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Reflexões para a democracia

Escrito por Abdon Mar­inho

Reflexões para a democ­ra­cia.

Por Abdon C. Marinho*.

POUCO mais de três anos, se não me falha a memória, 10 de janeiro de 2021, escrevi sobre a ten­ta­tiva de insur­reição nos EUA. O texto teve como título “Os EUA vivem seu dia de República de Bananas” e abor­dava a gravi­dade que fora a invasão do Con­gresso Amer­i­cano pelos ali­a­dos do pres­i­dente der­ro­tado Don­ald Trump – insu­fla­dos, clara­mente, pelo próprio –, para impedi­rem a cer­ti­fi­cação do resul­tado das urnas e con­fir­mar a eleição de Joe Biden.

As ima­gens em tempo real da ação dos insur­rec­tos mostravam cenas típi­cas das republi­que­tas da América Cen­tral, América do Sul, do Caribe ou de alguma nação per­dida nos cafundós da África. Os par­la­mentares tiveram que ser reti­ra­dos às pres­sas do plenário para locais seguros, enquanto vân­da­los depre­davam tudo que encon­travam pela frente.

Quem em sã con­sciên­cia iria imag­i­nar tais cenas na nação que sem­pre foi recon­hecida pela solidez de sua democ­ra­cia? As cenas reme­tiam a tudo, menos que se está­va­mos assistindo a um aten­tado ao coração da democ­ra­cia amer­i­cana.

Ao saldo de tudo, qua­tro ou cinco mor­tos, dezenas de feri­dos e a certeza de que nem mesmo a democ­ra­cia mais impor­tante é con­sol­i­dada do mundo encontra-​se imune às ondas do rad­i­cal­ismo que alas­tra pelo mundo.

As forças de segu­rança iden­ti­ficaram e pren­deram os par­ticipes da “ten­ta­tiva de golpe” e justiça do país, até aqui, já con­de­nou e man­dou para cadeia (com penas altas) grande parte deles.

Uma comis­são do Con­gresso Amer­i­cano que apurou os fatos ocor­ri­dos em 06 de janeiro de 2021 apon­tou respon­s­abil­i­dade do ex-​presidente Trump que responde em diver­sos esta­dos as diver­sas acusações civis e crim­i­nais – inclu­sive a de aten­tar con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana –, mas que segue can­didato pelo Par­tido Repub­li­cano (com chances de vitória), ainda que seja con­de­nado por deli­tos de tamanha gravi­dade.

Dois anos depois da – por assim dizer –, “tomada do Capitólio” foi a vez da “graça” chegar nas ter­ras tupiniquins. Mil­hares de brasileiros “fan­tasi­a­dos” de patri­o­tas acharam que dev­e­riam invadir e depredar as sedes dos três poderes da República.

Na defesa dos que foram pre­sos – e alguns já con­de­na­dos a duras penas –, alegam que há excesso na apli­cação da lei; que aque­les atos foram ape­nas “um piquenique que deu errado”; que bader­nas como aquela Brasília já estava “cansada” de assi­s­tir.

Pois bem, lá atrás, acho que em mea­dos de 2022, escrevi um texto onde dizia que com a democ­ra­cia não se dev­e­ria brin­car, o título é mais ou menos esse, caso alguém deseje pesquisar.

Caso exam­inemos iso­lada­mente ape­nas os acon­tec­i­men­tos no dia 8 de janeiro de 2023, sabe­mos que aque­las pes­soas, soz­in­has, “armadas” com paus e pedras não teriam como “tomarem” o poder. Na ver­dade, acred­ito, que muitos não pas­saram de inocentes úteis uti­liza­dos como “bucha” para des­en­cadearem algo maior – que não acon­te­ceu.

A “baderna” era o estopim – ou a última car­tada de pressão –, para que out­ros agentes entrassem em ação e pro­moverem a rup­tura.

