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Eleição na Assembleia

Escrito por Abdon Mar­inho

Eleição na Assembleia.

Nos “senad­in­hos” da cidade, nas salas de espera, nos bares, nos jor­nais e blogues um dos assun­tos mais visa­dos tem sido a eleição da Casa de Manoel Bequimão e os seus pos­síveis des­do­bra­men­tos – o não. Pud­era, a eleição (reeleição) teve dois empates com a atual pres­i­dente “levando” no critério da idade e des­en­cade­ando uma série de especulações.

Aí, não mais que de repente todos tem uma opinião para expres­sar ou uma tese jurídica para vender.

Um amigo me indaga: –– não vais falar sobre isso?

Respondo: –– já falei sobre o assunto.

Ele retruca com ares de supresa: –– é mesmo?!?

Na ver­dade tratei do assunto em 5 de maio de 2019. Foi naquela época, quando assunto não inter­es­sava à ninguém e não era motivo de “polêmica” nas “rodas” polit­i­cas e jurídi­cas do estado alertei a todos sobre o que acon­te­cia com a tol­erân­cia e o silên­cio obse­quiosos de todos.

Leia a o texto.

ASSEM­BLEIA BOLIVARIANA

Por Abdon Mar­inho.

NÃO SE ENGANEM pelo título. Esse texto não tratará das des­graças que cas­tigam nos­sos irmãos venezue­lanos – antes fosse –, falare­mos de um assunto bem mais próx­imo de nós que a maio­ria dos leitores e, com certeza, os cidadãos não sabem. E não sabem porque o assunto vem sendo tratado com inco­mum discrição.

Há pouco mais de uma sem­ana – no máx­imo duas –, li uma matéria dando conta que a Assem­bleia Leg­isla­tiva do Maran­hão, iria realizar eleições para sua mesa dire­tora. Ini­cial­mente, pen­sei tratar-​se de um engano, pois em fevereiro ocor­rera a eleição.

Reli a matéria e, aí, com­preendi que já estavam falando da eleição da mesa para o segundo biênio desta leg­is­latura (2021÷2022).

Impressionou-​me a veloci­dade com que suas excelên­cias trataram da questão. Mal os novos dep­uta­dos assumi­ram, sequer tiveram tempo de dizer a que vieram e já vão eleger a mesa que con­duzirá os tra­bal­hos leg­isla­tivos a par­tir de 2021.

Segundo soube, a matéria já trami­tou e a eleição poderá ocor­rer a qual­quer momento.

Nada tenho con­tra a atual mesa (ou mesmo os demais par­la­mentares) – até por que não os con­heço –, mas me pre­ocupa, sobre­maneira, que este tipo de casuísmo ocorra.

Primeiro, pelo que me con­sta, mudaram a regra, per­mitindo a que a dita eleição ocor­resse no ano ante­rior; agora, que já ocorra no primeiro ano da leg­is­latura; a próx­ima será que per­mi­tir que real­izem a eleição para os dois biênios de forma simultânea?

Ora, pelo que se anun­cia como ver­dade, a eleição ocor­rerá com pouco mais de sessenta dias do iní­cio da leg­is­latura, o que impede, o que na próx­ima mar­quem para ocor­rer de uma só vez, e se faça letra morta o entendi­mento constitucional?

Na história do Brasil, todas as con­sti­tu­ições, desde a do Império, até a de 1967 – e depois a Emenda Con­sti­tu­cional n. 01, de 1969 –, deixaram tal assunto para os reg­i­men­tos inter­nos das Casas Leg­isla­ti­vas.

Quase todas seguiram à linha da Con­sti­tu­ição de 1934 que esta­b­ele­cia: “Art 26 — Somente à Câmara dos Dep­uta­dos incumbe eleger a sua Mesa, reg­u­lar a sua própria polí­cia, orga­ni­zar a sua Sec­re­taria com observân­cia do art. 39, nº 6, e o seu Reg­i­mento Interno, no qual se asse­gu­rará, quanto pos­sível, em todas as Comis­sões, a rep­re­sen­tação pro­por­cional das cor­rentes de opinião nela definidas”.

