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A ascen­são do autoritarismo

Escrito por Abdon Mar­inho


A ascen­são do autoritarismo.

Por Abdon C. Marinho.

ALGUNS DIAS repro­duzi numa pub­li­cação em redes soci­ais a seguinte frase: “os que não estu­dam a história estão con­de­na­dos a repeti-​la. E os que a estu­dam estão con­de­na­dos a pres­en­ciar sua repetição pelos que não a estu­dam”. Vi tal frase numa pub­li­cação da revista Conexão Lit­er­atura que não men­ciona o autor.

Tenho o grave defeito de refle­tir sobre o que leio, sobre o que vivi, sobre o que pres­en­ciei.

Outro dia, no texto “EUA lançam um novo verbo: trumpar”, restou implíc­ito um ques­tion­a­mento que os poucos porém queri­dos leitores deixaram de se fazer e me fazer – pelo menos nen­hum me ques­tio­nou.

Mais à frente mostrarei o que pas­sou batido.

Volte­mos à história.

O pas­tor luter­ano alemão Mar­tin Niemöller (18921984) até o iní­cio dos anos 1930, do século pas­sado, foi um sim­pa­ti­zante de muitas das ideias nazis­tas chegando a apoiar movi­men­tos políti­cos rad­i­cais da extrema dire­ita. Essa situ­ação mudou quando Hitler chegou ao poder e pas­sou a perseguir as igre­jas protes­tantes. Como crítico fer­renho do nazismo implan­tado pas­sou muitos daquele régime entre prisões e cam­pos de con­cen­tração.

As diver­sas frases de Niemöller ditas naque­les anos e depois viraram uma espé­cie de poemeto inti­t­u­lado “First they came”, con­hecido em todo mundo assim:

Primeiro eles levaram os social­is­tas e eu

Não disse nada — porque eu na era socialista.

Então eles levaram os sindi­cal­is­tas, e eu

Não disse nada — porque eu não era sindicalista.

Então eles levaram os judeus e eu

Não disse nada — porque eu não era judeu.

Então eles vieram me bus­car — e não havia

Sobrado ninguém pra falar por mim”.

Já tem alguns anos o mundo vem exper­i­men­tando uma escal­ada autoritária – tanto à dire­ita quanto à esquerda e pelos caudil­hos opor­tunistas que não são nem uma coisa nem outra e que se aproveitam para mas­sacrar o povo.

Essa guinada autoritária foi “expo­nen­ci­ada” com a posse de Trump no comando dos Esta­dos Unidos da América.

Digo escal­ada autoritária para que haja uma clara dis­tinção entre o que é autori­tarismo e con­ser­vadorismo.

Win­ston Churchill, Mar­garet Thatcher, Ronald Rea­gan, os Bush, foram gov­er­nantes con­ser­vadores, amantes do livre comér­cio, do cap­i­tal­ismo, do empreende­dorismo.

Vimos, na Segunda Guerra Mundial, Win­ston Churchill “segu­rar” quase soz­inho uma guerra mundial em defesa dos val­ores que todos tin­ham como cer­tos; com a primeira min­is­tra con­hecida por Dama de ferro, por mais que se crit­i­casse sua política, ninguém ques­tion­ava os val­ores que a movia; com os mais vari­a­dos pres­i­dentes amer­i­canos con­ser­vadores ou não, o sen­ti­mento sem­pre foi o mesmo, ainda que se dis­cor­dasse, não se tinha notí­cia de pres­i­dente querendo mudar os con­sen­sos mín­i­mos por inter­esses pes­soais ou ide­ológi­cos.

Ortega, Trump, Putin, Bukele, e tan­tos out­ros são políti­cos autoritários, que explo­rando as neces­si­dades pre­mentes dos seus povos impõem seus mod­e­los de dom­i­nação.

Os cidadãos de seus países, assim com o pas­tor Mar­tin Niemöller, não percebem a dis­tinção entre uma coisa e outra até que o mal acabe por voltar-​se con­tra eles. Acred­ito ser por isso que vemos tan­tas pes­soas que se dizem cristãos, con­ser­vadores, amantes da lei e da ordem aplaudindo regimes autoritários que através de seus líderes “com­praram” um ideário de defesa de seus val­ores.