Hoje sabe­mos que gen­erais far­da­dos (ou de pija­mas) tra­ma­ram por um golpe de estado; sabe­mos que estes mes­mos – e out­ros –, tin­ham as demais insti­tu­ições da república como “inimi­gas”; sabe­mos que uma min­uta de golpe surgida lá atrás não se tratava ape­nas de um exer­cí­cio retórico; sabe­mos que a mobi­liza­ção, por sessenta dias, em frente aos quar­téis não era um movi­mento espon­tâ­neo; sabe­mos que empresários, mil­itares e tan­tos out­ros pres­sion­aram por uma rup­tura; sabe­mos que adver­sários políti­cos, autori­dades civis dos demais poderes e até ali­a­dos do então gov­erno estava, sendo bis­bil­ho­ta­dos e mon­i­tora­dos ile­gal­mente pela chamada “Abin para­lela”.

A ousa­dia foi tamanha que gravaram uma reunião para tratar de golpe de estado, virada de mesa, con­tato direto com o inimigo, e tudo mais.

Quem teve tempo – e dis­posição –, para assi­s­tir a “reunião do golpe” que foi disponi­bi­lizada pelo STF, deve ter perce­bido que, exceto pelas baixarias e palavrões, o “colóquio” faz lem­brar aque­les filmes da Segunda Guerra Mundial, onde os nazis­tas dis­cu­tiam sobre os pas­sos da guerra ou a solução final para os judeus, homos­sex­u­ais, ciganos, etc., enquanto degus­tavam pratos e bebidas ou fumavam um charuto.

Muito vaga­mente, até pelo que disse acima, me lem­brou o clás­sico “Vestí­gios do Dia”.

Esses dois exem­p­los, seja o amer­i­cano, seja o brasileiro, sevem para mostrar o quanto são frágeis os arran­jos democráti­cos na atu­al­i­dade.

Mesmo democ­ra­cias con­sol­i­dadas pas­sam por situ­ações como as que estão nar­radas.

Os seres humanos são capazes de tudo por suas próprias ambições. A prin­ci­pal dela é pelo poder. Não é de hoje a frase de que poder cor­rompe, o poder abso­luto cor­rompe abso­lu­ta­mente.

Nor­mal – mas não moral –, que aque­les que este­jam no poder não queiram deixá-​lo rel­a­tivizem as regras democráti­cas para não “largarem o osso”.

Mas a democ­ra­cia, como disse no texto já referido e repito aqui, é coisa séria, não com­porta deter­mi­na­dos “fetiches” e, talvez, pre­scinda de mecan­is­mos legais que a pro­teja de pro­je­tos autoritários.

Vejamos o ocor­rido nos EUA, à mín­gua de qual­quer prova, o pres­i­dente de plan­tão ale­gava fraudes inex­is­tentes para manter-​se no poder.

Esse “desejo” mobi­li­zou cidadãos rad­i­cais de todo o país e os fez invadir o pré­dio do con­gresso cau­sando a situ­ação descrita no iní­cio e que ren­deu no final daquele dia per­das de vidas humanas, e depois a prisão e con­de­nação de cen­te­nas deles.

Não canso de dizer que isso acon­te­ceu numa nação que tinha a democ­ra­cia solid­i­fi­cada há mais de 200 anos.

Nem mesmo essa solidez impediu o dia de ver­gonha amer­i­cana para o mundo. E é essa mesma solidez que per­mite ao ex-​presidente Trump que mesmo con­de­nado por acusações crim­i­nais diver­sas possa ser can­didato à presidên­cia nova­mente e até ser eleito.

No caso do Brasil, talvez pelos sus­tos que já pas­samos ao longo da nossa história repub­li­cana, temos mecan­is­mos que sus­pen­dem os dire­itos políti­cos em deter­mi­nadas situ­ações, como é o caso do ex-​presidente da República já inelegível até o ano de 2030, se out­ras con­de­nações não sur­girem na esteira das inves­ti­gações já em curso e aumentarem esse prazo.

Essas duas situ­ações em relação as democ­ra­cias amer­i­cana e brasileira são o objeto da minha primeira reflexão.

Muito emb­ora ainda este­jamos falando em tese, nada impede que Don­ald Trump ape­sar de clara­mente ter aten­tado con­tra a democ­ra­cia amer­i­cana con­corra e até venha a gan­har as eleições – sem qual­quer garan­tia de que não tente nova­mente pro­mover um golpe. Ele próprio já disse que gostaria de exercer poderes dita­to­ri­ais por um dia para fazer deter­mi­nadas coisas.