Ape­sar de não con­star na Con­sti­tu­ição, desde a insta­lação do Par­la­mento Brasileiro, em 1826, a regra tem sido que as Mesas Dire­toras não se “per­petuem no comando”. Desde a cri­ação do par­la­mento, poucos foram os pres­i­dentes que ficaram na presidên­cia da Câmara Fed­eral mais que um biênio. Mesmo durante a longa noite da ditadura.

Nos raros casos que isso se deu – salvo uma ou outra exceção –, não ocor­reu den­tro da mesma leg­is­latura, podemos citar como exem­p­los recentes, o caso de Ulysses Guimarães (85 e 87; 87 e 89) e do atual pres­i­dente Rodrigo Maia (que assumiu para um mandato “tam­pão” em 2016, depois se elegeu para o biênio seguinte e agora, foi eleito para o biênio 20192020).

Em todos os casos, a regra tem sido até admitir-​se a eleição seguida da mesa em caso de mudança de leg­is­latura quan­tos os mandatos foram ren­o­va­dos pelo voto.

Ainda assim, entendo que não dev­e­riam per­mi­tir casuís­mos como o que se deu com o atual pres­i­dente Rodrigo Maia.

A regra esta­b­ele­cida com a pro­mul­gação da Con­sti­tu­ição de 1988, é bas­tante clara e ela esta­b­elece: “Art. 57. O Con­gresso Nacional reunir-​se-​á, anual­mente, na Cap­i­tal Fed­eral, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezem­bro. (Redação dada pela Emenda Con­sti­tu­cional nº 50, de 2006).

§ 4º Cada uma das Casas reunir-​se-​á em sessões preparatórias, a par­tir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da leg­is­latura, para a posse de seus mem­bros e eleição das respec­ti­vas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recon­dução para o mesmo cargo na eleição ime­di­ata­mente sub­se­qüente. (Redação dada pela Emenda Con­sti­tu­cional nº 50, de 2006)”.

Com tal orde­na­mento o leg­is­lador con­sti­tu­inte pre­tendeu que a rep­re­sen­tação da Casa do Povo fosse sem­pre ren­o­vada, per­mitindo a ampla par­tic­i­pação de todas as cor­rentes e/​ou mino­rias, e ainda, que a cor­re­lação de forças pudessem ser alter­adas na vigên­cia das leg­is­lat­uras.

Não fosse assim, pode­ria esta­b­ele­cer que os mandatos das mesas dire­toras das casas leg­isla­ti­vas fos­sem de qua­tro anos.

A regra inserta no pará­grafo quarto é jus­ta­mente o con­trário disso: vedando a recon­dução para o mesmo cargo na eleição ime­di­ata­mente sub­se­quente, como vimos acima.

No Maran­hão, onde tudo pode acon­te­cer, e segundo Vieira, até os céus mentem, trataram de “des­cumprir” a regra inserta na Con­sti­tu­ição Fed­eral, per­mitindo através das suces­si­vas Emen­das Con­sti­tu­cionais de nº. 20, 40 e 60, de 21 de dezem­bro de 2010, no apa­gar das luzes, que pudesse haver a pos­si­bil­i­dade de reeleição infini­ta­mente.

Vejamos: “Art. 29 – A Assem­bleia Leg­isla­tiva reunir-​se-​á, anual­mente na Cap­i­tal do Estado, de 02 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezem­bro. (mod­i­fi­cado pelas Emen­das à Con­sti­tu­ição no 14 e no 49, de 30/​05/​2006).

§ 3o — A par­tir de 1o de fevereiro, no primeiro ano da Leg­is­latura, a Assem­bleia Leg­isla­tiva reunir-​se-​á em Sessões Preparatórias, para a posse de seus mem­bros e eleição da Mesa Dire­tora para o mandato de dois anos, per­mi­tida a reeleição. (mod­i­fi­cado pelas Emen­das à Con­sti­tu­ição nº. 20, nº. 40 e nº. 60, de 21/​12/​2010)”.

