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Cinquenta anos essa noite — lem­branças e saudade.

Escrito por Abdon Mar­inho

CINQUENTA ANOS ESSA NOITELEM­BRANÇAS E SAUDADE.

Por Abdon C. Marinho*.

VOLTEI ao Cen­tro Novo, minha aldeia orig­inária.

O aniver­sário de cinquenta anos da par­tida de minha mãe para o outro plano me trouxe até aqui. Uma busca para rea­v­i­var as memórias, sen­tir os mes­mos cheiros da infân­cia que tive é que foi mar­cada por acon­tec­i­men­tos tão trági­cos.

A velha estrada – prati­ca­mente um cam­inho –, lig­ando os municí­pios de Gov­er­nador Archer e Gonçalves Dias deu lugar a uma rodovia asfal­tada, larga e que cor­tou mor­ros e ser­ras, tor­nando a dis­tân­cia bem mais curta; cor­tou tam­bém os ter­reiros das casas onde colocá­va­mos as cadeiras para con­ver­sar ou fazer alguma ativi­dade cole­tiva, como debul­har milho ou fei­jão das roças que ficavam próx­i­mas onde cul­tivá­va­mos “de tudo”.

Pas­sando de carro com o meu sobrinho-​neto, vi que já são pou­cas as casas que não estão cer­cadas por muros ou mesmo cer­cas, con­fi­nando a estrada e os espaços por onde andá­va­mos e cor­ríamos (?) livre­mente.

Reduz­i­mos a veloci­dade ao pas­sar pelo o local onde ficava a velha casa onde nasci (e onde nasceu quase todos os meus irmãos pelas mãos de uma parteira da família, a esposa de tio Antônio, o mais velho dos irmãos de meu pai), nada restou.

Era uma casa sim­ples, muito sim­ples, mas, ao menos aos olhos de “eu, menino” pare­cia grande, com alguns quar­tos, pois a família já era grande e tinha ainda minha vó, que chamá­va­mos titia, que viu­vez foi morar conosco; alguns depósi­tos, onde papai guar­dava o arroz de sua pro­dução e o que com­prava “na folha” de out­ros pro­du­tores e que íamos bus­car em bur­ros dire­ta­mente nas roças; salas, de chão batido, uma, como sala de estar, onde ficava o oratório de mamãe, sua máquina de cos­tura; o rádio estilo jabuti, algu­mas “cadeiras de macar­rão”, tam­boretes, e, tam­bém, das min­has primeiras lem­branças, o espaço onde minha espal­hou sobre um encer­ado um colcha de veludo onde eu pode­ria ficar sem pegar “friagem”, depois de quase mor­rer em con­se­quên­cia da pólio; ainda, coz­inha com jirau para os fun­dos onde se man­tinha uma cri­ação de por­cos e gal­in­has soltas.

À dire­ita da casa, de quem olhasse da estrada, pon­tif­i­cava um flam­boy­ant, ao qual chamá­va­mos de “som­brião” – de tal árvore veio a ficção de que se sua altura ultra­pas­sasse a da cumeeira da casa, seus pro­pri­etários mor­re­riam, durante anos tal sen­ti­mento me acom­pan­hou; à esquerda, ficava o cur­ral onde bois e vacas eram recol­hi­dos à noite.

Na frente da casa um outro depósito para se guardar arroz, um pouco mais adi­ante a casa dos “Bizun­gas” e, mais adi­ante, a casa de tia Mal­fisia, a mais velha das irmãs de meu pai. Entre a casa dos “Bizun­gas” e a de tia Mal­fisia, ficava a casa da prima Ciça, sua filha. Já –a “con­heci” viúva, morando nesta casa com a outro filha, prima Salete.

Logo depois do cur­ral descia uma ladeira íngreme com des­tino ao Igarapé de Pedrin­has que usamos para “escor­re­gar” usando con­chas de palmeiras como car­rin­hos de rolimã.

Olhei no entorno, nada mais estava lá – e já não estava lá há muito tempo –, ape­nas o igarapé, já mal­tratado pelo tempo e a serra, onde brin­cava de “pas­sar­in­har”, ainda restam.

Mas, tudo, pelo menos para mim, já deixara de exi­s­tir há muito tempo.

