AbdonMarinho - ATAQUE AO JUDICIÁRIO: UM ALERTA NECESSÁRIO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 20 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

ATAQUE AO JUDI­CIÁRIO: UM ALERTA NECESSÁRIO.

ATAQUE AO JUDI­CIÁRIO: UM ALERTA NECESSÁRIO.

Por Abdon Marinho.

COM a pub­li­cação dos dois últi­mos tex­tos ver­sando sobre a sen­tença de primeiro grau que declarou a ineleg­i­bil­i­dade do atual gov­er­nador e mais três pes­soas e as suas con­se­quên­cias no mundo jurídico, pen­sei haver esgo­tado minha par­tic­i­pação no assunto.

Ledo engano, com cidadão, como advo­gado, como defen­sor do Estado Democrático de Dire­ito e da democ­ra­cia como uma con­quista da civ­i­liza­ção, não tenho o dire­ito de ficar cal­ado diante do que tenho assis­tido com relação a este episódio.

Morando e par­tic­i­pando da vida política nesta Ilha de São Luís há mais de trinta anos, não me recordo – nem mesmo durante os ester­tores da ditadura –, de assi­s­tir a uma “caçada” tão inclemente e desre­speitosa quanto à que vem sofrendo a juíza eleitoral da zona de Coroatá.

Desde que pro­feriu a decisão que cas­sou o mandato do prefeito e vice-​prefeito daquele municí­pio e declarou a ineleg­i­bil­i­dade do gov­er­nador e de um ex-​secretário e atual can­didato a dep­utado fed­eral, uma rede de blogues ali­a­dos politi­ca­mente ao grupo que se encon­tra no poder e out­ros que até recebem ou rece­biam por anún­cios e/​ou asses­so­rias no gov­erno, têm se ocu­pado de vas­cul­har, dene­grir, fazer ilações e insin­u­ações sobre a mag­istrada e – pas­mem –, sobre seus familiares.

Li, que fiz­eram, inclu­sive, uma busca nos arquivos do Tri­bunal de Justiça para inves­ti­gar as condições de ingresso da mesma na mag­i­s­tratura maran­hense.

Um outro com insin­u­ações sobre seu marido.

Tanto acusam Sar­ney de maquinações diver­sas, entre­tanto, o que assis­ti­mos é um espetáculo de hor­rores pro­movi­dos por aque­les que vieram em nome “novo” jus­ta­mente prom­e­tendo que tais coisas não mais ocorreriam.

Vejo dep­uta­dos, secretários, ali­a­dos, os mais diver­sos, além dos con­tu­mazes adu­ladores de plan­tão atentarem con­tra a honra e a dig­nidade de uma cidadã. Sim, antes de juíza, aten­tam, descarada­mente, con­tra uma cidadã.

Isso é o “novo”? Essa é a democ­ra­cia e a liber­dade prometi­das?

É de se imag­i­nar: se nem uma juíza de dire­ito, que tem atrás de si todo um aparato insti­tu­cional sofre, por seu ofí­cio, tan­tos ataques, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum? Como pes­soas como eu ou você que não somos “ninguém”?

O com­por­ta­mento do gov­er­nador e seus ali­a­dos no episó­dio ultra­passa o lim­ite aceitável em qual­quer democracia.

Nas democ­ra­cias quando uma decisão é pro­ferida, e alguém dela dis­corda, busca-​se o cam­inho dos recur­sos próprios para revertê-​la e não o lin­chamento moral de quem a pro­feriu. Colo­car a família como alvo de ataques rasteiros é algo que só foi ou é aceitável nas ditaduras mais atrasadas no mundo, como por exem­plo na Cor­eia do Norte onde as punições “pas­sam” da pes­soa para alcançar seus famil­iares; ou como foi no régime stal­in­ista da antiga União Soviética.

Um com­por­ta­mento tão incom­patível com os dita­mes das democ­ra­cias mod­er­nas, leva-​nos à con­clusão que lhes fal­tam razão para descon­sti­tu­ição da decisão com argu­men­tos jurídicos.

Quero acred­i­tar que estas ini­cia­ti­vas não são ori­en­tadas a par­tir do palá­cio ou com a estru­tura de estado, o que, decerto, car­ac­ter­iza crime a mere­cer a inves­ti­gação da Polí­cia Fed­eral e a pronta repri­menda dos órgãos judiciais.

Quer dizer, então que agora um juiz, um desem­bar­gador, um min­istro não pode mais pro­ferir uma sen­tença, um despa­cho, que con­trarie a von­tade do gov­er­nante sem ser lin­chado em praça pública? Sem ter expos­tos seus famil­iares aos achin­cal­hes? Esse é o novo mod­elo de democ­ra­cia do país?

Caso se con­firme a ingerên­cia insti­tu­cional do gov­erno estad­ual – ainda que indi­reta, através de veícu­los que recebem recur­sos públi­cos –, nessa tene­brosa ten­ta­tiva de lin­chamento con­tra a mag­istrada, forçoso recon­hecer que razão assiste ao ex-​presidente Sar­ney ao recla­mar, em artigo recente, de práti­cas “stal­in­istas” do atual gov­erno.