Em resumo, o que os par­la­mentares maran­henses fiz­eram – e con­tin­uam fazendo –, foi per­mi­tir o surg­i­mento de uma estru­tura de poder arcaica, anti­democrática e que nos remete ao que existe de mais atrasado no mundo, sobre­tudo, agora com a pos­si­bil­i­dade de eleições, como se dizia lá no sertão, “encan­gadas”, sem per­mi­tir que o tempo mod­i­fiquem as cor­re­lações de forças e humores e, ainda, com o risco de se tornarem úni­cas.

Com uma res­olução leg­isla­tiva “enges­saram” o par­la­mento e des­cumpri­ram o que dese­jou o leg­is­lador con­sti­tu­inte orig­inário.

Ora, enquanto o atual pres­i­dente con­seguir o voto para se eleger – o que não será difí­cil com os suces­sivos acú­mu­los de força política decor­rente do cargo –, será sem­pre o pres­i­dente do par­la­mento estad­ual.

Como disse, nada tenho con­tra o cidadão, até porque não o con­heço, o prob­lema é que isso atenta con­tra as mais comez­in­has nor­mas democráti­cas e a exper­iên­cia é sen­hora que isso sem­pre trouxe prob­le­mas, den­tre os quais o “enfraque­c­i­mento” dos demais deputados.

Quando se fala em lim­i­tação de mandatos par­la­mentares como forma de se reduzir dis­torções e o pat­ri­mo­ni­al­ismo, a ideia de alguém poder se eleger infini­ta­mente ao comando de um par­la­mento é algo ver­dadeira­mente absurdo.

A per­pet­u­ação no poder, repito, é incom­patível com os ideais democráti­cos que tanto son­hamos e ansi­amos.

É algo que com­bina com os regimes autoritários, com as ditaduras comu­nistas, boli­var­i­anas – ou não –, que tan­tos males causaram a humanidade.

É algo que se assemelha ao mod­elo da antiga União Soviética em que o Secretário-​geral do Par­tido Comu­nista ficava no poder man­dando em todo país até a morte.

Mas o Brasil e o Maran­hão não é e não têm “inveja” de tais mod­e­los. Não podemos dese­jar a implan­tação de um mod­elo anti­democrático por aqui.

O que me causa espanto diante desse cenário, não é a con­spir­ação dos políti­cos con­tra a democ­ra­cia é o silên­cio das demais insti­tu­ições do estado e dos demais cidadãos.

Até agora o Min­istério Público Estad­ual, que “ se mete” até em jogo de cas­tanha no inte­rior, diante do que vem se con­sol­i­dando, não temos notí­cia de ter dito nada, cobrado um esclarec­i­mento ou ten­tado bar­rar as ini­cia­ti­vas anti­democráti­cas pela via judi­cial, que aliás, começaram lá atrás. Falta uma Con­sti­tu­ição ao fis­cal da lei?

Nunca ouvi dizer que con­trariar a Con­sti­tu­ição é regra “interna corporis”.

Mas o silên­cio, parece não ser priv­ilé­gio do MPE, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB, que, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição tem um papel rel­e­vante – não é sem razão o “Art. 133. O advo­gado é indis­pen­sável à admin­is­tração da justiça, sendo invi­o­lável por seus atos e man­i­fes­tações no exer­cí­cio da profis­são, nos lim­ites da lei” –, tam­bém não tem nada a dizer, deve achar tudo “bonito” ou que não tem nada com isso.

Aliás, quem parece não ter “nada com isso” é a imprensa, não falo da oposição porque esta ou deixou de exi­s­tir ou sim­ples­mente não sabe qual é o seu papel. Já a imprensa não, ela pos­sui garan­tias con­sti­tu­cionais para exercer um papel crítico e ser a voz da sociedade. Ape­sar disso devota um silên­cio cúm­plice a estas for­mas de desmandos.