Em pleno século XXI vemos esses políti­cos mas­sacrando seus povos para manter-​se no poder ou empreen­dendo guer­ras de con­quista de ter­ritórios para “tomar” recur­sos daque­les povos.

O caso do novo régime amer­i­cano temos um gov­er­nante que utiliza-​se do poder do cargo para o enriquec­i­mento pes­soal – o que é pior.

Fala com uma tran­quil­i­dade impres­sio­n­ante sobre anexar o Canadá, sobre tomar a Groen­lân­dia, sobre retomar o Canal do Panamá e ainda sobre expul­sar os palesti­nos de sua pátria histórica e no seu lugar con­struir a chamada “Reviera do Ori­ente Médio”. Ou seja, para ele basta querer e dizer.

Ainda que não venha a fazer isso – mas ninguém pode igno­rar o que diz o pres­i­dente da nação mais poderosa do mundo –, abre o prece­dente para que out­ros tira­nos façam o mesmo. Com que legit­im­i­dade vai sdizer que a China não pode tomar pra si Tai­wan ou que Putin sim­ples­mente retalhe para si a Ucrânia?

Aliás, o próprio Trump já disse que tem inter­esse em fazer uma reuniãoz­inha com o gov­er­nante chinês e o russo para “alin­harem” suas polit­i­cas. A per­gunta é: alin­harem con­tra quem?

Agora mesmo o sen­hor Trump entre um decreto que manda lib­erar o con­sumo de plás­tico ou que sus­penda o finan­cia­mento de esco­las que exigem vaci­nação con­tra a COVID, infor­mou que a Ucrâ­nia deve ceder parte de seu ter­ritório a invasão russa.

Em outra frente, através do vice-​presidente, informa que os Esta­dos Unidos (ou seu gov­erno) apoiam o novo par­tido nazista nas eleições da Ale­manha. Quem pode­ria imag­i­nar que algum dia algo assim fosse acontecer?

O retorno de Trump ao poder inau­gurou uma nova ordem mundial: aquela em que países poderosos poderão fazer o que quis­erem sem o temor de qual­quer cen­sura ou mesmo retal­i­ação, seja política, com­er­cial ou mil­i­tar.

Inaugura-​se uma nova era bar­bárie onde os mais fortes e ricos saem na frente. As nações e os gov­er­nantes que pen­sam ape­nas nos seus países ou nos inter­esses de quem os gov­er­nam podem con­denar o restante da humanidade a um futuro som­brio.

Os mes­mos con­ser­vadores que criti­cam Maduro ou Ortega por seus regimes san­guinários apoiam as atro­ci­dades cometi­das por Israel con­tra o povo palestino; apoiam o estado-​prisão de El Sal­vador, onde o tal Bukele sai pren­dendo a torto e dire­ito pes­soas por sus­peita de come­ti­mento de crimes – até cri­anças e ado­les­centes –, e que pos­suir uma tat­u­agem no corpo é sinôn­imo de per­tencer ao crime orga­ni­zado.

Outro dia um querido amigo – que por sinal tem o corpo recoberto por tat­u­a­gens –, lançou um elo­gio ao régime sal­vadorenho. Pen­sei comigo: será que ele que se estivesse lá estaria mofando numa prisão?

Os mes­mos que olham com indifer­ença a invasão da Ucrâ­nia pela Rús­sia e que “babam” de emoção a cada insanidade que sai da boca de Trump ou do seu lugar-​tenente, Musk, o mesmo que acu­mula um cargo no gov­erno e que nego­cia venda de bil­hões de suas empre­sas ao mesmo gov­erno.

O mundo entra numa era de caos jus­ta­mente no cru­cial momento em que pre­cisamos de líderes capazes de tra­bal­har em con­junto em torno de uma agenda de con­senso mín­imo para sal­var o plan­eta.

Repeti­mos o ciclo referido no iní­cio do texto: “os que não estu­dam a história estão con­de­na­dos a repeti-​la. E os que a estu­dam estão con­de­na­dos a pres­en­ciar sua repetição pelos que não a estudam”.

Não é o que esta­mos assistindo: o que estu­damos a história não esta­mos vendo os mes­mos erros tan­tas vezes se repetindo?

