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A democ­ra­cia não teme as ruas

Escrito por Abdon Mar­inho

A DEMOC­RA­CIA NÃO TEME AS RUAS.

Por Abdon Marinho.

FOI nos meus primeiros anos na escola – e já se vão uns quarenta anos –, que aprendi o sig­nifi­cado da palavra democ­ra­cia. Lá estava a pro­fes­sor­inha dizendo: o termo democ­ra­cia vem do grego dēmokratía e sig­nifica gov­erno do povo, sendo que “demos” = povo e kratos = poder; o termo democ­ra­cia tem origem no século V a. C.

Dito isso, temos por certo que o con­ceito de democ­ra­cia e sua sig­nifi­cação tem mais de dois mil e quin­hen­tos anos de “estrada”.

Faço tais con­sid­er­ações bási­cas porque, pelo que tenho ouvido, lido e assis­tido de man­i­fes­tações, prin­ci­pal­mente, de autori­dades, chego a con­clusão que o Brasil pre­cisa voltar ao primário.

São dois milênios e meio de um con­ceito que as pes­soas, ainda nos dias atu­ais, teimam em não saber, ou pior, em dá a inter­pre­tação que lhes é conveniente.

Digo isso a propósito de uma man­i­fes­tação agen­dada para o dia 15 de março em apoio ao gov­erno fed­eral e às muitas inter­pre­tações e nar­ra­ti­vas a respeito da mesma.

Até onde sei, o movi­mento, ainda que com a par­tic­i­pação de alguns inte­grantes do gov­erno, é autônomo, vale dizer não é “ban­cado” com recur­sos públi­cos; não está coagindo ninguém a par­tic­i­par e está fazendo suas con­vo­cações para defender seus posi­ciona­men­tos, num espec­tro político de ampla liber­dade de ideias.

Até o onde sei, a con­vo­cação não parte do chefe do Poder Exec­u­tivo – e ainda que par­tisse, não teria nada demais –, que, ape­nas, e tão somente, retrans­mi­tiu uma men­sagem de con­vo­cação do ato marcado.

Este sim­ples ato – retrans­mi­tir uma men­sagem ou diver­sas men­sagens –, tem sido inter­pre­tado pelos “sábios” de plan­tão como um crime de respon­s­abil­i­dade, a moti­var o impeach­ment do pres­i­dente e um aten­tado con­tra a democ­ra­cia.

São min­istros do supremo, gov­er­nadores de estado, senadores e dep­uta­dos, estad­u­ais e fed­erais, além de inúmeros jor­nal­is­tas, muitos à soldo de deter­mi­nadas pau­tas, falando estas e out­ras bobagens.

A democ­ra­cia não teme as ruas, não teme o povo nas ruas prote­s­tando, muito pelo con­trário, isso é da essên­cia das democ­ra­cias pujantes.

Ape­nas para citar alguns exem­p­los, depois da Segunda Guerra Mundial já tive­mos mul­ti­dões nas ruas con­tra a cor­rida arma­men­tista; con­tra a pro­lif­er­ação de armas nucleares; con­tra as guer­ras das Cor­eias e do Vietnã; as man­i­fes­tações de 68; con­tra e a favor do aborto; con­tra o Muro de Berlim, etc.

No Brasil tive­mos inúmeras man­i­fes­tações con­tra o régime mil­i­tar; pela volta das eleições dire­tas; pela Con­sti­tu­inte; pelo impeach­ment de Col­lor; por reforma agrária; as man­i­fes­tações de 2013, com pau­tas diver­sas; pelo impeach­ment de Dilma, etc.

O povo é o “dono” da democ­ra­cia pelo sim­ples fato, como repisamos a lição do primário, que muitos esque­ce­ram, democ­ra­cia é o povo no poder (demos” = povo e kratos = poder).

Me per­doem, mas sus­ten­tar que o povo nas ruas prote­s­tando por quais­quer pau­tas, ainda as mais absur­das, atenta con­tra a democ­ra­cia, é pas­sar um ates­tado de ignorância.

Vi uns e out­ros dizendo que os protestos serão pro­movi­dos por rea­cionários, con­ser­vadores. E daí?

Estas pes­soas são tão cidadãos quanto os demais, cumprem suas obri­gações e pagam seus impos­tos como quais­quer outros.