O que Assem­bleia vem fazendo já trazem reflexos para os par­la­men­tos munic­i­pais, com todo tipo de manobras sendo feitas para manip­u­lar as eleições nos coman­dos das Câmaras Munic­i­pais, sendo que muitas delas só estão se resol­vendo con­forme os “humores” do Poder Judi­ciário.

Essa bal­búr­dia começou lá atrás, com as suces­si­vas alter­ações na Con­sti­tu­ição Estad­ual, para aten­der o “inter­esse da hora”, con­forme já expli­camos.

A sociedade pre­cisa ficar atenta ao que vem ocor­rendo para não acabar endos­sando as práti­cas espúrias que sem­pre combateu.

Abdon Mar­inho é advo­gado.

A atraso do atraso ou a investida con­tra o aborto legal no Brasil.

Escrito por Abdon Mar­inho

A atraso do atraso ou a investida con­tra o aborto legal no Brasil.

Por Abdon C. Marinho.

COMO sabem os leitores dessa col­una, não cos­tumo falar sobre pes­soas nesse espaço, rara­mente faço isso e, sem­pre, den­tro da exigên­cia de algum con­texto especí­fico da história, da política, etc.

Hoje a neces­si­dade clama por mais uma exceção.

Exceto um público bem especí­fico e restrito já ouviu falar ou con­hece a história de Fran­cisco Luis da Silva Cam­pos (18911968), mais con­hecido por Fran­cisco Cam­pos ou, ainda, Chico ciên­cia, dev­ido a sua extra­ordinária capaci­dade int­elec­tual.

Fran­cisco Cam­pos, pro­fes­sor e jurista, foi secretário de edu­cação de Minas Gerais, min­istro da edu­cação do gov­erno rev­olu­cionário de Getúlio Var­gas, sendo o respon­sável por grande parte leg­is­lação que reg­ula a edu­cação no país dos anos trinta do século pas­sado para cá.

Podemos dizer que Fran­cisco Cam­pos é um dos pais, senão o “pai” da dire­ita brasileira. Foram suas ideias autoritárias, muitas delas trans­for­madas em leis, que deram sus­ten­tação jurídica ao Estado Novo, de Getúlio Var­gas.

Foi Fran­cisco Cam­pos, como min­istro da justiça de Var­gas que elaborou soz­inho a Con­sti­tu­ição Fed­eral de 1937, apel­i­dada de “polaca” por seu viés autoritário e fascista de inspi­ração na con­sti­tu­ição polonesa de 1935. Em 1964 foi ele quem redigiu o Ato Insti­tu­cional nº. 1, aquele que implan­tou a ditadura.

Em out­ras palavras, foi um dos maiores ideól­o­gos autoritários do Brasil.

Pois bem, é, tam­bém, do insus­peito Fran­cisco Cam­pos, o antepro­jeto do Código Penal Brasileiro, de 1940 (é de sua auto­ria ainda o antigo CPP).

Com base em seu antepro­jeto o pro­fes­sor paulista de Piraci­caba, senador até 1937, José Alcân­tara Machado (18751941), apre­sen­tou o pro­jeto de Código Penal Brasileiro, de inspi­ração no Código Penal Ital­iano o que lhe dava muitas car­ac­terís­ti­cas do fas­cismo.

Esse pro­jeto de lei foi sub­metido a uma comis­são téc­nica com­posta pelos juris­tas Nel­son Hun­gria (18911969) , Vieira Braga, Nar­célio de Queirós (19031961), Roberto Lira 19021982), que deram a redação final ao Decreto-​lei depois sub­metido a Fran­cisco Cam­pos, min­istro da justiça que levou a Getúlio Var­gas para a sanção.

As biografias dos autores, inspi­radores e/​ou respon­sáveis pelo Código Penal Brasileiro, de 1940, estão aí, à dis­posição de todos.

