AbdonMarinho - Tempos de guerras, tempos de glória.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 12 de Maio de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Tem­pos de guer­ras, tem­pos de glória.

TEM­POS DE GUERRA, TEM­POS DE GLÓRIA.

Por Abdon C. Marinho*.

PAS­SA­DOS ALGUNS dias já me sinto à von­tade – e acred­ito ser dev­ido –, para com­par­til­har com os leitores que acom­pan­ham meus tex­tões há mais de uma década, uma exper­iên­cia que me mar­cou nos últi­mos dias, sobre­tudo, por ser uma primeira vez.

Desde muito cedo aprendi que a vida é uma guerra e que não podemos nos deixar abater diante das intempéries.

Longe de ser uma pes­soa frágil, considero-​me como as árvores da caatinga ou como o couro do “gibão” dos vaque­iros do sertão nordes­tino.

Acostumei-​me a ser assim: a não me deixar abater diante das difi­cul­dades ou a encon­trar graça ou motivo para piada onde os demais só enx­ergam tris­teza ou angús­tia.

Diante da pos­si­bil­i­dade de ter que fazer uso de uma cadeira de rodas para me deslo­car senti o “chão fal­tar”. Não foi a primeira vez, tam­bém, me senti mal quando os médi­cos da rede Sara de São Luís me recomen­daram o uso de uma ben­gala a cerca de duas décadas quando tive a segunda recidiva da poliomielite.

Agora, desta vez por imposição da neces­si­dade, deu-​se nova­mente, a mesma sen­sação de tris­teza e angús­tia quando tive, pela primeira vez, na vida tive que fazer uso de uma cadeira de rodas nos meus deslo­ca­men­tos.

Havendo a neces­si­dade de ir aten­der uma demanda na Paraíba e tendo o cliente exigido que fosse pes­soal­mente, não tive escolha: foi pegar fazer as malas, “pegar o Gua­n­abara”, e par­tir.

Con­forme já externei em tex­tos ante­ri­ores, atual­mente enfrento uma ter­ceira recidiva da poliomielite.

Há alguns anos, senti uma intensa fraqueza mus­cu­lar nos mem­bros infe­ri­ores e por último, tenho sen­tido que tornozelo dire­ito já não se encon­tra com a firmeza de out­rora, o resul­tado é que qual­quer sap­ato que use o pé vira, ou seja, o apoio na lat­eral do pé o que provoca dores inten­sas no tornozelo que para poupá-​lo evito car­regar qual­quer peso e o corpo tenta com­pen­sar forçando o uso da ben­gala o que tem provo­cado dores no cotovelo e ombro esquer­dos, lado em uso a ben­gala.

Há quase um ano que faço fisioter­apia pelo menos três vezes na sem­ana e tento man­ter uma rotina de exer­cí­cios diários. Essa neces­si­dade forçou-​me a mon­tar prati­ca­mente uma acad­e­mia com­pleta em casa.

Viagem inadiável é necessária aos negó­cios, sem pos­si­bil­i­dade de uma outra pes­soa ir no meu lugar, nada restava a fazer.

Com tan­tas “quizilas” já sabia que não teria qual­quer condição de per­cor­rer as lon­gas dis­tân­cias den­tro dos nos­sos aero­por­tos. É tudo muito longe. Os pré­dios públi­cos, tam­bém, são todos muito sun­tu­osos, difi­cul­tando ou inibindo o acesso de pes­soas com defi­ciên­cia ou mobil­i­dade reduzida.

Sobre tal situ­ação, aliás, se ainda não existe uma lei fed­eral, estad­ual ou munic­i­pal, é opor­tuno que se aprove uma garan­ti­ndo que todos os pré­dios públi­cos ou mesmo empre­sas pri­vadas man­ten­ham cadeiras de rodas disponíveis para as pes­soas com defi­ciên­cia ou mobil­i­dade reduzida. Você em algum órgão público ou mesmo empresa pri­vada e só avista os corre­dores a perder de vista e não encon­tra uma cadeira de rodas para facil­i­tar a vida do cidadão. Um hor­ror que cansa só de imag­i­nar.