Foi em doze de agosto de 1973, um domingo, o último dia de con­vivên­cia com a minha mãe. Ainda no começo da noite ela começou com as “dores do parto”. No quarto sim­ples, que lem­bro ter um baú, o cofre de meu pai, em uma cama sim­ples ela deitada con­ver­sava com meu tipo Praxedes, seu irmão, que fora casado com minha tia Zefa, irmã de meu pai, que fale­cera, ainda con­fiando na lem­brança, de parto, há menos de um ano. Enquanto con­ver­savam, eu fazia todo tipo de per­altice para chamar a atenção, hora cor­ria para um lado, hora cor­ria para o outro, hora subia na sua cama, hora pren­dia os ded­in­hos na dobradiça do cofre …

Com olhar com­pas­sivo – só muito depois fui com­preen­der isso –, ela tudo assis­tia e dizia ao tio Praxedes: — um dia meu filho será um doutor para cuidar dos seus irmãos.

Foi assim até a hora que alguém levou-​me para dormir no quarto que dividia com a “titia”. Talvez com a rede de Ana Cleide, a caçula das mul­heres ao lado, com dois anos e meio ao lado. Acordei no meio da noite com o silên­cio impen­etrável daque­les dias sendo cor­tado pelo clamor, por diver­sos clam­ores. Da minha rede, ouvia o vozes e muito choro, muito choro.

Não sei quanto tempo fiquei lá, só ouvindo choros e sem saber o que tinha acon­te­cido.

Muito tempo depois, quando o dia aman­hecia, para o que seria a nova real­i­dade: a cama da minha mãe fora posta na sala, já com uma mor­talha branca, ela repousava sobre a mesma, ser­ena, sem vida, no des­canso para a eternidade.

Na sala cheia de gente, uns olhando pela janela, out­ros mais dis­tantes, pelo ter­reiro, todos chorando.

Minha mãe mor­rera no parto. O caçula sobre­viveu – difer­ente do que tinha ocor­rido a tia Zefa, pouco tempo antes em que ambos mor­reram –, e já era cuidado por alguém, alguma tia, alguma viz­inha.

A comu­nidade inteira – que não era grande e toda for­mada por par­entes ou ami­gos que vieram jun­tos na “expe­dição” de José Cal­heiro de Mar­inho, meu avô –, estava na nossa casa a teste­munhar mais essa tragé­dia em família.

Éramos mais nove órfãos na família – a mais velha, emb­ora já casada com um primo e com fil­hos, tinha pouco mais de vinte anos, os demais for­mavam uma “escad­inha” que ia de zero anos até quase vinte –, a se somarem aos fil­hos de tia Zefa, de tia Nelci, irmãs de meu pai, tam­bém mor­tas e com fil­hos órfãos.

Nos cinquenta anos seguintes, espal­ha­dos por casas diver­sas e fecha­dos nos próprios mun­dos, cada um enfren­tou as próprias e angústias.

Muito emb­ora essas lem­branças ten­ham me acom­pan­hado por toda vida, cada detalhe daquele último dia e, prin­ci­pal­mente, as dores dos dias e anos seguintes, voltar ao Cen­tro Novo é rea­cen­der e tornar mais inten­sos os sen­ti­men­tos, saudades, tris­teza, solidão, angustias …

Desde então se pas­saram cinquenta anos. valeram a pena? Tudo, já dizia o poeta, vale a pena, se a alma não é pequena.

As dores fiz­eram parte do “cresci­mento”, fizeram-​nos mais fortes, mais resilientes … a aceitar os desafios da vida sem medo ou temor.

Cer­ta­mente que nen­hum que­ria pas­sar por tais sofri­men­tos, mas deles não tive­mos como fugir, foi a imposição da vida.

São cinquenta anos de lem­branças, são cinquenta anos de saudade.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Democ­ra­cia e arbítrio.

Escrito por Abdon Mar­inho

DEMOC­RA­CIA E ARBÍTRIO.

Por Abdon C. Marinho..

ALGUNS DIAS o pres­i­dente da República, sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva, em entre­vista à uma emis­sora de rádio, inda­gado sobre a situ­ação política da Venezuela, cun­hou que democ­ra­cia seria um con­ceito rel­a­tivo, argu­men­tando que tal con­ceito pode­ria sofrer vari­ações, jus­ti­f­i­cando que a “democ­ra­cia venezue­lana” estaria assen­tada no fato de ter eleições per­iódi­cas – algo mais ou menos assim.

