o que éramos nos anos cinquenta com o que somos hoje, ver­e­mos que nos últi­mos setenta e cinco anos o Maran­hão cresceu como rabo de cav­alo: para baixo.

Não é que o Maran­hão não tenha apre­sen­tado uma mel­hora aqui ou ali é os nos­sos avanços ficaram muito aquém das efe­ti­vas neces­si­dades para um desen­volvi­mento e cresci­mento sus­ten­tável.

Já disse em diver­sos out­ros tex­tos que no dia em que forem cor­ta­dos todos bene­fí­cios soci­ais metade da pop­u­lação maran­hense morre.

Vejam divulgou-​se recen­te­mente a renda per capita men­sal domi­cil­iar, o Maran­hão ficou em último lugar – acred­ito que exis­tisse mais um estado na fed­er­ação con­tin­uaríamos atrás. Esse tipo de pesquisa não con­sid­era que a renda per capita men­sal domi­cil­iar no estado é fic­tí­cia, ela não existe obje­ti­va­mente, o cidadão não gerou essa riqueza, ela é, em grande parte, fruto dos repasses do gov­erno fed­eral.

O lança­mento de um pro­grama de com­bate à fome extrema em um estado tão “rico” quanto o nosso é o ates­tado de que nos últi­mos setenta anos não fomos capazes de fazer o “dever de casa”.

Aqui, com meus botões, fico a pen­sar: será que as autori­dades públi­cas não dev­e­riam se per­gun­tar como cheg­amos a esse ponto de indigên­cia? Será que não se sen­tem nen­hum pouco respon­sáveis pela situ­ação do estado? Será que acham nor­mal um estado “rico” como o nosso osten­tar os piores indi­cadores soci­ais em tudo, a ponto de pre­cisar de um pro­grama de com­bate à fome? Será que não ficam “con­strangi­dos” aqui e lá fora em rep­re­sentarem um dos esta­dos mais pobres do Brasil ou acham tanta fome e mis­éria é nor­mal? Será que não dev­e­riam se per­gun­tar o que pode­riam fazer para mudar tal real­i­dade? Será que não dev­e­riam se per­gun­tar sobre a util­i­dade de seus mandatos diante da imutabil­i­dade da mis­éria do povo que dizem representar?

Sim, sen­hores dep­uta­dos, sen­hores senadores e demais autori­dades de todos os poderes, o que, obje­ti­va­mente, as excelên­cias estão fazendo para mudar a real­i­dade de um povo que ainda pre­cisa de um pro­grama estatal de com­bate à fome?

Com tan­tas inda­gações – que não sei respon­der –, me sobra um dilema uni­ver­sal: somos o estado mais pobre por que sem­pre tive­mos pés­si­mos rep­re­sen­tantes ou sem­pre tive­mos pés­si­mos rep­re­sen­tantes por ser­mos um estado pobre?

Fica esse dilema para reflexão semanal.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.