Ape­sar disso, pelo que tenho acom­pan­hado, a Suprema Corte daquele país vai cam­in­har no sen­tido de dizer que a pro­teção da democ­ra­cia é papel dos cidadãos amer­i­canos e não do Judi­ciário e que impedir que esse ou aquele cidadão – por mais grave que tenha sido os deli­tos cometi­dos –, tem o dire­ito de con­cor­rer as eleições porque impedir feriria os dire­itos dos cidadãos/​eleitores.

A Suprema Corte ainda não decidiu sobre a “eleg­i­bil­i­dade de Trump”, essa é uma con­jec­tura que faço.

Já no Brasil há várias pre­visões de ineleg­i­bil­i­dade dos seus cidadãos.

Quem estará certo?

Como pro­te­ger – e se deve­mos pro­te­ger –, as democ­ra­cias dos pro­je­tos de poder dos tira­nos?

Ainda que não seja opor­tuno “fechar questão” sobre o certo e o errado, os exem­p­los das democ­ra­cias que foram destruí­das “de den­tro pra fora” estão aí à vista de todos.

Eleição não é, por si, garan­tia de democ­ra­cia ou de liber­dade.

Vejo inúmeros defen­sores de ditaduras, de dire­ita ou de esquerda, diz­erem que o dita­dor fulano ou bel­trano foi eleito e que, por isso, tem a legit­im­i­dade para fazer o que quiser.

Não é assim que as coisas fun­cionam ou são.

O Iraque tinha eleições reg­u­lar­mente as quais Sad­dam Hus­sein gan­hava com quase cem por cento dos votos; na Cor­eia do Norte o líder supremo é ado­rado como um Deus; na Venezuela com eleições pre­vis­tas para esse ano (ainda sem data) os opos­i­tores foram excluí­dos do processo; na Rús­sia sequer se fala em opos­i­tor, o último grande nome, Alexey Navalny, foi morto na prisão aos 47 anos de idade. Nas eleições do próx­imo mês Putin dev­erá gan­har de “lavagem” e ficar no poder até os fins dos seus dias.

Navalny foi o último exem­plar de oposição russa com capi­lar­i­dade nacional – e por isso foi morto –, outro não sur­girá enquanto o auto­crata Putin não cair ou mor­rer.

E assim são tan­tos out­ros exem­p­los.

É dizer, repito, em tem­pos extremos, as democ­ra­cias, em todos os lugares, encontram-​se ameaçadas cabendo aos cidadãos de bem exercerem a vig­ilân­cia das liber­dades indi­vid­u­ais antes que sobreven­ham os males maiores.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Armários do saber.

Escrito por Abdon Mar­inho


Armários do saber.

Por Abdon C. Marinho*.

LEONEL BRIZOLA (19222004), politico que fez car­reira no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, cos­tu­mava dizer que a edu­cação não era cara, o que, efe­ti­va­mente, era cara era a ignorância.

Dizia isso, sobre­tudo, depois de, retor­nando do exílio, em 1979, e eleger-​se gov­er­nador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, ini­ciar o pro­grama dos Cen­tros Inte­gra­dos de Edu­cação Pública, os CIEP’s.

Há quarenta anos Brizola enx­er­gava a importân­cia da edu­cação de qual­i­dade na vida de cri­anças e na con­strução de um país.

Aliás, nas palavras de Mon­teiro Lobato: “uma nação se faz com homens e livros”.

Em meus vagares fico imag­i­nando se ao invés de crit­i­cas todos os gov­er­nantes do Brasil, do prefeito ao pres­i­dente, pas­sando pelos gov­er­nos estad­u­ais, tivessem seguido o exem­plo de Brizola e apos­tado com seriedade na edu­cação inte­gral de nos­sas cri­anças.

Estaríamos com tan­tos jovens amar­gando as incertezas da vida, da mar­gin­al­i­dade? Estaríamos com um país mel­hor? Teríamos nos lib­er­tado dos armários da ignorân­cia?

Outro que sem­pre cito ao falar ou debater sobre a edu­cação pública nacional, Cristo­vam Buar­que, dizia lá atrás, há mais de vinte anos, pelo menos, que o ensino fun­da­men­tal do país dev­e­ria ser fed­er­al­izado, ou seja, que o gov­erno fed­eral dev­e­ria “tomar de conta” e não os municí­pios.

