AbdonMarinho - Matapi, camarões e traíras.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 31 de Maio de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Mat­api, camarões e traíras.


Matapi, camarões e traíras.

Por Abdon C. Marinho.

FORAM os povos tupis das tri­bos local­izadas no litoral brasileiro que legaram os povos cabo­c­los do norte do país o instru­mento arte­sanal de nome mat­api grafado na lín­gua nativa como mat­apí uti­lizado para pesca de camarões e out­ros peixes.

O mat­api, ainda uti­lizado para pesca do camarão no for­mato arte­sanal, con­siste numa armadilha feita de taboca ou talas de palmeiras e cipó ou embi­ras para se fazer a amar­ração.

Os cabo­c­los colo­cam os “mat­apis” nos pon­tos de vazantes aguardando que o crustáceo fique preso na armadilha. Segundo espe­cial­is­tas em meio ambi­ente essa é a forma mais sus­ten­tável para a pesca do camarão.

Como a maio­ria dos leitores não são pescadores e pouco estão lig­ando o sis­tema de pesca arte­sanal devo dizer que essa intro­dução tem ape­nas o condão de servir como analo­gia aos últi­mos acon­tec­i­men­tos da polit­ica local.

Quer me pare­cer que “armaram o mat­apí” para pescar o camarão, nesse caso, um camarão bem maior que o camarão-​gigante-​da-​Malásia (Mac­ro­brachium rosen­bergii), tam­bém chamado de camarão gigante azul, espé­cie nativa do Sud­este Asiático e, que aos poucos, vai se intro­duzindo em ecos­sis­temas amazôni­cos.

E tento o camarão ingres­sado no mat­apí os pescadores e/​ou os mel­hores chefs leoni­nos preparam os man­jares a serem servi­dos tais como: bobó de camarão; risoto de camarão; moqueca de camarão; risole de camarão ou, ainda, camarão empanado ou camarão no alho e “Orleans”, eita cor­re­tor! Digo: óleo.

Out­ras receitas famosas para o crustáceo são: bolin­hos de man­dioca com camarão ao catupiry; camarão frito na cerveja; camarão frito empanado; polenta com crème de camarão; escon­did­inho de camarão; estro­gonofe de camarão e até vat­apá de camarão.

Como aper­i­tivo, para abrir o apetite, a sug­estão do chef é uma caipir­inha com cachaça de São Domin­gos ali nas ime­di­ações de Col­i­nas; e, como sobremesa, um rocam­bole de doce de leite de búfala da Baix­ada.

Deixando as aulas de pesca arte­sanal e as mel­hores receitas do nosso cardá­pio de lado para aden­trar no árido campo dos acon­tec­i­men­tos mesquin­hos dos dias atu­ais, tenho por certo que o nosso vice-​governador foi vítima de uma armadilha engen­drada por pes­soas que se fiz­eram pas­sar por “ami­gas”. Lit­eral­mente, armaram o mat­apí para o Camarão.

Não tenho motivos para duvi­dar da palavra do vice-​governador quando ele acusa de fal­si­dade os “prints” far­ta­mente dis­tribuí­dos pela imprensa.

Ao meu sen­tir, quem se passa por amigo, inclu­sive, chamando o outro de “chefe” para, ato con­tínuo, espal­har aos “qua­tro ven­tos” o con­teúdo da con­versa é capaz de tudo – até de fal­si­ficar “prints” ou vender a mãe (e entre­gar). A isso, no lin­gua­jar do sertão, dar-​se o nome “trairagem”, coisa de “traíra”, não o peixe, mas os homens.

A “trairagem” descabida vai de encon­tro a uma garan­tia con­sti­tu­cional aos que exercem o dire­ito de bem infor­mar a sociedade, insculp­ida no artigo 5º da Carta Con­sti­tu­cional: “XIV — é asse­gu­rado a todos o acesso à infor­mação e res­guardado o sig­ilo da fonte, quando necessário ao exer­cí­cio profis­sional”.

Como hoje o tempo passa numa veloci­dade bem maior, vejo que tudo já me parece ao reverso do certo. Pois sou de um tempo em que Jor­nal­is­tas, com “J” maiús­culo, pro­te­giam suas fontes com o sac­ri­fí­cio da própria liber­dade ou da própria vida. Foi pen­sando em pes­soas com tal nível de caráter que se fez inserir tal dis­pos­i­tivo na Con­sti­tu­ição Fed­eral como cláusula pétrea ou seja que não pode ser alter­ada.