E, pior, um stal­in­ismo tosco, can­he­stro, per­dido no espaço e no tempo, mas, ainda assim, capaz de muito mal causar à nossa jovem democracia.

Vejam, uma juíza ape­sar de suas rel­e­vantes funções é uma cidadã deten­tora de dire­itos, den­tre os quais a vida pri­vada. Não é aceitável – não numa democ­ra­cia –, que seja achin­cal­hada e exposta como vem sendo a mag­istrada que pro­feriu uma sen­tença que con­trar­iou os atu­ais donos do poder. E, mais, que este tipo de vio­lên­cia se estenda à honra de seus famil­iares, que nada têm com sua função judicante.

Como dito ante­ri­or­mente, você pode dis­cor­dar de uma decisão – é um dire­ito da defesa que isso ocorra -, o que não se pode é abrir-​se uma “caça às bruxas” com inves­ti­gações sub­ter­râneas sobre a vida das pes­soas com o intu­ito de, com argu­men­tos lat­erais, pro­mover a descon­sti­tu­ição de uma sentença.

O cam­inho não é esse. As leis ensi­nam como se faz. Pode se bus­car esclare­cer a decisão, pode se recor­rer à segunda instân­cia e, até mesmo, a uma instân­cia supe­rior.

O mais grave que este episó­dio rev­ela é que os atu­ais gov­er­nantes – e seus ali­a­dos –, perderam a medida do que podem ou não fazer. Como se fins jus­ti­fi­cas­sem os meios – quais­quer meios.

É isso que as autori­dades com­pe­tentes dev­erão inves­ti­gar.

O TRE – a quem a juíza está sub­or­di­nada por conta da judi­catura eleitoral –, dev­erá, se ainda não o fez, solic­i­tar uma inves­ti­gação à Polí­cia Fed­eral para saber de onde partem os ataques à mag­istrada, se há uso do apar­elho e de recur­sos estatais para o que veem fazendo.

O mesmo com­por­ta­mento deve ter o TJMA, bus­cando a preser­vação da inte­gri­dade da mag­i­s­tratura estadual.

Veja que aqui não se fala em cen­sura à imprensa, longe disso, o que clama apu­ração rig­orosa é saber se há ingerên­cia insti­tu­cional nos ataques à mag­istrada e/​ou famil­iares; se pes­soas remu­ner­adas, ainda que indi­re­ta­mente pelo poder público, estão fazendo esse tipo de serviço sujo.

Em sendo ver­dade essa inter­fer­ên­cia do gov­erno, estare­mos diante de uma situ­ação de gravi­dade impar: uma insti­tu­ição de Estado, no caso o Poder Exec­u­tivo, tra­bal­hando para o desmerec­i­mento de outra insti­tu­ição, no caso o Poder Judi­ciário.

Outra coisa que chama a atenção é que os deman­da­dos na ação em tela, copiando a estraté­gia do ex-​presidente Lula, ao invés de dis­cu­tir a matéria nos autos do processo, quer discuti-​la nas redes soci­ais, jor­nais e blogues, avançando pela achin­calhe e a “descon­strução” da juíza pro­la­tora da decisão.

A difer­ença entre o que fazem o ex-​presidente e seus ali­a­dos é que aque­les uti­lizam suas estraté­gias de con­fronto com as insti­tu­ições (Poli­cia Fed­eral, Min­istério Público e Judi­ciário) na esfera pri­vada, não se tratam (mais) de autori­dades con­sti­tuí­das que têm o dever de zelar pelas leis e pelas insti­tu­ições.

Aqui não, são agentes públi­cos, gov­er­nador, secretários, dep­uta­dos, que “vesti­dos” como autori­dades tra­bal­ham para desmere­cer uma juíza e seus famil­iares. E não é só, utilizam-​se de seus ali­a­dos – e ou sub­or­di­na­dos, não se sabe, a PF pre­cisa apu­rar isso com rigor –, na mídia para atacar, achin­cal­har e enx­o­val­har a honra das pes­soas que os con­trariam.

Quando autori­dades não com­preen­dem o seu papel insti­tu­cional faz-​se necessário chamar a atenção para os riscos que corre a democ­ra­cia. Autori­dades não podem se com­por­tar como “valen­tões” ou afrontar pes­soas e insti­tu­ições com o poder que detém em nome do povo.

O poder per­tence ao povo e foi con­ferido para o livre exer­cí­cio na busca do bem comum e não dos próprios interesses.

Abdon Mar­inho é advogado.

Comen­tários

0 #1 Fabi­ano Z D 14-​08-​2018 01:01
Exce­lente artigo.
Nova­mente o gov­erno ata­cando pes­soal­mente as pes­soas que exe­cu­tam suas tare­fas como profis­sion­ais, sendo juizes, pro­mo­tores ou advo­ga­dos. Parece serem con­tra uma Juris­dição livre e sem rabo preso.
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