Ah, sobre a per­gunta inserta implici­ta­mente no artigo ante­rior é seguinte: o topetudo da Casa Branca já ameaçou anexar o Canadá; quer colo­car as mãos sobre o Canal do Panamá, a Groen­lân­dia e a Faixa de Gaza; já trata como certo o retalho da Ucrâ­nia, etcetera, enquanto tempo e o que fare­mos quando ele disser que a Amazô­nia o per­tence e que “tomar de conta” dela?

Aos que se deixam enga­nar por tão pouco essa é uma reflexão para o final de sem­ana.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

EUA lançam um novo verbo: trumpar.

Escrito por Abdon Mar­inho

EUA lançam um novo verbo: trumpar.

Por Abdon C. Marinho.

ERA UMA tarde modor­renta de domingo. Pas­sava os canais da tele­visão a cabo em busca de algo para assi­s­tir quando, em um canal de clás­si­cos, deparei-​me com a série Roma, que assi­s­tira pela primeira vez lá pelo iní­cio dos anos dois mil. Gostei tanto que até com­prei uma coleção de DVD’s da mesma.

No domingo alcançei a mara­tona da série quando já estava ali pelo Segundo Tri­un­vi­rato (acordo político for­mal­izado entre Marco Antônio, Otávio e Lépido para con­duzir Roma após o assas­si­nato de Caio Júlio César – e que durou de 43 a.C até 33 a.C).

Emb­ora seja cati­vante falar sobre o Império Romano, inclu­sive da ascen­são de César ao poder, o Primeiro Tri­un­vi­rato (a aliança polit­ica infor­mal entre Pom­peu, César e Crasso ocor­rida entre 60 a.C e 53 a.C) e tan­tas outra situ­ações, a parte que inter­essa ao pre­sente texto, que vi retratado na série diz respeito ape­nas ao suposto encon­tro entre o tetrarca da Judéia, Herodes e Marco Antônio.

Herodes busca no Império Romano apoio para se con­sol­i­dar como rei dos judeus e dirige-​se a Marco Antônio nos seguintes termos:

— Soube que vocês, romanos, não pedem sub­or­nos mas que esperam que lhe sejam ofer­e­ci­dos, é ver­dade?

Marco Antônio ape­nas assente e Herodes oferece-​lhe uma quan­tia sig­ni­fica­tiva para con­tar com apoio de Roma, se cer­ti­f­i­cando de que aquele “sub­orno” seria divi­dido entre os três triún­vi­ros.

A série mostra Marco Antônio recla­mando que pode­ria ter pedido mais e que tal sub­orno possa ter sido o iní­cio do fim do Tri­un­vi­rato pois quis pas­sar a perna nos demais.

O leitor aflito ou ansioso deve estar de per­gun­tando o que fatos há mais de dois mil tem a ver com os Esta­dos Unidos da América “terem” lançado no “mer­cado” o verbo trumpar.

Pois é, sucede que dias depois era como se aquela imagem do entreten­i­mento que assi­s­tira anos atrás e que revira naquele final de tarde de domingo estivesse se repetindo, dessa vez exibida e trans­mi­tida por todos os canais de tele­visão do mundo.

O “imper­ador” de Israel foi aos Esta­dos Unidos ter com aquele que se julga imper­ador do mundo em busca do apoio para con­tin­uar a pro­mover o mas­sacre do povo palestino.

No final daquele mesmo dia Trump anun­ciou a intenção de “ficar” com a Faixa de Gaza, o ter­ritório palestino que era (é) o lar de mais de dois mil­hões de pes­soas. São mais de dois mil­hões de pes­soas que o imper­ador amer­i­cano sug­ere que seja desa­lo­ja­dos de suas ter­ras e espal­ha­dos por países viz­in­hos para que ele possa “limpar” o ter­ritório e con­struir sua “reviera” do Ori­ente Médio, de prefer­ên­cia com muitos cassi­nos e cam­pos de golfe.

Esse terá sido o acordo entre os dois imper­adores? Já no dia seguinte o pres­i­dente amer­i­cano anun­ciou a reti­rada e retal­i­ação ao Tri­bunal Penal Inter­na­cional deixando de recon­hecer sua juris­dição por aquele tri­bunal ter incluído o israe­lense entre os crim­i­nosos de guerra do mundo pelo mas­sacre do povo palestino em Gaza.