Os inco­moda­dos que mar­quem seus protestos tam­bém, defendam suas pau­tas nas ruas.

A mar­avilha de viver­mos no Brasil é que qual­quer um tem plena liber­dade de ir às ruas fazer seu protesto, soz­inho ou em grupo, desde que pací­fico.

Até bem pouco tempo tín­hamos protestos quase diários em Brasília, muitos deles vio­len­tos e quase todos custea­dos com din­heiro público. Os par­tidos que estavam no poder “apar­el­haram” movi­men­tos soci­ais para que fos­sem as ruas pres­sionar o Con­gresso Nacional e o Supremo Tri­bunal Fed­eral, na defesa de suas pau­tas.

Isso nunca cau­sou escân­dalo em quem quer que fosse, nem mes­mos nestes que hoje se dizem escan­dal­iza­dos pelo fato do pres­i­dente da República ter retrans­mi­tido uma men­sagem que con­voca um ato pací­fico, custeado as expen­sas dos seus par­tic­i­pantes e orga­ni­zadores, em defesa do seu governo.

Onde estavam nas últi­mas décadas quando os gov­er­nos patroci­navam com recur­sos públi­cos toda a sorte de man­i­fes­tações e movi­men­tos, inclu­sive, os de cunho violento?

Onde estavam os min­istros do Supremo? onde estavam os pres­i­dentes das casas do Con­gresso Nacional? Onde estavam os gov­er­nadores? Onde estavam os dep­uta­dos estad­u­ais, fed­erais e senadores?

Pois é, antes tin­ham a com­preen­são que man­i­fes­tações públi­cas eram expressões legí­ti­mas da democ­ra­cia, agora não.

Con­tinua sendo, o povo é o dono real do poder. Ele na rua é sinôn­imo de que as coisas devem ser resolvi­das den­tro das regras da democ­ra­cia.

Não sei se assisto a um dan­tesco espetáculo de hipocrisia ou de cin­ismo. Tomem tento, meus sen­hores, como dizia meu pai.

A Con­sti­tu­ição Fed­eral no seu artigo 5º, inciso XVI, asse­gura: “XVI — todos podem reunir-​se paci­fi­ca­mente, sem armas, em locais aber­tos ao público, inde­pen­den­te­mente de autor­iza­ção, desde que não frus­trem outra reunião ante­ri­or­mente con­vo­cada para o mesmo local, sendo ape­nas exigido prévio aviso à autori­dade competente;”.

Este dis­pos­i­tivo con­sti­tu­cional é uma garan­tia dos dire­itos da cidada­nia. Sim, os cidadãos podem ir às ruas protestarem livre­mente con­tra o que acham errado; podem recla­mar dos poderes e insti­tu­ições. Isso é democracia.

Ah, estão con­vo­cando para protes­tar con­tra o Con­gresso Nacional e con­tra o STF. E o que tem de errado em protes­tar con­tra o Con­gresso Nacional e o STF?

Estes poderes, assim como o Poder Exec­u­tivo, estão sub­or­di­na­dos a von­tade dos cidadãos.

Não ape­nas podem, mas sem­pre que pos­sível, até para que saibam que não estão agradando, devem ser alvos de protestos nas ruas, sim!

O protesto é o cidadão que paga a conta dizendo que não con­corda com o que estão fazendo fal­sa­mente em seu nome.

O que inco­moda os que estão com esse mim­imi todo é que, pelo que soube, a pauta do protesto con­vo­cado é muito especí­fica: os man­i­fes­tantes estão con­tra o fato do Con­gresso Nacional querer dis­por de uma gorda fatia do orça­mento da União, traduzindo, do din­heiro público em bene­fí­cio de seus próprios mem­bros.

São trinta bil­hões, ou mais, que o Con­gresso Nacional – mais caro do mundo –, quer “meter a mão”. Os que protes­tam têm a plena con­vicção que grande parte, senão a maior parte, destes recur­sos serão desvi­a­dos. Voltarão para o bolso de suas excelên­cias, salvo rarís­si­mas exceções.

Fazia tempo que não via uma pauta tão justa.

O povo nas ruas, de forma ordeira e pací­fica, vai dizer que não con­corda que o seu din­heiro, o nosso din­heiro, o din­heiro do con­tribuinte seja rou­bado, é isso. Só isso!

Na defesa dos recur­sos da nação, con­tra os rou­bos, insti­tu­cional­iza­dos ou não, dev­e­ria haver um protesto diário.

