AbdonMarinho - Proibido para deficientes.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Segunda-​feira, 13 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Proibido para deficientes.


PROIBIDO PARA DEFI­CIENTES.

Por Abdon C. Marinho.*

FERI­ADO DA ADESÃO do Maran­hão a Inde­pendên­cia do Brasil com quase um ano de atraso trouxe a lem­brança que um com­pro­misso profis­sional no iní­cio da sem­ana levou-​me a um edifí­cio público.

Lá chegando percebi que tinha uma rampa de acesso para facil­i­tar o acesso de pes­soas com defi­ciên­cia e/​ou mobil­i­dade reduzida. Os cinco ou seis degraus e existên­cia de cor­rimão me fiz­eram optar pelo cam­inho mais curto.

No saguão fui infor­mado que o com­pro­misso seria no segundo andar e que não have­ria um ele­vador para levar-​me ao local da reunião.

Na vez ante­rior que lá estive para tratar da mesma pauta a direção do órgão público e os téc­ni­cos gen­til­mente desce­ram para nos aten­der em uma saleta impro­visada no térreo. Con­fiando nas várias sessões de fisioter­apia que tenho feito nos últi­mos meses e con­siderando que na reunião have­ria a exibição de slides, tal qual o cav­aleiro errante D. Quixote impus-​me a tarefa de vencer os inter­mináveis qua­tro lances de escada até o local do compromisso.

As difi­cul­dades da subida me fiz­eram obser­var cada detalhe da empre­itada. Os degraus, emb­ora altos para os que têm difi­cul­dades de loco­moção, são lar­gos e, pareceram-​me, den­tro das nor­mas de con­strução; o cor­rimão, em madeira de lei, ao meu sen­tir, estava ade­quado, a ilu­mi­nação pés­sima.

Cheguei ao topo exausto e dando meu reino por uma cadeira.

Find­ada a reunião pus-​me ao desafio de fazer o cam­inho de volta. E, para quem disse que para descer todo santo ajuda, cer­ta­mente não con­hece o for­mato da escada e fato de que à dire­ita de quem desce não pos­sui cor­rimão e, os degraus altos, torna cada passo um risco de estatelar-​se lá embaixo.

Então, para descer pre­ci­sei do braço amigo do meu acom­pan­hante que fez às vezes de cor­rimão portátil.

Ape­nas assim con­segui chegar de volta ao térreo são e salvo.

Pois bem, se você chegou até aqui merece saber que o pré­dio que falo e que rep­re­senta um ver­dadeiro acinte à mobil­i­dade das pes­soas como difi­cul­dades de loco­moção é o Palá­cio Hen­rique de La Roque.

A con­sid­erar a aces­si­bil­i­dade, uma hom­e­nagem infame ao impor­tante político maran­hense.

Nunca tinha ido lá – e devo pas­sar tan­tos out­ros anos sem voltar.

Chega a ser ina­cred­itável que um edifí­cio público que já serve ao gov­erno do estado há mais de vinte anos seja um pré­dio proibido à pes­soas com deficiência.

Vejam, fui lá uma vez, e até que colo­quem um ele­vador, não desejo voltar. Fico imag­i­nando que exceto no térreo o edi­fico não admite que pes­soas com defi­ciên­cia tra­bal­hem nele. É desumano sub­me­ter qual­quer pes­soa com defi­ciên­cia à mis­são de, diari­a­mente, ter que subir e descer aque­las escadas. Só con­seguem com muito sofri­mento e risco de morte diário.

Cadeirantes e defi­cientes visuais, nem pen­sar.

Como deixei claro, a difi­cul­dade é maior – pelo menos no meu caso –, é para descer, vez que a escada não pos­sui cor­rimão à dire­ita de quem desce e a parede (irreg­u­lar) não per­mite qual­quer apoio, sem con­tar a altura dos degraus e a baixa ilu­mi­nação.

Disse que o edifí­cio serve ao estado há vinte anos, mas acred­ito que já se vão quase trinta anos, tempo em que serviu aos diver­sos tipos de gov­er­nos sem que ninguém, uma viva alma se desse conta que nós defi­cientes físi­cos, visuais exis­ti­mos, e mais, que somos sujeitos de dire­itos – e obri­gações.