Uns mais out­ros menos acom­pan­ham as nos­sas vidas desde que entramos na fac­ul­dade e como advo­ga­dos ou indi­re­ta­mente como “tip­i­fi­cadores” das con­du­tas do nosso dia a dia na esfera civil ou penal.

O quase cen­tenário Código Penal foi elab­o­rado por essas pes­soas que nada tin­ham de lib­erais, muito pelo con­trário, ainda assim, com a cabeça que tin­ham naquela época, enten­deram ser razoável colo­car na lei penal a exclu­dente de ilic­i­tude para os abor­tos cometi­dos quando a gravidez rep­re­senta risco de vida à mãe ou em caso de estupro.

Vejam o artigo 128 do Código Penal tem quase cem anos com a mesma redação: Art. 128 — Não se pune o aborto prat­i­cado por médico: ABORTO NECESSÁRIO I — se não há outro meio de sal­var a vida da ges­tante; ABORTO NO CASO DE GRAVIDEZ RESUL­TANTE DE ESTUPRO II — se a gravidez resulta de estupro e o aborto é pre­ce­dido de con­sen­ti­mento da ges­tante ou, quando inca­paz, de seu rep­re­sen­tante legal.

Fiz questão de trazer para o texto os autores do cen­tenário Código Penal para que os leitores sabendo quem são – e se quis­erem, pesquisem um pouco mais sobre suas vidas –, para que vejam que, além de pos­suírem capaci­dade int­elec­tual inques­tionável (goste­mos deles ou não, con­cordemos com seus ideais ou não) nen­hum deles era “abortista”, comu­nista ou mesmo lib­eral.

Ainda assim, há quase cem anos, enten­deram de colo­car na lei um dis­pos­i­tivo que fosse exclu­dente de ilic­i­tude nos casos de aborto.

O aborto legal no Brasil, repito, a exceção do aborto de fetos anencé­fa­los, tem quase cem anos ou seja, em uma época em que o país ainda era essen­cial­mente patri­ar­cal, reli­gioso, rural, etc., ainda assim esses juris­tas enten­deram que seria, necessário colo­car essa regra de pro­teção às mul­heres.

Desde então, sem maiores alardes, sem qual­quer polêmica, nunca nem se dis­cu­tiu isso. A regra penal sem­pre foi con­sid­er­ada razoável.

Décadas depois, o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, em decisão unân­ime, esten­deu a exclusão de ilic­i­tude para o aborto de fetos anencé­fa­los (sem cére­bro).

Não have­ria neces­si­dade de tratar disso nova­mente se a Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça da Câmara dos Dep­uta­dos não tivesse deci­dido aprovar uma emenda con­sti­tu­cional que crim­i­nal­iza todo tipo de aborto no país.

Grosso modo, as excelên­cias que, cer­ta­mente, nunca ouvi­ram falar nos juris­tas acima, decidi­ram que a mul­her que ficar grávida, mesmo que morra ou corra risco de mor­rer durante a gravidez ou parto, não pode de forma alguma inter­romper a gravidez; a mul­her, menina ou ado­les­cente que for estuprada tem o dever de car­regar o fruto do estupro no ven­tre e até mor­rer, se for o caso, para dar-​lhe à luz.

Já tratei desse assunto em out­ros texto.

Não sou a favor do aborto – acred­ito que mesmo as mul­heres que por alguma con­tingên­cia sejam obri­gadas a praticar um aborto sejam –, entre­tanto, imag­ino que falte um pouco de bom senso as excelên­cias ao aprovarem uma regra con­sti­tu­cional que tem como propósito crim­i­nalizar mul­heres, ado­les­centes ou mesmo cri­anças que diari­a­mente já sofrem todos os tipos de vio­lên­cias.

As mul­heres do Brasil não estão pro­te­gi­das da vio­lên­cia den­tro de casa, nas esco­las, nos espaços públi­cos, em nen­hum lugar. Sofrem vio­lên­cia diari­a­mente, inclu­sive, das pes­soas que dev­e­riam pro­te­ger.