Via­jei com o amigo Emer­son Pinto que já, ao com­prar as pas­sagens, infor­mou da neces­si­dade de sorte que ao chegar­mos no aero­porto de São Luís, assim como nos demais, já dis­puse­mos da cadeira de rodas para fazer os deslo­ca­men­tos inter­nos.

Muito emb­ora, exter­na­mente, tudo pare­cesse “cor­rer as mil mar­avil­has”, aprovei­tando para tirar fotos, reg­is­trar o momento, furar as filas e con­tar com o olhar com­pas­sivo das pes­soas e brin­cava com Emer­son enquanto ele empurrava a cadeira de rodas “pra cima e pra baixo” dizendo está­va­mos pare­cendo aquele filme Intocáveis, com François Cluzet e Omar Sy, que entrou em car­taz em 2011, inter­na­mente, nos vagares que só a mim perte­cem, estava “destruído”, lem­brava da primeira fase da pólio, quando os médi­cos diziam que não con­seguiria andar e que tive que apren­der a andar nova­mente; como tive uma infân­cia e ado­lescên­cia ativa ape­sar de todos os pesares, cor­rendo para todos lugares, par­tic­i­pando de quase todas as brin­cadeiras, pegando ônibus para ir para a escola ou fac­ul­dade (às vezes, até dando bico para acom­pan­har os cole­gas); depois veio a segunda recidiva impondo o charme cruel da ben­gala e agora, essa ter­ceira recidiva, impondo o uso da cadeira de rodas.

E agora, como será daqui pra frente, pre­cis­arei sem­pre de alguém para me acom­pan­har, pro­te­ger, levar aos lugares mais corriqueiros?

Difer­ente de um atleta – emb­ora insista em dizer que sou um –, que por um aci­dente ou uma outra cir­cun­stân­cia, tem que fazer uso de tal apoio, no meu caso é um pouco difer­ente, não sei o grau de seque­las que sobrarão desta vez.

Ten­ta­tiva me con­vencer que era momen­tâ­neo, que era dev­ido as dis­tân­cias a serem per­cor­ri­das e tan­tas out­ras des­cul­pas para jus­ti­ficar a situ­ação.

A tais angús­tias, somava-​se o fato da recidiva apare­cer jus­ta­mente nesta quadra em que estou implan­tando uma nova empresa que tem como ponto ful­cral a ideia de aju­dar tanta gente ou o fato de alcançar-​me jus­ta­mente quando decido colo­car o meu nome na dis­puta da vaga de desem­bar­gador pelo quinto con­sti­tu­cional, com lim­i­tações para vis­i­tar os cole­gas no inte­rior ou mesmo na cap­i­tal, sem lorde ir para o corpo a corpo nos vários colé­gios eleitorais.

No texto em que coloco-​me à dis­posição dos cole­gas na dis­puta pela vaga da advo­ca­cia já os alerto das difi­cul­dades que ter­e­mos e apelo para que cada um sinta-​se “dono” da “cam­panha” e con­siga os votos como para si próprio fosse.

Sem­pre que me deparo com tais situ­ações ou “prob­le­mas”, por assim dizer, fico me imag­i­nando que essa é mais uma guerra a ser enfrentada, como se Deus que creio estivesse, mais uma vez, tes­tando os lim­ites da minha resil­iên­cia e fé. Veio a pólio, a orfan­dade logo em seguida, a cri­ação como Deus cria batatas na beira do rio, a segunda orfan­dade, a segunda recidiva, a ter­ceira recidiva … o que mais?

Sou deten­tor de imensa fé em Deus. Tal cir­cun­stân­cia foi se cristal­izando ao longo dos anos quando pas­sei a perce­ber que os desafios que eram pos­tos diante de mim em cada etapa da vida, eram desafios para os quais estava pronto para encarar ou já pos­suía as condições necessárias para os seus enfrenta­men­tos. E, sem­pre com o máx­imo de dig­nidade, os enfrentei.

Não sei quan­tos desafios ainda terei pela frente, mas sei que tem­pos de guer­ras tam­bém podem ser tem­pos de glória.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.