O Brasil tem o estranho “tal­ento” de trans­for­mar ideias boas em monstros.

É o que acon­tece com o tal orça­mento impos­i­tivo. A ideia era boa. Mas o que tem acon­te­cido? Suas excelên­cias querem se apoderar da maior parte do orça­mento da união em proveito próprio.

Trata-​se de uma per­ver­são da democ­ra­cia. Os dep­uta­dos e senadores “nadando no din­heiro público”, sem con­tar os fun­dos eleitorais e par­tidários, dis­putam eleições em condições de abso­luta desigual­dade com os demais brasileiros que dese­jam rep­re­sen­tar o seu povo numa das casas do con­gresso.

Nos últi­mos tem­pos, o que mais tenho ouvido são pes­soas dizendo que não têm cor­agem de enfrentar uma dis­puta eleitoral com os atu­ais deten­tores de mandatos eletivos.

Essa desigual­dade, a que as autori­dades pare­cem cegas, fere muito mais a democ­ra­cia do que a con­vo­cação de qual­quer protesto pop­u­lar.

Ape­nas os bem idio­tas ou mal inten­ciona­dos caem nessa lorota de que os pres­i­dentes da Câmara dos Dep­uta­dos e do Senado da República estão pre­ocu­pa­dos com a democ­ra­cia no país.

Neste caso especí­fico, menos ainda, pois não é seg­redo para ninguém que dese­jam a manip­u­lação destes recur­sos da nação para “con­vencerem” seus pares a mudarem a Con­sti­tu­ição da República e per­mi­tir que os mes­mos se per­petuem nos car­gos. É “só” isso que querem.

O país não pode se calar diante disso. O cam­inho das ruas é o mais democrático e o único a seguir.

O povo nas ruas prote­s­tando é a prova de que nem tudo, ainda, está per­dido. Como dizia aquele velho bor­dão de tan­tas lutas: o povo unido jamais será vencido!

Abdon Mar­inho é advo­gado.

SIN­HOZ­INHO MALTA VER­SUS ZECA DIABO

Escrito por Abdon Mar­inho


SINHOZ­INHO MALTA VER­SUS ZECA DIABO.

Por Abdon Marinho.

TODOS já sabiam que não acon­te­ceria boa coisa no dia em que Sin­hoz­inho Malta encon­trasse com Zeca Diabo. Habi­tando tem­pos e espaços difer­entes – emb­ora per­sonas inter­pre­tadas por um mesmo artista –, poucos acred­i­tavam que tal encon­tro um dia viesse acon­te­cer.

Pois é, mas o impon­derável acon­te­ceu e Sin­hoz­inho Malta cru­zou com Zeca Diabo, não em Sucu­pira do Norte ou Asa Branca, mas onde ninguém esper­ava: no sertão do Ceará, em Sobral, municí­pio de pop­u­lação esti­mada em cerca de 200 mil habi­tantes.

A essa altura o leitor já deve ter perce­bido que tratarei do assunto que domi­nou as “rodas políti­cas” nos últi­mos dias: o “inci­dente” envol­vendo o senador Cid Gomes (PDT/​CE) e os poli­ci­ais mil­itares do Ceará que se encon­tram “amoti­na­dos” há alguns dias.

O leitor mais atento já deve ter bus­cado saber que os dois per­son­agens antagôni­cos que emprestam nome à pre­sente crônica fazem parte do pan­teão da dra­matur­gia brasileira, ambos inter­pre­ta­dos pelo bril­hante Lima Duarte, nas obras inesquecíveis do não menos bril­hante Dias Gomes: O Bem Amado e Roque San­teiro.

Tenho por certo que o leitor já deve ter iden­ti­fi­cado a quem cabe cada um dos papéis.

Antes de prosseguir com a crônica esclareço que esta­mos diante de uma comé­dia (ou tragé­dia) de erros na qual nen­hum dos lados tem razão. A polí­cia mil­i­tar, proibida pela Con­sti­tu­ição da República de fazer “greve” e o senador cearense que não tinha nada com a história.

Dito isso, cabe anal­isar os fatos.

A primeira per­gunta que fiz ao saber que um senador avançou com uma car­regadeira con­tra cidadãos tendo estes pronta­mente reagido a “bala” foi: o que o senador tinha com o prob­lema?