A vio­lên­cia domés­tica e de gênero ocorre em todos os espaços sem que as autori­dades sejam capazes de puni-​la ou coibi-​la e, prin­ci­pal­mente, de evitá-​la. Muito pouco ou quase nada é feito para aju­dar as mul­heres nas suas lutas ou tragé­dias diárias.

Imag­ino que essa aprovação da crim­i­nal­iza­ção con­sti­tu­cional do aborto seja mais uma “con­tribuição” do estado brasileiro a já tão difí­cil situ­ação das mul­heres no nosso país.

Não deixa de ser irônico que homens bran­cos, patri­ar­cais, con­ser­vadores ao extremo, parte deles nasci­dos no século XIX, ten­ham tido uma visão mais bené­fica as mul­heres ao escreverem o Código Penal do que os nos­sos par­la­mentares de agora.

Mais irônico ainda que essa crim­i­nal­iza­ção con­sti­tu­cional do aborto (i)legal tenha con­tado com a con­tribuição de diver­sas mul­heres na CCJ pre­si­dida e co-​presidida por “mul­heres”.

O que jus­ti­fica que homens bran­cos, con­ser­vadores, patri­ar­cais, autoritários, nasci­dos no século XIX ten­ham se pre­ocu­pado mais com a condição fem­i­nina há cerca de cem anos que a maio­ria os nos­sos par­la­mentares na CCJ de agora?

Arrisco dizer que os moveu tenha sido o desejo de fazer leis que durassem e aten­dessem as neces­si­dades do país de então e de agora e não faz­erem das leis um instru­mento de guerra política e ide­ológ­ica.

Essa, talvez, seja a difer­ença.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Reflexões sobre a finitude.

Escrito por Abdon Mar­inho


Reflexões sobre a finitude.

Por Abdon C. Marinho.

ACORDEI com uma musiquinha na cabeça “Quando eu mor­rer /​Não quero choro, nem vela/​Quero uma fita amarela/​Gravada com o nome dela”, é do samba do imor­tal Noël Rosa, do qual só lem­bro a primeira estrofe e que aprendi com a música do tam­bém imor­tal Nel­son Gonçalves.

Emb­ora com diver­sos assun­tos “pau­ta­dos na mente” decidi escr­ever sobre a fini­tude da vida.

Difer­ente de muitos ami­gos e/​ou con­heci­dos que até evi­tam falar sobre a única certeza que temos – a de que ao nasce­mos, com vida, já gan­hamos o bil­hete da par­tida –, esse assunto não me é um “tabu”, devo dizer que até gosto de falar sobre ele.

A ela, com­pan­heira da qual nessa pas­sagem ninguém pode fugir, ape­nas peço que me con­ceda a graça da serenidade da par­tida, sem dores e/​ou sofri­mento – de resto está tudo bem.

Nas man­hãs de nos­tal­gia, cos­tumo con­ver­sar com o sen­hor Afrânio a cam­inho do escritório – como o cam­inho é longo e os assun­tos escas­sos –, faze­mos exer­cí­cios para o futuro dizendo um ao outro que daqui 20, 30, 50 ou 100 anos, nada do que ocupa nos­sas pre­ocu­pações terá qual­quer importân­cia, com sorte talvez sejamos um retrato na parede ou uma vaga lem­brança de algum ente querido ou de seus suces­sores.

Dando asas à imag­i­nação, Afrânio diz que os bis­ne­tos ou tatarane­tos da cri­anças que encon­tramos na estrada ao cam­inho da escola olharão para meu o meu sítio e dirão: — ah, ai onde hoje é um con­domínio – ou uma flo­resta –, meu avô (ou bisavô) disse que morou um cidadão por nome Abdon, que era uma pes­soa assim ou assada.

E seguimos rumo ao tra­balho con­jec­turando sobre o futuro dis­tante, o que será feito dos bens que tola­mente acu­mu­lamos? Quem deles usufruirão? Quem lem­brará de nós?