Com razão – e com os opor­tunis­mos de sem­pre –, houve uma “grita” geral, todos ten­tando tirar uma “casquinha’’ ou se aprovei­tando da “espinafrar” mais uma, entre tan­tas, tolices ditas pela excelên­cia.

Muito emb­ora em seu con­ceito primário, democ­ra­cia seja a forma de gov­erno car­ac­ter­i­zada pela sobera­nia pop­u­lar, sabe­mos que o sim­ples fato de haverem eleições “de vez em quando”, não torna essa ou aquela nação uma democ­ra­cia.

Um exem­plo, já citado tan­tas out­ras vezes, é o que se dava no Iraque nos anos em que foi gov­er­nado por Sad­dam Hus­sein, lem­bro que tratá­va­mos como fol­clore o resul­tado das eleições ocor­rida naquele país em que o gov­er­nante sagrava-​se vito­rioso com quase 100% (cem por cento) dos votos.

Situ­ação idên­tica aos “pleitos” ainda hoje ocor­ri­dos na Cor­eia do Norte – alguém duvida que uma eleição nesse país não ocorra com cem por cento dos sufrá­gios em favor do atual líder? Podemos dizer, porque houve uma “eleição” que tal país é uma democracia?

A chancela eleitoral de um povo escrav­izado de todas as for­mas por um gov­erno autoritário e autocrático está muito longe de garan­tir a existên­cia de uma democ­ra­cia.

E são diver­sos os exem­p­los de nações coman­dadas por regimes autoritários e autocráti­cos onde usam instru­men­tos democráti­cos per­ver­tidos para se diz­erem democ­ra­cias.

Em muitos casos a democ­ra­cia “vai se per­dendo” ao longo do cam­inho.

Às vezes se faz uma alternân­cia de poder – instru­mento próprio da democ­ra­cia –, e esse “novo” gov­erno eleito pelo povo em eleições livres passa a instru­men­talizar seu grupo político e mesmo o Estado para se man­terem indefinida­mente no poder, “matando” a democ­ra­cia.

Essa diva­gação é ape­nas para dizer que alguém “encher” a boca para falar de democ­ra­cia ao argu­mento de eleições reg­u­lares é ape­nas uma tolice.

O pre­sente texto, entre­tanto, não é para tratar – ou para faz­er­mos um “tratado” –, sobre democ­ra­cia, mas para dizer que emb­ora não sejam tênues os lim­ites entre democ­ra­cia e arbítrio muitas vezes “foca­dos” nos próprios inter­esses gov­er­nantes e lid­er­anças dos vários segui­men­tos da sociedade acabam por “mis­tu­rar” alhos com bugal­hos.

A minha per­cepção é que o Brasil, nos últi­mos anos “cam­in­hou” para a imple­men­tação de um régime autoritário, talvez tendo como mod­elo o régime hún­garo, turco ou russo ou mesmo uma ver­tente do que se encon­tra em curso em Israel ou na Polônia.

Desde 2019 que escrevo sobre isso.

Não tenho qual­quer dúvida, tam­bém, que os gov­er­nantes com seus apoiadores, muitos deles, inclu­sive, das Forças Armadas e das polí­cias mil­itares bus­caram via­bi­lizar um golpe de estado que os man­tivessem no poder quando der­ro­ta­dos nas urnas em segundo turno.

Assim como não tenho dúvi­das de que em 8 de janeiro tive­mos uma ten­ta­tiva de golpe insti­tu­cional, incen­ti­vada, patroci­nada e apoiada senão pelo próprio ex-​presidente, mas por pes­soas muito próx­i­mas a ele.

A ten­ta­tiva de golpe insti­tu­cional – que mais assemelhou-​se a uma cam­panha do exército de Bran­ca­le­one, com tiaz­in­has do What­sApp fan­tasi­adas de verde amarelo, muitos out­ros ali­ci­a­dos entre os desem­pre­ga­dos “vesti­dos” de patri­o­tas vin­dos dos qua­tro can­tos do país –, fra­cas­sada, como não pode­ria deixar de sê-​la, fun­ciona como um divi­sor de águas com a democ­ra­cia for­mal se impondo à bisonha inten­tona.