Até onde se sabe o senador está licen­ci­ado do Senado para tratar de inter­esses pes­soais – registre-​se, sem remu­ner­ação.

O senador não ocupa qual­quer cargo no gov­erno do Ceará, menos ainda, algum rela­cionado à segu­rança pública ou qual­quer outro que lhe per­mi­tisse ir tratar com os poli­ci­ais amoti­na­dos. Ainda que fosse, pelo que vimos, o senador seria a der­radeira pes­soa para tratar de qual­quer nego­ci­ação com quem quer que seja.

Alguém sabe dizer se já viu algum nego­ci­ador chegar para nego­ci­ação “armado” com uma car­regadeira e ameaçar “ir para cima” das pes­soas com quem se deseja nego­ciar? Acho que só no Ceará dos Fer­reira Gomes.

Quer me pare­cer que o senador licen­ci­ado, pela desen­voltura com que agiu, é uma espé­cie de “Sin­hoz­inho Malta” do Ceará, não é autori­dade, mas age como se fosse, saiu do cargo de gov­er­nador há mais de cinco anos, mas a “gov­er­nança” não saiu dele.

Ora, tal qual o per­son­agem do fol­hetim, parece ou se investe de mais autori­dade que o gov­er­nador do estado. Se brin­car, quando vai ao palá­cio do gov­erno cearense o gov­er­nador Camilo San­tana (PT) lhe cede a cadeira de gov­er­nador, assim como fazia o seu Flor, de Asa Branca, quando o Sin­hoz­inho Malta chegava a prefeitura.

Emb­ora pareça óbvio é de se per­gun­tar: onde já se viu um cidadão que não tem qual­quer autori­dade no assunto se inve­stir de “nego­ci­ador” e inve­stir com um tra­tor con­tra dezenas de pes­soas?

Não fosse o Brasil uma terra de ficção, era para o “usurpador” da função pública ser chamado às falas pelos dois deli­tos: a usurpação de função pública e por ten­ta­ti­vas múlti­plas de homicí­dios.

Um cidadão comum que bebe, e dirige, se acon­tece um aci­dente de trân­sito tem-​se por certo que ele come­teu um homicí­dio qual­i­fi­cado ou uma ten­ta­tiva, se o “aci­dente” não resulta na morte.

Como qual­i­ficar, difer­ente disso, se o cidadão pega uma car­regadeira ameaça pas­sar por cima das pes­soas e avança com o veículo ao encon­tro das pes­soas só sendo parado à bala?

A ati­tude de sin­hoz­inho Malta do sertão era para ser pronta­mente reprim­ida, era para a polí­cia de ver­dade – não a amoti­nada –, tê-​lo pren­dido em fla­grante delito.

Ainda que o tivesse socor­rido (como se deve), era para tê-​lo lev­ado preso pelos crimes acima descritos.

Outra coisa, essa conta com deslo­ca­men­tos em helicóptero ou out­ros veícu­los, assim como a conta dos hos­pi­tais jamais dev­e­riam ser “espetadas” nas costas dos con­tribuintes.

O senador não estava em uma mis­são ou fazendo algo em inter­esse do país, estava come­tendo crimes.

Não faz sen­tido que o con­tribuinte que não tem nada com as “maluquices” do senador seja chamado para pagar suas contas.

Emb­ora saibamos que tudo se dará ao oposto disso, fica o reg­istro para que pense­mos sobre o assunto.

Noutra quadra, não temos como deixar “vestir” a PMCE no arquétipo de Zeca Diabo, o can­ga­ceiro e mata­dor temido pelo povo, não pelo fato, iso­lado, de haver reagido à bala diante da investida do senador – isso até é defen­sável sob a ótica da legí­tima defesa ou do estado de neces­si­dade –, mas, sim, por des­cuidar do seu papel de pro­te­tora da sociedade e fazer uma greve que é respon­sável pela a vio­lên­cia no Ceará, levando o estado a alcançar índices nunca antes exper­i­men­ta­dos, já tendo ceifado quase cerca de uma cen­tena de víti­mas (ou algo próx­imo disso).