Tudo parece “encaixar” tão bem que se me dissessem que com­bi­na­ram o ataque ter­ror­ista de 7 de out­ubro de 2023, que deu o pre­texto para a destru­ição de Gaza e o mor­ticínio de mais de 50 mil palesti­nos, a quase total­i­dade inocentes e setenta por cento desse número mul­heres e cri­anças eu não teria difi­cul­dades de acred­i­tar.

Veio o ataque ter­ror­ista do Hamas, veio o mas­sacre da pop­u­lação de Gaza na con­traofen­siva israe­lense; veio a destru­ição de toda infraestru­tura do local, veio a fome, a sede, o frio e agora a ideia que aquela faixa de terra tem que ser admin­istrada pelos amer­i­canos para tornar aquele lugar uma “reviera”, de prefer­ên­cia um mega negó­cio imo­bil­iário para encher os bol­sos dos plu­to­cratas que assumi­ram o poder no império do norte.

E o que fazer com aque­les mais de dois mil­hões de pes­soas que ten­tam sobre­viver à todas essas provações da vida? Ora, esses homens, mul­heres, cri­anças, idosos, etcetera serão espal­ha­dos como expa­tri­a­dos pelos países viz­in­hos.

Já nos dias seguintes o gov­erno de Israel falava em um plano de saída “vol­un­tária” daque­las pes­soas pri­vadas de tudo, inclu­sive da vida.

O verbo trumpar talvez tenha no assalto à Gaza sua mais elo­quente man­i­fes­tação. O cidadão que nom­ina o verbo fala sobre aque­les seres humanos, já pri­va­dos de tudo, como estivesse lhes fazendo um bem. Espalhá-​los pelo mundo, expa­tri­a­dos, sem refer­ên­cias, sem unidade, sem a sua existên­cia como um povo.

Veja que não fala em acol­hi­mento no seu país. Muito pelo con­trário, por lá iniciou-​se uma autên­tica “caça às bruxas” con­tra os imi­grantes que não ingres­saram de forma reg­u­lar no país, tratando a todos como mar­gin­ais.

O verbo trumpar encontra-​se pre­sente nas mais estapafúr­dias man­i­fes­tações do homem mais poderoso do mundo.

—Vamos incor­po­rar o Canadá transformá-​lo no 51º estado amer­i­cano;

—Pre­cisamos da Groen­lân­dia para a nossa segu­rança nacional;

—Vamos retomar o Canal do Panamá; e:

—Vamos assumir Gaza.

Tudo isso dito com a tran­quil­i­dade de quem pede um big Mac no McDon­ald. Pior, com dis­sim­u­lação de quem tenta dizer que está “fazendo favor”. Alguém, em sã con­sciên­cia, acha isso normal?

Ao lado disso, a imposição de tar­i­fas desconexas; o desmonte de orga­ni­za­ções mul­ti­lat­erais impor­tantes para o equi­líbrio geopolítico global; o nega­cionismo climático em um momento de emergên­cia inques­tionável e tan­tas out­ras lou­curas.

O verbo trumpar é a com­pro­vação de que o mundo não mais poderá con­tar com o apoio norte amer­i­cano para man­ter o equi­líbrio global, sua sol­i­dariedade em relação a diver­sos temas que eles con­duziam e man­tinham sua importân­cia.

O mundo pre­cisa (terá) encon­trar out­ros pon­tos de equi­líbrios diante da opção do novo gov­erno amer­i­cano de isolar-​se dos demais países e viver para si e para os seus próprios inter­esses indifer­entes ao fato de todos esta­mos na mesma nave.

Como já assis­ti­mos tan­tas out­ras vezes ao longo da história aquilo que ten­tam trans­pare­cer como prova de força é, na ver­dade, a der­radeira prova de decadên­cia de um império.

Como em todos os impérios deca­dentes os inter­esses públi­cos se mis­tu­ram aos inter­esses pri­va­dos dos donos do poder a ponto de não se con­seguir dis­tin­guir onde ter­mina um e começa o outro.