Acred­ito e sus­tento que todos os respon­sáveis pelo ato (desde os inspi­radores, finan­ciadores e execu­tores), como já vem sendo pre­cisam, com o dev­ido processo legal, sofr­erem a repri­menda da lei, até como forma de pre­venir futuras “recaí­das”.

Pois bem, dito isso, é impor­tante prin­ci­pal­mente para as autori­dades dos con­sti­tuí­dos que não se afastem dos lim­ites da lei.

É dizer, à guisa de se diz­erem “defen­sores da democ­ra­cia” não podem, eles próprios e por moti­vações pes­soais come­terem arbi­trariedades.

Como vimos nas lin­has ante­ri­ores é muito fácil aos dete­tores do poder diz­erem que estão “defend­endo a democ­ra­cia”, “defend­endo a Con­sti­tu­ição” ou que estão “jogando den­tro das qua­tro lin­has”.

São dis­cur­sos fáceis mas que estão dis­tantes das práti­cas do dia a dia.

Não passa de abuso que uma querela pes­soal ou uma dis­cussão mesmo que moti­vações políti­cas ou com agressão jus­ti­fique a mobi­liza­ção da Polí­cia Fed­eral para se fazer busca e apreen­são, con­fis­car celu­lares, com­puta­dores ou coisas do gênero.

Os “defen­sores da democ­ra­cia” que se pode até recon­hecer terem cumprido o seu papel, não podem sob a jus­ti­fica­tiva eterna de estarem defend­endo a democ­ra­cia, come­terem arbi­trariedades, repete-​se.

A história está rec­heada de exem­p­los de tais práti­cas: os deten­tores do poder “elegem” os inimi­gos do “estado”, muitas das vezes dizem que são “inimi­gos do povo” e pas­sam a dar vazão a toda sorte de perseguição e de sadismo.

Quan­tas inocentes não viraram cin­zas nas fogueiras sob o argu­mento de que seriam “bruxas”? Daí advém o termo “caça às bruxas”. Quan­tos crimes não foram imputa­dos aos judeus ao redor do mundo para que os nazis­tas imple­men­tassem a sua “solução final”, a diz­imação pura e sim­ples de mil­hões de seres humanos pelo “crime” de serem judeus? Assim como fiz­eram com os homos­sex­u­ais, os povos ciganos e tan­tos out­ros. Diz­ima­dos, tor­tu­ra­dos, mor­tos, lev­a­dos à lou­cura por serem quem eram.

Ainda hoje é assim em diver­sos países do mundo – aliás, de tem­pos em tem­pos ressurgem esbir­ros autoritários querendo impor seus ideários aos demais –, Venezuela, Cuba, Nicarágua, Rús­sia só para citar alguns que se auto­de­nom­i­nam “democ­ra­cias”, ado­tam mod­e­los de “paz de cemitérios” ou seja, elim­i­nam a pos­si­bil­i­dade dos adver­sários, alça­dos à condição de “inimi­gos do povo” de chegarem ao poder.

Em todos os tempo e em todos os lugares a ten­tação autoritária ronda os “donos do poder” fazendo-​os acharem que ape­nas eles (quando muito seu grupo) são capazes de con­duzirem os des­ti­nos da nações.

É dessa “ten­tação” autoritária que o Brasil pre­cisa “fugir”, não acei­tando que falso dis­curso de “defesa da democ­ra­cia” seja o veneno que vai matá-​la.

Dizia Lorde Acton que «o poder tende a cor­romper, e o poder abso­luto cor­rompe abso­lu­ta­mente, de modo que os grandes homens são quase sem­pre homens maus”.

Em tal pen­sa­mento dizia que o processo histórico desenvolve-​se ori­en­tado pela liber­dade humana ou livre-​arbítrio, no sen­tido de uma liber­dade cada vez maior.

O grande prob­lema do Brasil da atu­al­i­dade é que mesmo os ver­dadeiros democ­ratas não perce­beram – ou não quis­eram perce­ber –, que o seu silên­cio aos des­man­dos, ven­ham eles de quais­quer dos poderes da República ou dos seus inte­grantes, é o colchão mole onde repousam os ideários autoritários e, assim, como a história já está cansada de mostrar, só perce­beram quando forem eles próprios as víti­mas dos dita­dores de plan­tão.

A democ­ra­cia, difer­ente do muitos podem achar, não é um valor rel­a­tivo. Acred­i­tar ou defender isso é fler­tar com o arbítrio.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Prefeitos, Vereadores e cau­sos deliciosos.