É dizer, sob o império da Con­sti­tu­ição da República nen­hum jor­nal­ista é obri­gado a rev­e­lar quem lhe deu essa ou aquela infor­mação.

Daí ser incom­preen­sível – a mim, pois vejo a des­onra nor­mal­izada – , que jor­nal­is­tas façam uso de expe­di­ente vil para obter infor­mações e que faça uso das mes­mas da forma que tenho visto. Assim como, ao meu sen­tir, é igual­mente asqueroso que out­ros supos­tos jor­nal­is­tas dêem guar­ida a isso ao invés de ficarem do lado da vítima. No caso em tela, das duas víti­mas.

Mas vejo muitos jor­nal­is­tas, políti­cos, fazendo isso com tanto desas­som­bro que imag­ino viver em um mundo para­lelo, de con­ceitos inver­tidos.

Antes, repito, Jor­nal­is­tas mor­riam ou iam pre­sos por defender suas fontes agora vemos pes­soas se pas­sando por jor­nal­is­tas indo à polí­cia entre­gar seus equipa­men­tos de tra­balho – e se orgul­hando disso.

Mesmo admitindo-​se como ver­dadeiro o con­teúdo dos “prints” espal­ha­dos, tratou-​se de uma con­versa pri­vada entre duas pes­soas suposta­mente “ami­gas”, “mui ami­gas” – emb­ora do ponto de vista da biolo­gia traíras con­sumam camarões, rãs, inse­tos e out­ros peixes.

Em tese, as traíras “não aliviam” para ninguém. Logo, camarão parado é alvo fácil ou a maré leva.

Ora, a con­versa “não havida” entre duas pes­soas e não man­i­festa pub­li­ca­mente em ambi­ente público ou através de veícu­los de comu­ni­cação, diz respeito uni­ca­mente aque­les dois par­ticipes. Se um dos dois resolvem tornar aquela con­versa “não havida” pub­li­ca­mente, por mais grave que seja seu con­teúdo, é ele que é o ofen­sor e, de uma “tacada” só, ofende dois, com quem dial­o­gou e sobre quem se dial­o­gou.

Mesmo o “Vale tudo” da política, não dev­e­ria admi­tir que descon­hecessem con­ceitos ele­mentares de pri­vaci­dade. Já pen­saram no inferno que seria a vida sem a privacidade?

Não faz muito ouvi de um pas­tor, líder de uma denom­i­nação reli­giosa, que se viessem a público seus diál­o­gos de What­sApp com um deter­mi­nado político “o mundo viria abaixo”. Por um momento fiquei a imag­i­nar o um líder reli­gioso con­ver­saria com um político de “tão grave” a ponto do “mundo vir abaixo”.

Faço tais con­sid­er­ações para assen­tar o quanto é ridículo essa “ópera-​bufa” que ten­tam ence­nar na nossa já deca­dente cena política brasileira, com dia sim, no outro tam­bém, alguém rever­berando diál­o­gos “não havi­dos” em caráter pri­vado.

Vejam, por mais graves que tenha sido o con­teúdo dos “diál­o­gos não havi­dos” os mes­mos ocor­reram em caráter pes­soal entre duas pes­soas e, repito, a suposta gravi­dade, em todos os aspec­tos, não são os tais diál­o­gos em si, mas sim, a pub­li­ciza­ção dos mes­mos e a sua explo­ração política, inclu­sive, por uma de suas supostas víti­mas.

O diál­ogo pri­vado encontra-​se no mesmo pata­mar: o que eu penso de você não lhe diz respeito a menos que eu os exponha pub­li­ca­mente.

Nesse caso, o bem maior a ser con­sid­er­ado e pro­te­gido, inclu­sive por imper­a­tivo con­sti­tu­cional, é a intim­i­dade e a vida pri­vada das pes­soas.

Encerro dizendo que no dia em todas as con­ver­sas pri­vadas forem rev­e­ladas o mundo acaba.

Que libere sig­ilo total de todos seus diál­o­gos os que dis­cor­darem.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado e cronista.