Muito emb­ora, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, a edu­cação seja respon­s­abil­i­dade de todos – “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o tra­balho” –, a própria Carta esta­b­ele­ceu que os municí­pios pri­or­i­tari­a­mente atu­ar­iam na edu­cação infan­til e no ensino fun­da­men­tal; Esta­dos e Dis­trito Fed­eral, no ensino fun­da­men­tal e médio; e a União “o sis­tema fed­eral de ensino e o dos Ter­ritórios, finan­ciará as insti­tu­ições de ensino públi­cas fed­erais e exercerá, em matéria edu­ca­cional, função redis­trib­u­tiva e suple­tiva, de forma a garan­tir equal­iza­ção de opor­tu­nidades edu­ca­cionais e padrão mín­imo de qual­i­dade do ensino medi­ante assistên­cia téc­nica e finan­ceira aos Esta­dos, ao Dis­trito Fed­eral e aos Município”.

Em escritos mais recentes, Buar­que assenta que o prob­lema edu­ca­cional do país alicerça-​se na desigual­dade do sis­tema ensino que não ofer­ece as mes­mas opor­tu­nidades a todas as cri­anças e ado­les­centes; e ainda que os entes respon­sáveis dev­e­riam envi­dar os esforços necessários para que as cri­anças chegassem aos 08 (oito) anos de idade alfa­bet­i­zadas em pelo menos duas lín­guas.

Desde sem­pre que sou um entu­si­asta e defen­sor da edu­cação pública e de qual­i­dade. Fui dos que foi “pra rua” nos anos oitenta exigindo mel­ho­rias, que brigou pelas garan­tias de tal qual­i­dade e val­oriza­ção dos edu­cadores na Con­sti­tu­ição, que defendeu o FUN­DEF, o FUN­DEB e todas demais matérias rela­cionadas as mel­ho­rias do ensino no país. Logo, não estranho quando escuto sobre VAAT, VAAR, SAEB, ENEM, PISA e diver­sas out­ras siglas.

É dizer, não me é descon­hecido qual­quer tema rela­cionado à edu­cação nacional – talvez não saiba tanto quanto um pres­i­dente de sindi­cato que passa o dia inteiro estu­dando ou falando sobre o assunto, mas não passo “ver­gonha” –, ainda mais agora que por “ossos” do ofí­cio tenho o dever de con­hecer.

Faço tais digressões para pon­tuar que em mais quarenta anos de “mil­itân­cia” jamais tinha ouvido falar na “tese” com que deparei nos últi­mos dias.

À guisa de criticar a “per­for­mance” dos estu­dantes maran­henses no último Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, um dos can­didatos der­ro­ta­dos no último pleito estad­ual, em réplica ao secretário respon­sável pela pasta disse que o maior prob­lema do mesmo seria o fato dele (secretário) não se “assumir” conclamando-​o “a sair do armário”, que “ficaria mais bonito”.

Como estu­dioso (ou, ao menos, curioso) do assunto, nem na hora que me chegou a notí­cia ou mesmo decor­rido dias das exor­tações não con­segui “alcançar” a linha de raciocínio do “crítico”. Afi­nal, o que teriam os “armários” onde, suposta­mente, autori­dades se “guardariam” com os indi­cadores edu­ca­cionais?

Vejam, tanta gente por tanto tempo estu­dando alter­na­ti­vas para o drama edu­ca­cional brasileiro sem nem descon­fiar a solução seria tão sim­ples: abrir os armários.

Rapaz, ninguém pode­ria descon­fiar de tal coisa.

Na per­spec­tiva do opos­i­tor, imag­ino que todos os saberes este­jam den­tro dos armários junto com as autori­dades. Abrindo-​se se as por­tas dos armários para que as autori­dades pos­sam sair, os prob­le­mas edu­ca­cionais estarão resolvi­dos.

Os saberes “lib­er­a­dos” dos armários estarão disponíveis para as cri­anças e ado­les­centes e “choverão” notas altas nas avali­ações.

Será que o mesmo raciocínio fun­ciona para out­ras áreas do Estado?