Por mais que os gov­er­nos estad­u­ais, por irre­spon­s­abil­i­dade ou pre­con­ceitos ide­ológi­cos, ten­ham des­cuidado da val­oriza­ção das polí­cias, isso não lhes dá o dire­ito de, na defesa de inter­esses próprios – não dis­cuto se legí­ti­mos ou não –, colo­carem em risco a vida da pop­u­lação, os cidadãos comuns pagadores de impos­tos que sus­ten­tam a todos, gov­er­nantes e poli­ci­ais.

Esses cidadãos comuns, gente com os mes­mos prob­le­mas dos poli­ci­ais, são os que sofrem as con­se­quên­cias do “motim” de poli­ci­ais.

Os gov­er­nantes, as autori­dades a quem se dirigem os protestos estão todos bem guarda­dos em suas man­sões ou aparta­men­tos de alto padrão, com segu­ranças pri­va­dos e diver­sos out­ros itens que os colo­cam a salvo de qual­quer importunação.

São os cidadãos de bem, os homens comuns que estão despro­te­gi­dos e expos­tos à sanha da ban­didagem. São estas as pes­soas que pre­cisam da polí­cia. E, a estas, a polí­cia falha.

A PMCE, demonstrando-​se ingênua e sem instrução – ape­sar de gen­erosa – , tal qual o per­son­agem da ficção, defla­gra e per­siste em um movi­mento que afronta a leg­is­lação vigente, quando pode­ria, por out­ros meios, bus­car a solução para suas deman­das.

Diante do absurdo do que estão fazendo, ape­sar de não tão perto, dev­e­riam descer até o Juazeiro do Norte para pedi­rem perdão ao “Santo Padim Pade Ciço Romão Batista”, como faria, aliás, o ver­dadeiro Zeca Diabo.

Con­flito entre polí­cias e gov­er­nos, sobre­tudo, quando a reação descamba para pre­juí­zos vitais à pop­u­lação é como casa em que falta pão, todo mundo fala e ninguém tem razão.

Abdon Mar­inho é advogado.

O Papa, o pecador e o que nos diz a Bíblia sobre ladrões.

Escrito por Abdon Mar­inho


O PAPA, O PECADOR E O QUE NOS DIZ A BÍBLIA SOBRE LADRÕES.

Por Abdon Marinho.

CON­FORME ampla­mente divul­gado, o ex-​presidente Luís Iná­cio Lula da Silva solic­i­tou – e con­seguiu –, uma audiên­cia com o Papa Fran­cisco. O encon­tro acon­te­ceu na Casa de Santa Marta, den­tro do Estado do Vat­i­cano.

Em um país polar­izado e divi­dido como o Brasil de agora, o encon­tro entre aquele que ainda é o líder mais forte da oposição e Sumo Pon­tí­fice não teria como pas­sar des­perce­bido ou ser tratado com nat­u­ral­i­dade. E não foi.

Pelo lado dos par­tidários do ex-​presidente, seu par­tido e demais adu­ladores o encon­tro segue sendo tratado como uma prova de seu prestí­gio em todos os can­tos do mundo e, até mesmo, um “ateste”, em âmbito inter­na­cional de que ele (Lula) teria sido vítima de uma armação judi­cial que já o con­de­nou a quase três décadas de cadeia, inclu­sive, em segunda e ter­ceira instân­cia – além de uma dezenas de out­ras ações civis e crim­i­nais ainda em curso.

Pelo lado dos opos­i­tores, sobram acusações, até con­tra o Papa Fran­cisco. Acusam-​no de ser “comu­nista”; de acatar como ver­dades as “nar­ra­ti­vas” esquerdis­tas de que o ex-​presidente seria inocente a ponto de acolhê-​lo no piedoso solo do Vat­i­cano; e, ainda, com tal ato ofender a dig­nidade e autono­mia da Justiça brasileira, que jul­gou e con­de­nou o indig­i­tado por crimes de cor­rupção, lavagem de din­heiro e out­ros mais do orde­na­mento penal nacional.

Os ami­gos mais próx­i­mos me inda­garam. Que­riam saber o que achava do encon­tro e das diver­sas nar­ra­ti­vas que povoam as diver­sas mídias.

Noutras cir­cun­stân­cias, caso não tivessem trans­for­mado o país no lab­o­ratório de rad­i­cal­is­mos, o tal encon­tro não teria qual­quer relevân­cia, ape­nas um encon­tro de um fiel e o líder da sua igreja – se for católico –, ou ape­nas uma reunião de um ex-​presidente e o chefe da Igreja Católica, como mil­hares de out­ros encon­tros que acon­te­cem diari­a­mente nas duas situ­ações.