Escrito por Abdon Mar­inho


PREFEITOS, VEREADORES E CAU­SOS DELICIOSOS.

Por Abdon C. Marinho*.

QUEM tra­balha ou tem vivên­cias pelo inte­rior e se inter­essa pelos cau­sos de nosso povo já deve ter tomado con­hec­i­mento de muitas histórias inter­es­santes, sobre­tudo, aque­las envol­vendo as autori­dades locais.

Prefeitos e vereadores, então, sem­pre dão motivos – e gostam disso –, para viverem “na boca do povo”.

Na última viagem para a baix­ada com o amigo e con­ta­dor Max Harley Pas­sos Fre­itas reviver­mos alguns cau­sos envol­vendo situ­ações pres­en­ci­adas por nós e out­ras que ape­nas ficamos sabendo por ter­ceiros.

Essas lem­branças me fiz­eram “puxar pela memória” out­ros cau­sos e moti­varam a escr­ever a nossa já tradi­cional crônica de domingo.

Como se diz lá no sertão que o “nome é que faz o fux­ico”, con­tare­mos os “mila­gres” sem dar nomes aos “san­tos” – sei que é chato isso, mas espero que a leitura seja diver­tida.

Um asses­sor entra no gabi­nete do prefeito, sem bater e sem pedir licença – bem no estilo daque­les asses­sores que acham que o prefeito lhe deve, eter­na­mente a vitória nas urnas –, dizendo:

— Prefeito, prefeito, D. Fulana de tal “caiu de uma árvore” (um aci­dente grave qual­quer, que não recordo), está toda que­brada e pre­cisamos levá-​la com urgên­cia para São Luís.

O prefeito, naquele momento rece­bia uma equipe de um órgão de con­t­role que iria fazer uma audi­to­ria nas con­tas do municí­pio – estava na “moda” as tais audi­to­rias e tudo que um prefeito temia era ser “aza­teado” para uma delas –, vira-​se, e responde:

— Não posso fazer nada, esta­mos sem qual­quer din­heiro nas contas.

Um quarto de hora depois um outro asses­sor aden­tra na sala:

— Prefeito é urgente, pre­cisamos deslo­car a D. Fulana!

O prefeito retruca:

— Já disse que não tem din­heiro nas contas.

Não demora muito, o primeiro asses­sor retorna:

— Siô, é sério, a mul­her vai mor­rer se não for “acudida”.

— Querem que faça o quê? Já disse que não temos din­heiro. Responde o prefeito.

Os audi­tores que tudo assis­tiam, já pre­ocu­pa­dos com a morte emi­nente da cidadã, argumentam:

— Seu prefeito, não tem mesmo din­heiro algum para socor­rer a senhora?

O prefeito responde:

— A única conta que temos recur­sos é a conta do FUNDEF.

Um audi­tor olha para o outro e dizem, em uníssono:

— Seu prefeito, use o din­heiro do FUN­DEF e salve a mul­her.

E assim foi feito, com o aval dos fis­cal­izadores.

Certa vez fui chamado por um prefeito para acom­pan­har umas trata­ti­vas para eleição da mesa dire­tora da câmara.

Não tinha nada a fazer em tal artic­u­lação, mas como manda quem pode e obe­dece quem tem juízo, lá segui eu com meu “fiel escud­eiro”, Afrânio, para o dito povoado dis­tante alguns quilômet­ros da sede do municí­pio. Fiquei no alpen­dre com Afrânio enquanto o prefeito estava alo­jado em um quarto da casa recebendo um e outro vereador para as “trata­ti­vas” e fechar a chapa para mesa – esse é um hábito do inte­rior do Maran­hão, os assun­tos mais sérios e sig­ilosos são trata­dos nos quar­tos de dormir.

Entra vereador e sai vereador do quarto e nada de fecharem a chapa.

Já era a quarta ou quinta vez que o prefeito chamava uma vereadora para os “ajustes” no quarto, sem que chegassem a um entendimento.

No alpen­dre, eu e Afrânio só a ouvíamos “resmungar”:

— Se ele me chamar nova­mente, não irei.

Quase meia hora recla­mando que não iria, que o aten­de­ria, quando escu­ta­mos a voz do prefeito:

— Fulana, corre aqui!

E ela sem nem pedir licença, cor­reu para o quarto para ter com o prefeito.