Aber­tas as por­tas dos armários da infraestru­tura sur­girão viadu­tos, rodovias, estradas nov­in­has para per­cor­re­mos.

Aber­tas as por­tas dos armários da saúde, os hos­pi­tais públi­cos ficarão um pri­mor, não fal­tarão leitos ou vagas, os médi­cos estarão sem­pre disponíveis em quais­quer espe­cial­i­dades. É até pos­sível que ninguém mais nem adoeça.

Nessa mesma esteira podíamos fazer uma cam­panha “abaixo os armários”. Tudo seria muito mais fácil.

Resolvido: por um mundo sem armários!

Não é descabido pen­sar que na even­tu­al­i­dade do cidadão chegar ao poder algum dia ter­e­mos um gov­erno “sem armários”, um gov­erno “de por­tas aber­tas”. Se o cidadão entende que os prob­le­mas se resolve “sem armários”, não tem nada mais fácil de se resolver.

Se o leitor que chegou até aqui perce­beu que estou sendo irônico podemos continuar.

Já escrevi diver­sas vezes sobre a chamada “ofensa gay” – inclu­sive tem um texto com esse título –, dizendo que acho incom­preen­sível, em pleno século XXI, que pes­soas, públi­cas ou não, “tachem” out­ras gays, ou cobrem que se “assumam” ou que “saiam do armário” não intenção de “ofendê-​las”.

Mais, que pes­soas, públi­cas ou não, sintam-​se “ofen­di­das” por terem sido chamadas assim.

Ser gay é algo tão abom­inável a ponto ser uti­lizado como sucedâ­neo de ofensa?

As excelên­cia que se uti­lizam disso para “ofender” ou as que se sen­tem “ofen­di­das” dis­pen­sam os votos dessas pes­soas (da sopa de letrin­has) nas eleições?

Nesse der­radeiro episó­dio, que me parece, a “ofensa gay” foi uti­lizada para “ofender” – pois não con­sigo “enx­er­gar” lig­ação entre o resul­tado obtido no ENEM pelos estu­dantes da rede estad­ual com supos­tos armários onde, por­ven­tura, alguma autori­dade esteja homiziada –, a reação no campo “oposto” pelo menos indi­re­ta­mente, foi de quem a rece­beu como “ofensa” – basta ver a reação dos diver­sos escribas alin­hados ao “ofen­dido” que saíram em defesa do mesmo acu­sando o “ofen­sor” de “baixaria”.

Então ficamos assim: de um lado pes­soas que uti­lizam, insin­uam sobre a condição sex­ual de out­rem na intenção de ofender; de outro, pes­soas que recebem tais insin­u­ações como “ofen­sas”; no meio, cri­anças e ado­les­centes que ape­nas querem uma edu­cação igual­itária e de qual­i­dade.

Os armários que inter­es­sam a essas cri­anças e ado­les­centes são os armários das esco­las onde pos­sam guardar seus mate­ri­ais didáti­cos, para­didáti­cos, esportivos, etc., de prefer­ên­cia em esco­las onde pos­sam pas­sar o dia inteiro estu­dando e apren­dendo.

Fora desses out­ros não inter­es­sam a elas.

O que nos resta é a tor­cida para que algum dia as pes­soas se lib­ertem dos seus armários da ignorân­cia e come­cem a tratar as pes­soas com a seriedade que é dev­ida por todos a todos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

A morte do livreiro.

Escrito por Abdon Mar­inho

A morte do livreiro**.

Por Abdon C. Marinho*.

RAIMUNDO NETO, sócio há mais de um quarto de século e amigo há mais de trinta anos, no fim da tarde de segunda-​feira, 15 de janeiro, sem qual­quer comen­tário adi­cional, me enviou um “card”, uma espé­cie de bil­hete da mod­ernidade. Ele trazia o informe da “pas­sagem” do amigo Osmar Neres para o outro plano.

Aos ami­gos que estavam na sala no momento em que recebi a “noti­fi­cação fúne­bre” e aos fun­cionários (acho que só a secretária Rosân­gela Sales ainda estava pre­sente) repeti diver­sas vezes: — o Osmar par­tiu; o Osmar mor­reu …

Era como se eu mesmo quisesse convencer-​me das palavras que saiam da minha boca.