Não é o que esta­mos assistindo? Dizem que a Groen­lân­dia é um inter­esse estratégico do país, mas não tem quem não saiba que a plu­toc­ra­cia quer mesmo o comando da ilha para explo­rar o ter­ritório eco­nomi­ca­mente. No caso de Gaza nem procu­raram dis­farçar: querem expa­triar os palesti­nos para faz­erem a tal Reviera do Ori­ente Médio.

O verbo trumpar se amolda como uma luva à con­statação de Herodes em relação aos côn­sules romanos: o desejo gan­har algo (sub­orno) não é expres­sado mas a máquina se move pelos inter­esses pes­soais dos imper­adores.

Santa hipocrisia.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O Cen­tro Novo — Parte I.

Escrito por Abdon Mar­inho


O Cen­tro Novo — Parte I.

Por Abdon C. Marinho.

QUANDO as man­hãs são chu­vosas – como essa –, assaltam-​me a mente as lem­branças do Cen­tro Novo, minha aldeia, meu tor­rão natal, o lugar onde meu umbigo foi enter­rado para todo o sem­pre e por onde vagam os dentes de leite joga­dos enquanto se pro­fe­riam as palavras mág­i­cas: “Tião, Tião, pega seu dente podre e me dê um são”. Isso ou algo bem pare­cido.

Não sei o motivo das man­hãs chu­vosas me reme­terem a tais lem­branças, talvez, como dito, por ser o lugar das min­has primeiras memórias.

Nasci no Cen­tro Novo em uma manhã enso­larada de domingo. Con­tava ape­nas com a pre­sença de minha mãe, todas as demais pes­soas da casa haviam ido ao Igarapé de Pedrin­has ou para o banho ou para lavar as roupas que seriam usadas durante a sem­ana.

Con­forme já disse em out­ras opor­tu­nidades, está­va­mos ape­nas nós dois – eu e minha mãe –, em casa. Eu, por óbvio, ainda den­tro dela. Não mais que de repente sen­tiu as dores do parto, o oitavo, até ali e, antes que ela con­seguisse chamar por alguém para que fosse atrás da parteira da família, tia Fer­reira, esposa de tio Antônio, irmão mais velho de meu pai, eu “est­reava” no Cen­tro Novo e de lá para o mundo.

O Cen­tro Novo foi o lugar escol­hido para a “assen­tada” dos meus avós, seus fil­hos, fil­has, noras, gen­ros, já alguns netos, e out­ros par­entes vin­dos na car­a­vana do Rio Grande do Norte para o Maran­hão.

Foi o tio Pedro, o caçula dos fil­hos de meu avô que fez a escolha do lugar. Um ou dois anos antes viera como “expe­di­cionário” atrás de um lugar para aco­modar a família que já não tinha como supor­tar a inclemên­cia da seca do sertão nordes­tino. Não tive a opor­tu­nidade de perguntar-​lhe como foi que chegou aquela decisão.

Durante os primeiros anos o Cen­tro Novo foi o uni­verso dos reti­rantes nordes­ti­nos que tin­ham no lugar a razão de suas existên­cias. Com a pas­sagem do meu avô, em 1965, tio Pedro e tio Chiquinho, com os seus, mudaram-​se para Pedreiras. Lá rece­biam os sobrin­hos que os procu­ravam para obterem um estudo um pouco mais avançado. Naquela época Pedreiras era a “cap­i­tal do Mearim” e uma das cidades mais impor­tantes do estado.

Vivi no Cen­tro Novo os primeiros oito anos da minha vida – e as lem­branças para um vida inteira. Foi lá que “estreie”; foi lá que com um ano de existên­cia (ou pouco mais) tive poliomielite; foi lá que perdi minha mãe – e tam­bém diver­sos out­ros par­entes, meu avô, tia Zulima, tia Zefa, minha mãe, minha avó … tan­tos out­ros.

A minha Macondo era um povoado de uma só rua entre os municí­pios de Gov­er­nador Archer e Gonçalves Dias que quando surgiu eram tam­bém povoa­dos desen­volvi­dos de out­ros municí­pios: Codó e Cax­ias.

Na minha infân­cia con­sid­er­ava como lim­ites do povoado, a estrad­inha que dava acesso ao Cen­tro dos Rosas, do lado de Gonçalves Dias; e a entrada para o Povoado Vences­lau ou Cen­tro dos Came­los, pelo lado de Gov­er­nador Archer.