Os papas ao longo dos sécu­los sem­pre tiveram reuniões com líderes políti­cos que ao tér­mino de seus gov­er­nos acabaram por prestar con­tas de seus malfeitos, out­ros tan­tos, acabaram pre­sos ou mor­tos sem que seus povos ten­ham ver­tido lágri­mas.

O inusi­tado, no pre­sente caso, talvez seja o fato do ex-​presidente sair da cadeia – ainda que por uma situ­ação atípica, à espera do trân­sito em jul­gado dos decre­tos con­de­natórios –, e ir ver o Papa.

Ainda que por exer­cí­cio de retórica, talvez sua San­ti­dade, devesse obser­var cer­tas caute­las ao rece­ber deter­mi­na­dos con­de­na­dos e evi­tar, assim, que o seu nome e o da igreja católica seja explo­rado inde­v­i­da­mente em con­tendas política.

Afora isso, não vejo motivos para cen­suras. Mesmo o crim­i­noso mais odi­ento tem o dire­ito a pedir perdão por seus peca­dos a uma autori­dade ecle­siás­tica. Mesmo aos crim­i­nosos mais vio­len­tos não se deve negar o perdão. Este é um dos sen­ti­dos do cris­tian­ismo.

O saudoso Papa João Paulo II não ape­nas rece­beu o ter­ror­ista que aten­tou con­tra a sua própria vida como o per­doou. E achamos aquele gesto nobre.

Quando me per­gun­taram o que achava do encon­tro, a primeira lem­brança que me socor­reu foi aquela que aprendi nas aulas de cate­cismo, no Evan­gelho de São Lucas.

Conta-​nos tal Evan­gelho:

E, quando chegaram ao lugar chamado a Caveira, ali o cru­ci­ficaram, e aos malfeitores, um à dire­ita e outro à esquerda.

E dizia Jesus: Pai, perdoa-​lhes, porque não sabem o que fazem. E, repartindo as suas vestes, lançaram sortes.

E o povo estava olhando. E tam­bém os príncipes zom­bavam dele, dizendo: Aos out­ros salvou, salve-​se a si mesmo, se este é o Cristo, o escol­hido de Deus.

E tam­bém os sol­da­dos o escarne­ciam, chegando-​se a ele, e apresentando-​lhe vinagre.

E dizendo: Se tu és o Rei dos Judeus, salva-​te a ti mesmo.

E tam­bém por cima dele, estava um título, escrito em letras gre­gas, romanas, e hebraicas: ESTE É O REI DOS JUDEUS.

E um dos malfeitores que estavam pen­dura­dos blas­fe­mava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-​te a ti mesmo, e a nós.

Respon­dendo, porém, o outro, repreendia-​o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação?

E nós, na ver­dade, com justiça, porque recebe­mos o que os nos­sos feitos mere­ciam; mas este nen­hum mal fez.

E disse a Jesus: Sen­hor, lembra-​te de mim, quando entrares no teu reino.

E disse-​lhe Jesus: Em ver­dade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.

E era já quase a hora sexta, e houve trevas em toda a terra até à hora nona, escurecendo-​se o sol;

E rasgou-​se ao meio o véu do templo.

E, cla­mando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.” Lucas 23:3346.

O ladrão a quem Jesus Cristo per­doou os peca­dos era Dimas, que a Igreja Católica fez Santo.

São Dimas fez-​se santo por ter recon­hecido os seus peca­dos, suas fal­has, e o arrependi­mento ver­dadeiro fez Jesus per­doar os seus peca­dos e a levá-​lo con­sigo ao paraíso, pouco antes de expirar.

O outro ladrão, o que não se arrepen­deu e ainda escarneceu do sofri­mento de Jesus, não se sabe onde foi parar.

O ex-​presidente Lula, como o ladrão que escarneceu de Jesus, pedindo que sal­vasse a si mesmo e a ele tam­bém, ao menos pub­li­ca­mente, nunca recon­heceu seus peca­dos ou fal­has, pelo con­trário, diz-​se a alma mais pura “deste país”.

Terá recon­hecido ao Papa Fran­cisco e pedido perdão?

É de São Tiago o ensi­na­mento: “Por­tanto, con­fessem os seus peca­dos uns aos out­ros e façam oração uns pelos out­ros, para que vocês sejam cura­dos”. Tiago 5:16.