O fato ocor­reu no próprio dia 15 e aquela hora, pela pro­gra­mação con­tida no “card” já estava acon­te­cendo o depósito do corpo no der­radeiro local de des­canso.

Não tive a opor­tu­nidade de ir ao velório ou enterro dar os pêsames aos famil­iares ou mesmo um abraço fraterno.

No iní­cio da noite, quando voltava para casa em um carro de aplica­tivo já que o sen­hor Afrânio Mangueira está em gozo de férias, pen­sava nos momen­tos que pas­sei com o saudoso amigo, nos­sas con­ver­sas e “nego­ci­ações” em torno de livros.

No dia seguinte, antes de pegar a estrada para via­jar para o inte­rior, encon­trei com o sócio Raimundo Neto que disse que tão logo soube da notí­cia do pas­sa­mento de Osmar só lem­brou de mim.

Durante a viagem para o oeste do estado, região do Gurupi, emb­ora entretido pela con­versa dos cole­gas ou pela trilha sonora que tocava no carro, enquanto con­tem­plava o vastidão da estrada, aqui e ali, pon­tu­ada por uma cruz ou um marco qual­quer, lem­brava da perda do amigo.

Con­heci Osmar ainda no primeiro ou segundo ano de tra­balho na Assem­bleia Leg­isla­tiva, 19911992.

Ele pas­sara por lá para vender livros para o dep­utado Juarez Medeiros. Como o dep­utado não estava acabamos con­ver­sando com ele me con­ven­cendo a com­prar “Os Ser­mões”, do padre Antônio Vieira, finís­sima coleção em papel Bíblia, da Edi­tora Nova Aguilar. Foi a primeira grande obra adquirida com o suor do meu tra­balho.

Acho que gastei mais da metade do salário e ainda ficaram os parce­las a perder de vista.

Assim, quase todos os meses Osmar apare­cia pelo gabi­nete para rece­ber uma parcela de um livro ou coleção ou para vender mais livros.

Foi com essa “estraté­gia” que me vendeu inúmeros livros.

Durante mais de trinta anos, quase que todos os meses, Osmar me “vis­i­tava”. Na Assem­bleia, na Col­iseu, nos comitês políti­cos, no escritório do edifí­cio Los Ange­les e, nos últi­mos vinte anos, no escritório da Rua dos Pin­heiros.

Nesse tempo todo acabou ficando amigo dos cole­gas sócios e das pes­soas que tra­bal­ham comigo há mais uma ou duas décadas.

As meni­nas, prin­ci­pal­mente elas, já infor­mavam pelo inter­fone: — o seu Osmar está aqui.

Ao que eu respon­dia: — já diga ele que não quero com­prar livro algum, que o din­heiro acabou, mas diga ele para entrar.

Chegava e dizia: – guardei para você, por exem­plo, “Obras de Luis de Camões”, tra­balho finís­simo de Lello & Irmãos — Edi­tores, direto da Rua das Irmãs Carmeli­tas, Porto, Por­tu­gal.

Fazia assim sem­pre que que­ria me fazer uma venda.

Como amante dos livros não resis­tia. Brigá­va­mos pelos preços, eu querendo pagar menos e ele argu­men­tando: — Abdon, veja que obra mag­ní­fica, que papel fino … esse papel Bíblia nunca será con­sum­ido por traças ou cupins. É difer­ente de uma obra em papel comum. E o con­teúdo, nem se fala.

Cada livro uma “briga”, uma conta nova.

E vieram as obras de Machado de Assis, João Guimarães Rosa, Charles Baude­laire, Oscar Wilde, Mário de Sá Carneiro, Fer­nando Pes­soa, Olavo Bilac, José Lins do Rêgo, Vini­cius de Moraes, Eça de Queiroz … e tan­tos out­ros. Brasileiros, por­tugue­ses, france­ses, rus­sos, ingle­ses … pelas mãos de Osmar esses gênios da lit­er­atura dividi­ram espaço em minha estante e mente.

Todas essas obras em papel bíblia e invari­avel­mente das edi­toras Nova Aguilar e Lello & Irmãos Editores.