Mas, como disse, a fini­tude não é algo que me assuste ou me apa­vore, a ideia, inclu­sive, me parece ter uma certa poesia.

Con­heço pes­soas que são de tal forma apa­vo­radas a única certeza que temos que até evi­tam falar sobre os seus entes queri­dos que par­ti­ram antes delas – sim, todos farão a viagem.

Tratam aquele pai, aquele tio, primo, aquele mel­hor amigo que par­tiu como se nunca tivesse exis­tido. Não sei se con­seguem, mas ten­tam, a todo custo, apagar-​lhes a existên­cia.

Imag­ino que seja algo muito penoso, por medo, ten­tar apa­gar da memória pes­soas que foram tão impor­tantes (ou que tiveram alguma importân­cia) nas suas vidas.

Mas cada um sabe de si. Cer­ta­mente, muitos, sequer, terão cor­agem de ler esse texto.

Como sou de família muito grande aprendi, desde cedo, a con­viver com a morte. Lembro-​me bem daque­les par­entes que fiz­eram a viagem antes de mim. Minha tia Zefa, minha mãe, minha avó, tia Mal­fisia. Lembro-​me de como se deu cada velório e/​ou o enterro no cemitério da minha aldeia.

O final do ano de 1994 para o iní­cio de 1995 reg­is­tramos muitas par­tidas, além de meu pai, perdemos out­ros três ou qua­tro tios e tias. Foram tan­tos funerais que cheguei a “brin­car” com a situ­ação.

Naquele ano (1994) foi lançado o filme britânico “Qua­tro casa­men­tos e um funeral”, com os ami­gos próx­i­mos, prin­ci­pal­mente a amiga e jor­nal­ista Valde­rina Rocha Sil­veira, que na época fazia a cober­tura da Assem­bleia e da política em geral para “O Impar­cial”, brin­cava dizendo que comigo deu-​se o seguinte: uma der­rota (a eleição de Cafeteira) e qua­tro (ou cinco) funerais.

Era 29 de novem­bro de 1994, uma terça-​feira, estava em pleno expe­di­ente na Assem­bleia Leg­isla­tiva – onde chegava todos os dias antes das sete da manhã –, quando, por volta das dez, meu irmão Dadido (que perdemos há poucos dias) ligou para o gabi­nete: — papai mor­reu! Antes que tivesse tempo para qual­quer argu­men­tação ou mesmo para saber o que acon­te­ceu, com­ple­tou: — estou pas­sando aí para te apan­har.

Mal tive tempo de avisar os cole­gas de gabi­nete e ao dep­utado com quem tra­bal­hava e que estava em sessão que estava deixando o expe­di­ente para ir ao velório e enterro de meu pai. Meia hora depois ele estava no esta­ciona­mento dos fun­dos da ALMA, que fun­cionava na Rua do Egito, para irmos ao velório em Gov­er­nador Archer e para o enterro no Cen­tro Novo, nossa aldeia. A viagem foi em um carro com car­ro­ce­ria (uma pampa ou saveiro), lem­bro bem porque fui na parte de cima e o vento afas­tava as lágri­mas do rosto. Naquele tempo, emb­ora ache que fosse proibido, não tinha tanta fis­cal­iza­ção, fize­mos os mais de trezen­tos quilômet­ros sem qual­quer prob­lema.

Somente em Gov­er­nador Archer, durante o velório, soube que meu pai saíra de casa para “ir à rua”, como se dizia, e, não andara 30 metro saindo da sua casa, caiu vítima de um ataque cardíaco ful­mi­nante.

O meu tio Praxedes, o irmão de minha mãe é casado com minha tia Zefa (irmã de meu pai) que veio na saga dos Cal­heiros do Rio Grande do Norte para o Maran­hão, deixou-​nos em 2008.