O padre Antônio Vieira, no seu ‘Ser­mão do Bom Ladrão” trata com pré­cisão da sal­vação do ladrão Dimas ao traçar um para­lelo à promessa de sal­vação feita a Zaqueu, diz-​no o sábio pároco: “Assim como Cristo, Sen­hor nosso, disse a Dimas: Hodie mecum eris in Par­adiso: Hoje serás comigo no Paraíso — assim disse a Zaqueu: Hodie salus domui huic facta est (Lc. 19,9): Hoje entrou a sal­vação nesta tua casa. — Mas o que muito se deve notar é que a Dimas prometeu-​lhe o Sen­hor a sal­vação logo, e a Zaqueu não logo, senão muito depois. E por que, se ambos eram ladrões, e ambos con­ver­tidos? Porque Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que resti­tuir o que roubara; Zaqueu era ladrão rico, e tinha muito com que resti­tuir: Zacheus prin­ceps erat pub­li­cano­rum, et ipse dives, diz o evan­ge­lista (2). E ainda que ele o não dis­sera, o estado de um e outro ladrão o declar­ava assaz. Por quê? Porque Dimas era ladrão con­de­nado, e se ele fora rico, claro está que não havia de chegar à forca; porém Zaqueu era ladrão tol­er­ado, e a sua mesma riqueza era a imu­nidade que tinha para roubar sem cas­tigo, e ainda sem culpa. E como Dimas era ladrão pobre, e não tinha com que resti­tuir, tam­bém não tinha imped­i­mento a sua sal­vação, e por isso Cristo lha con­cedeu no mesmo momento. Pelo con­trário, Zaqueu, como era ladrão rico, e tinha muito com que resti­tuir, não lhe podia Cristo segu­rar a sal­vação antes que resti­tuísse, e por isso lhe dila­tou a promessa. A mesma nar­ração do Evan­gelho é a mel­hor prova desta diferença”.

Em todo o ser­mão de Vieira resta claro que ele não trata de ladrões pobres aque­les que come­tem pequenos deli­tos para saciar a fome ou mesmo de pequenos salteadores, mas, sim aque­les poderosos, aque­les que roubam sem qual­quer con­strang­i­mento ou receio de serem alcança­dos pela lei. Ou aque­les a quem são investi­dos nas admin­is­trações das cidades ou países, a estes, restará a promessa de sal­vação se resti­tuírem o rou­bado, não bas­tando se diz­erem arrepen­di­dos.

Logo, ao sen­hor Lula, não se aplica a situ­ação de Dimas, que por ser pobre foi preso e con­de­nado, mas sim, a situ­ação de Zaqueu, que por ser rico era tol­er­ado e ficava longe do alcance da Justiça.

Assim é o sen­hor Lula, já con­de­nado em dois proces­sos, em quase todas as instân­cias da justiça, per­manece fora do alcance da punição dev­ida, talvez a extinção nat­ural chegue antes de cumprir a pena por seus malfeitos e sem ter resti­tuído o pro­duto do roubo. E, assim, se acred­i­tar na Palavra, não alcançará a sal­vação, difer­ente de Dimas “não será com Ele no Paraíso”.

Como dito ante­ri­or­mente, não vejo nada demais no fato do papa rece­ber o sen­hor Lula, pelo con­trário, rogo que ele tenha aproveitado a defer­ên­cia de sua San­ti­dade para pedir perdão por seus peca­dos.

E, se Papa Fran­cisco, tiver se inspi­rado nos ensi­na­men­tos de Jesus Cristo, ao pecador deve ter dito que a sal­vação só virá com expi­ação dos peca­dos e a resti­tu­ição dos rou­bos prat­i­ca­dos.

Não deixare­mos de ser Cristãos por isso ou ser católi­cos – os que são –, por conta disso. Política e fé não se misturam.

O bom cristão deve se colo­car equidis­tante de questiún­cu­las políti­cas e obser­var o exem­plo do Cristo vivo, daquele que per­doou Dimas, o ladrão pobre, que arrependeu-​se de seus peca­dos e que con­hecera na Cruz; daquele que a Zaqueu condi­cio­nou a sal­vação.

Os homens e suas mis­érias pas­sam. A fé per­manece.

Abdon Mar­inho é advo­gado.