Em 2015, uma tragé­dia sem víti­mas fatais me atingiu: um incên­dio domés­tico levou parte dos meus livros raros. Como ia adquirindo-​os no for­mato nar­rado acima ao longo (a época) de um quarto de século, não tinha noção do que havia per­dido ou dos val­ores das obras.

Osmar bus­cou nos seus reg­istros e passou-​me a relação das obras e os val­ores das mes­mas para que pudesse jun­tar na ação judi­cial de ressarci­mento.

Infe­liz­mente, nesse tipo de acon­tec­i­mento, mesmo uma obra nova não é capaz de preencher o vazio deix­ado pela história do que se perdeu. Aquele livro, aquele disco, tem uma história que vai muito além do valor de tê-​lo adquirido. São tam­bém os momen­tos que se dedi­cou à leitura ou ao ouvi-​lo, as histórias daque­les momen­tos.

Em 1991, quando adquiri a primeira coleção de os ser­mões (adquiri duas) acon­te­cia isso ou aquilo, estava bem, pen­sava assim ou assado. Quando “chegou” aquele disco o ouvi pela primeira vez na pre­sença de fulano ou sicrano, falá­va­mos sobre isso …

Quando “perdemos” essas coisas é como se perdêsse­mos, tam­bém, parte da nossa história.

O lev­an­ta­mento das obras per­di­das (que con­seguimos lem­brar, alcançaram quase 100 mil, se cor­ri­dos os val­ores) mas o valor afe­tivo era incal­culável.

Sabedor disso e do quanto ficara abal­ado com a perda de parte sig­ni­fica­tiva da bib­lioteca, Osmar foi a minha casa e levou con­sigo tudo que con­seguimos tirar do incên­dio. Meses depois me devolvia pelo menos uma parte dos livros que con­sid­erá­va­mos não ter sal­vação. Soz­inho, em sua livraria, ele fiz­era o tra­balho de “recon­strução” dos meus livros, tro­cou as capas, cos­turou partes, cor­tou fol­has chamus­cadas pelo fogo … e tudo mais – o tra­balho ficou tão bom que pedi a ele para fazer a encader­nação de um livro que gan­hara do extinto jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues.

As obras recu­per­adas por Osmar trazem con­sigo as mar­cas de uma tragé­dia mas são, tam­bém, a com­pro­vação de uma história de amizade e de amor aos livros.

Quando findou a pan­demia liguei para saber como estava e para convidá-​lo para bater um papo, já infor­mando que não com­praria nada dessa vez.

Osmar foi o “estranho” que fez parte da minha … da nossa vida …

Em meio a tan­tos assun­tos que pode­ria escr­ever hoje – ou nesse fim de sem­ana –, sobre política, equívo­cos, baixarias, etc., me pare­ceu mais ade­quado e inspi­rador ren­der hom­e­na­gens a um amigo muito querido.

Ao escr­ever sobre A morte do livreiro – os mais aten­tos devem ter perce­bido –, faço como a recor­dar outra obra que ele me vendeu e que, provavel­mente, perdeu-​se no incên­dio, “A morte do caixeiro-​viajante”, de Arthur Miller, autor amer­i­cano.

Osmar foi meu “livreiro-​viajante” durante mais de três décadas foi a todos os lugares onde tra­bal­hei me vender livros à vista ou fiado em conta que teve data de aber­tura mas nunca de encer­ra­mento, como fazem mesmo os caixeiros-​viajantes pelo Brasil a fora.

Quando, no dia seguinte à morte do livreiro, falá­va­mos sobre o acon­tec­i­mento o sócio Raimundo Neto, acos­tu­mado as nos­sas “brigas” em torno dos livros, per­gun­tou se no final de tudo quem ficara devendo a quem.

Apu­rando na conta-​corrente da vida, cer­ta­mente fiquei eu deve­dor de Osmar Neres, não finan­ceira­mente (acredito)x, mas por tudo que ele me trouxe de con­hec­i­mento e de boas lem­branças.

Enquanto escrevo esse texto, e sou “assis­tido” por tan­tos autores que ele me trouxe, só aumenta a minha certeza nisso.

*Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

**A morte do livreiro é uma sin­gela hom­e­nagem ao amigo Osmar de Oliveira Neres (23÷12÷194815/​01/​2024).