Em agosto de 2011 perdemos o último dos “vel­hos tron­cos” dos Cal­heiros Mar­inho, o nosso tio Pedro, uma espé­cie de refer­ên­cia para toda família. Uma figura extra­ordinária que mesmo antes e, prin­ci­pal­mente, após a morte de todos os seus irmãos e irmãs pas­sou a ser nossa “bús­sola”, a pes­soa que mais de uma cen­tena de sobrin­hos tinha por hábito ouvir.

Espir­i­tu­oso dava con­sel­hos para as irmãs que ficaram viú­vas para se casarem nova­mente. Tio Pedro, ape­sar de nascido em 1930, foi uma pes­soa muito além do seu tempo.

Com sua par­tida encerrou-​se um ciclo na vida da família.

Outro dia falava com minha irmã mais velha, ela e a outra irmã ainda pesarosas com a pas­sagem de Dadido que nascera entre as duas e que fiz­era a pas­sagem de forma ser­ena enquanto dormia. Dizia-​lhes que tivessem força e con­fi­ança pois a vida é ape­nas uma breve etapa.

Com res­ig­nação ela me disse: — é, meu irmão, algum de nós teríamos que ini­ciar essa jor­nada.

Emb­ora sem sem medo ou receio, dei-​me conta que já havíamos ini­ci­ado um novo ciclo. Assim é a vida. Os cic­los vão se suce­dendo sem que ninguém possa parar ou impedir o giro da roda.

E é por ter essa com­preen­são de que tudo é pas­sageiro e que, daqui a pouco, os bens acu­mu­la­dos, os títu­los, as vaidades, os pre­con­ceitos, ape­nas serão parte do pas­sado que procuro seguir a minha vida ape­nas com o propósito de ser útil e de fazer o bem.

Pois é disso que se trata.

Mesmo o homem mais rico, mais culto, mais inteligente poderá impedir que o ciclo da vida se com­plete. Pois todos são pó e todos ao pó retornarão.

Côn­scio disso e tam­bém con­fi­ante que vou reen­con­trar os fiz­eram a viagem antes de mim, procuro man­ter viva a lem­brança de cada um.

Gosto de lem­brar e de citar as lições que aprendi com o meu pai; os con­sel­hos de tio Pedro; os aconche­gos da minha mãe; as “palestras” com os tios ami­gos, pri­mos, sobrin­hos que na inver­são da “roda” acabaram indo antes. Fra­sista gosto de lem­brar daque­las que aprendi ao longo da jor­nada dos meus ami­gos, frase tal quem disse foi o saudoso amigo WR, que deixou-​nos, em 2010; ou Bened­ito Ter­ceiro, por exem­plo. Como gosto de livros, lem­bro de quais livreiros os adquiri ou de quem gan­hei. Em 1986, meu irmão Dadido me pre­sen­teou com um livro do Nauro Machado e que em tal livro tinha a frase ou poema que dizia: “os mor­tos não lêem os epitá­fios das man­hãs”.

Quase quarenta anos e a frase não me sai da lem­brança como a dizer que para quem par­tiu já não inter­essa o que tens a dizer nos epitá­fios.

Entre­tanto, o cul­tuar, lem­brar, gostar e expres­sar o amor pelos que fiz­eram a viagem antes de mim faz com que, ao menos para mim, cada um per­maneça vivo, como, de fato, vivos estão, nas min­has memórias e no meu coração.

Um dos praz­eres que tenho é quando a minha família vem pas­sar uns dias comigo e podemos reser­var uma manhã ou começo de noite para falar­mos dos nos­sos que já fiz­eram a viagem. Ao meu irmão Armando, que tem uma memória fab­u­losa, fico inda­gando sobre um e outro, quando lem­bro algo que ele não lem­bra mais, diz que sou mais velho que ele.

A vida, para con­cluir, não tem qual­quer mis­tério: a cada um é dado um “voucher” com prazo de val­i­dade para que aproveitem a esta­dia. Cabe a cada um fazer o mel­hor proveito disso.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.