Seu Afrânio olhou para mim e disse:

— Oxe, agora mesmo ela não disse que não iria?

Virei-​me e disse:

— Ah, seu Afrânio, esses são os “mis­térios” da política.

O certo é que o prefeito con­seguiu “fazer” a mesa da câmara. Mas pouco tempo depois os vereadores, não se sabe por qual motivo, se rebe­laram con­tra ele e já estavam falando e cas­sação de mandato – me procurou.

— Doutor, os vereadores estão querendo me cas­sar. Disse-​me.

— É mesmo, prefeito. Deve­mos nos nos pre­ocu­par com isso.

Respondeu-​me:

— Não pre­cisamos nos pre­ocu­par, pois além de terem razão, a vice-​prefeita é de minha total con­fi­ança.

Disse isso, batendo no peito do lado do coração:

— A comadre Fulana é daqui, ô.

Dias depois desco­b­ri­mos que a artic­u­lação para cassá-​lo par­tira da pro­po­ria vice.

A situ­ação virou um bor­dão do escritório. Quando quer­e­mos nos referir a alguma situ­ação de “trairagem”, dize­mos: — a comadre Fulano é daqui, ô!

Voltando a falar no hábito das pes­soas do inte­rior faz­erem seus negó­cios mais sérios nos quar­tos de dormir, certa fez fui chamado para fazer a defesa, em processo eleitoral de uma prefeita recém-​eleita, acu­sada pelos adver­sários de com­pra de votos.

Fui con­ver­sar com ela:

— Mas a sen­hora deu alguma coisa, algum din­heiro, para alguém?

Ao que ela me respon­deu com a sin­ceri­dade que se espera de todo cliente:

— Doutor, só faze­mos política com din­heiro, aqui todo mundo pede tudo. Mas lhe garanto que nen­huma teste­munha que colo­quem no processo vão provar que dei qual­quer coisa, pois o que dei a algum eleitor foi den­tro do quarto e sem ninguém para ver.

Gan­hamos o processo.

No ter­ceiro ou quarto mandato den­tro da mesma família, a acusação mais comum lançada con­tra o chefe político local era que ele havia con­sti­tuído uma “oligarquia”.

Os adver­sários só dizia isso: era oli­gar­quia pra lá, era oli­gar­quia pra cá.

Certo dia um ali­ado político desse prefeito chegou pra ele e disse:

—Pois é, seu Fulano, esses adver­sários só ficam falando de oli­gar­quia pra cá e pra lá, mas a “nossa” oli­gar­quia é tão boa.

Deter­mi­nado prefeito acos­sando um empresário saiu-​se com essa:

— Muito bem meu amigo, fize­mos aqui esse negó­cio, falta só a parte do vereador?

O empresário virou-​se para ele e indagou:

–– Como assim, prefeito, do vereador?!

Ao que ele respon­deu, apon­tando para si:

–– sim, do vereador. Prefeito não pede din­heiro, quem pede é vereador.

Certa vez o prefeito ia tran­si­tando com um grupo de vereadores no próprio carro, quando um dos edis, saiu-​se com essa:

–– sabe prefeito, acho que o sen­hor dev­e­ria des­ti­nar uma verba para recu­per­ação dessa via, ela está muito ruim.

O prefeito retru­cou:

–– É ver­dade, vereador fulano, mas se inve­stir o recurso na estrada não terei como ajudá-​los na eleição que se aproxima.

O autor da pro­posta então respondeu:

–– Pen­sando bem prefeito, o sen­hor tem razão, a estrada assim, com esses bura­cos, ajuda a evi­tar aci­dentes.

O certo é que a estrada nunca foi feita – até hoje. Acho que aju­dar a reduzir as estatís­ti­cas de aci­dentes de trân­sito.

Um der­radeiro causo envol­vendo o mesmo público é de um prefeito que disse, certa vez:

–– Uma das min­has primeiras medi­das será dar um iPad para cada vereador.

O inter­locu­tor, sem enten­der, per­gun­tou:

–– Mas, por qual razão, prefeito?

O prefeito, não perdeu a viagem:

–– Ah, meu amigo, aí pede.

E caíram na gargalhada.

Assim cam­inha a humanidade. Qual­quer coin­cidên­cia com fatos viven­ci­a­dos por alguns dos leitores é “mera semelhança”.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.