Um dos prin­ci­pais dire­tos – garan­ti­dos a todos –, é o dire­ito de loco­moção, o de ir e vir, o de poder aces­sar as repar­tições e órgãos públi­cos.

Para o Estado do Maran­hão, durante todos esses anos, é como se fôsse­mos invisíveis.

A nen­huma das autori­dades estad­u­ais, secretários, ger­entes, inter­mediários ou mesmo puxa-​sacos, que sem­pre cerca o poder, sobrou um mín­imo de sen­si­bil­i­dade para perce­ber que qual­quer pes­soa com defi­ciên­cia não con­segue aces­sar o edi­fico além do térreo.

Cer­ta­mente a engen­haria daria um jeito de implan­tar um ele­vador, mas nada. Em quase três décadas, sei lá, ninguém ligou.

Mas nem falo de obras mais caras ou elab­o­radas – muito emb­ora um edi­fico público tenha o dever de asse­gu­rar aces­si­bil­i­dade para todos –, o que mais me chamou a atenção foi a ausên­cia de um cor­rimão. Um mísero de um cor­rimão para aju­dar a nós, des­graça­dos defi­cientes – que aos olhos do Estado deve­mos ser cul­pa­dos por nossa condição –, a subir e descer escadas de uma repar­tição pública.

Sem­pre que me deparo com situ­ações assim, nos momen­tos de raiva, frus­tração e humil­hação me passa pela cabeça man­dar fazer e insta­lar o c** do cor­rimão no local.

Qual­quer hora dessa ainda faço – e divulgo.

Outra ideia que me ocorre é fazer uma “vaquinha” pedindo a pop­u­lação doações para fazer e insta­lar o ben­dito cor­rimão.

Não é crível que o estado que gasta mil­hões com lagosta, canapés, tru­fas e out­ras gulo­seimas não con­siga, ao menos, tornar acessível a todos os logradouros públi­cos, suas repar­tições ou mesmo colo­car um cor­rimão numa escada.

Igual­mente ina­cred­itável que o Min­istério Público tão dili­gente – e que cer­ta­mente sobre­tudo quando o edi­fico fun­cionava como sede do gov­erno –, nunca tenha se dado conta e cobrado a aces­si­bil­i­dade para as pes­soas com defi­ciên­cia, não ape­nas naquele edifí­cio, mas, tam­bém, em tan­tos out­ros que nos são proibidos o acesso.

Tão ilus­tres e insen­síveis autori­dades são inca­pazes de imag­i­nar o quanto é frus­trante e por vezes humil­hantes não con­seguimos aces­sar os logradouros, repar­tições ou mesmo os meios de trans­porte público e pre­cisamos do socorro de ter­ceiros para fazê-​lo.

Tão ilus­tre quanto omis­sos talvez devessem “pagar pen­itên­cia” no milho por suas omis­sões.

É difí­cil imag­i­nar uma sociedade igual­itária quando mesmo os dire­itos mais bási­cos nos são nega­dos.

Diari­a­mente, em todos os lugares, nos deparamos com desafios a aces­si­bil­i­dade, mesmo quando ten­tam fazer, fazem de forma errada ou inad­e­quada, sem levar em conta a neces­si­dade de acesso de quem vai uti­lizar. Um exem­plo, pre­cisamos de ram­pas, tenho encon­trado algu­mas por onde ando que a elas preferiria uma escada com cor­rimão.

No caso do palá­cio proibido o que me chama atenção é o fato de que todos que o fre­quen­tou e fre­quenta ao longo dos anos, sobre­tudo, quando foi sede do gov­erno, cer­ta­mente perce­beram sua “defi­ciên­cia” mas fiz­eram questão de igno­rar.

O pré­dio não é inad­e­quado e inacessível porque não sabiam ou porque falte din­heiro (até para o cor­rimão) é por insen­si­bil­i­dade e desumanidade.

Repito: para eles é como se não existísse­mos.

Como na Inde­pendên­cia, na aces­si­bil­i­dade o Maran­hão tam­bém chega atrasado.

Abdon C. Mar­inho é advogado.