Era esse o meu uni­verso, os lim­ites que pode­ria fre­quen­tar após reapren­der a andar. A nossa casa ficava em um ele­vado aos pés de uma serra a meia dis­tân­cia dos dois pon­tos extremos do Cen­tro Novo. Abaixo de casa e à beira da estrada cor­ria o igarapé de Pedrin­has; feita em pau a piqué, pos­suía, além da parte res­i­den­cial, uns depósi­tos anexos todos com assoalho em madeira uti­liza­dos por meu pai para guardar o arroz que com­prava “na folha” para reven­der depois, quando o preço estivesse bom.

Com a pro­du­tivi­dade em alta, tanto de suas roças, quanto das com­pras que fazia, man­dara fazer um outro depósito maior na frente de casa no outro lado da estrada, para armazenar o arroz.

Quando era tempo de col­heita, ainda muito cri­ança, cinco, seis anos, acom­pan­hava meu pai, mon­tado em can­galha de bur­ros, pelas veredas, até as roças dos que venderam o arroz na folha para bus­car as sacas de arroz. Chegando lá, enchíamos as sacas de estopa, cos­turá­va­mos as “bocas” com bar­bante e agul­has, colocá­va­mos uma saca de cada lado dos bur­ros e voltá­va­mos para casa onde pesá­va­mos o arroz e colocá­va­mos no depósito; pelas veredas lá iam diver­sos bur­ros car­rega­dos de arroz, meu pai, meus irmãos mais vel­hos cada em um burro, as vezes puxando out­ros con­duzindo o com­boio. Não raro um burro “desem­bestava” com a carga ou atolava e o serviço dobrava.

No fim dia, pelas 16 horas, íamos “tratar” os ani­mais, que con­sis­tia levá-​los para o banho no igarapé ou no poço e depois alimentá-​los com milho e/​ou out­ras mis­turas para prepará-​los para a lida do dia seguinte.

Como já dito, meu pai tam­bém tinha suas próprias roças onde cul­ti­vava, arroz, fei­jão, milho, abób­ora, macax­eira, melan­cia, quiabo, max­ixe e tudo mais que uti­lizamos para nos ali­men­tar e ali­men­tar os bur­ros, vacas, por­cos, gal­in­has, etc. A mão de obra era do meu pai e dos meus irmãos, exceto vez ou outra quando o tra­balho aper­tava e havia neces­si­dade de se pagar alguma diária. Eu, por conta da pólio, par­tic­i­pava levando vez ou outra a refeição na roça ou uma cabaça com água fresca para eles.

Nos tem­pos de safra, aos fins de tarde, estendia-​se uns encer­a­dos e todos se ocu­pavam da debulha do milho ou do fei­jão. A debulha era um momento de lazer, até o horário de ir dormir se ficava naquele tra­balho enquanto se con­ver­sava ou se con­tavam cau­sos. O arroz para o con­sumo, quando não pilado no pilão era lev­ado para alguma usina, mas isso era exceção.

Vez ou outra apare­cia pelo Cen­tro Novo um ou outro “repen­tista” para que­brar a rotina.

Quase em frente a nossa casa, à dire­ita, ficava a casa de tia Malfísia, a irmã mais velha de meu pai e sua con­sel­heira, já a con­heci viúva, morava com uma das fil­has, Salete, e a neta, Fátima; ao lado de sua casa morava a outra filha, Cícera (Ciça) casada com Pingo e suas fil­has, Taz­inha e Neguinha; e já próx­imo ao depósito de papai, a Família Bizunga, que não sei se tinha algum par­entesco conosco (acred­ito que não).

Quase em frente, mas à esquerda de nossa casa ficava a casa de Batista, um con­tra­parente que tam­bém viera do Rio Grande do Norte e mais à frente, o ter­reno onde ficara a casa do meu avô. Aos fundo desse ter­reno havia um enorme pomar com man­gas de diver­sas espé­cies (manga rosa, espada, mesa, fiapo, massa …) sob a som­bra do arvoredo, nos dias livres, fazíamos diver­sas brin­cadeiras.

Esses foram os primeiros anos no cen­tro do uni­verso de uma cri­ança.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.