AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

ABORTO, MACONHA E OUT­RAS POLÊMI­CAS (parte 2)

Escrito por Abdon Mar­inho

ABORTO, MACONHA E OUT­RAS POLÊMI­CAS (parte 2).

Por Abdon C. Marinho.

Con­tin­u­ação …

O segundo tema polêmico diz respeito a decisão do STF sobre a maconha.

Mais uma vez o clima de rad­i­cal­ismo extremo tomou conta do debate com cada um pre­gando “sua ver­dade” como se fosse a mesma uma inspi­ração div­ina.

Até mesmo pes­soas que dev­e­riam ter a respon­s­abil­i­dade de esclare­cer os fatos manifestaram-​se para con­fundir e para fazer explo­ração política barata sobre os dra­mas indi­vid­u­ais de mil­hares ou mil­hões de pes­soas.

Depois de 09 (nove) anos de trami­tação o processo de um cidadão apan­hado com uma ínfima quan­ti­dade de entor­pe­cente, suposta­mente, para con­sumo próprio foi jul­gado pelo STF que decidiu fazer uma dis­tinção entre o usuário de dro­gas e o traf­i­cante, esta­b­ele­cendo como lim­ite para a posse, com out­ros fatores, car­ac­ter­i­zadores da condição de usuário e não traf­i­cante 40 gra­mas da erva.

A primeira con­tro­vér­sia esta­b­ele­cida dizia respeito ao suposto fato de que o tri­bunal estaria “leg­is­lando” sobre um tema.

O artigo 5º da Con­sti­tu­ição, em um dos seus incisos esta­b­elece: “XXXV — a lei não excluirá da apre­ci­ação do Poder Judi­ciário lesão ou ameaça a dire­ito”.

Pois bem, tive­mos um cidadão que foi con­de­nado por estar por­tando deter­mi­nada quan­ti­dade de erva, a defesa bus­cou a justiça para, na sua visão, impedir uma lesão ao seu dire­ito à liber­dade, ao meu sen­tir o mais impor­tante.

O que STF fez foi decidir sobre tal assunto. Essa “lacração” dos fal­sos moral­is­tas, a meu sen­tir, é despro­por­cional e desproposi­tada.

Esta­b­ele­cendo, no seu entendi­mento, as bal­izas quanto à definição dos papéis de cada um em relação proces­sual, a corte máx­ima da República esta­b­elece efe­tivi­dade a lei de entor­pe­centes.

A questão da quan­ti­dade de maconha a fazer a dis­tinção é um segundo ponto da con­tro­vér­sia.

Agora bradam que mil­hões de jovens que não tra­bal­ham nem estu­dam, com a suposta “brecha” deix­ada pelo STF vão se dedicar ao trá­fico de peque­nas quan­ti­dades de dro­gas com o argu­mento que se trata de pro­duto para con­sumo próprio.

Não sei se tal argu­mento é fac­tível, mas, mais uma vez, recorre-​se ao antigo bro­cado jurídico que ensina ser mais útil a norma que solta os cul­pa­dos do que aque­las que encar­ce­ram os inocentes.

O prob­lema da falta de per­spec­tiva de mil­hões de jovens tem sua origem na falta de uma edu­cação básica de qual­i­dade que os estim­ulem a desen­volver suas poten­cial­i­dades.

Essa falha é do Estado, mas tam­bém das famílias que os aban­donaram à própria sorte e da sociedade de um modo geral.

Essa “vul­ner­a­bil­i­dade” não é algo que surgiu “do nada”; e a sua solução não se apre­senta de forma tão sim­ples.

As dro­gas, todos sabe­mos, são um fla­gelo para humanidade. Diari­a­mente assis­ti­mos car­reiras destruí­das, famílias destruí­das tanto finan­ceira quanto emo­cional­mente por causa das dro­gas.

Quem já não “perdeu” um amigo, um famil­iar ou um ente querido para as dro­gas? Acred­ito que quase todo mundo. Eu já perdi, e não ape­nas uma pessoa.

Sou, pes­soal­mente, total­mente con­trário ao con­sumo de dro­gas, sejam elas líc­i­tas ou ilíc­i­tas. Não acho saudável que um ser humano seja depen­dente de um vício, qual­quer que seja.

Mas, nem por isso acho que deva­mos fugir ao debate do que é rel­e­vante para a sociedade.

Será que todas as pes­soas que con­somem ou já con­sumi­ram dro­gas são traf­i­cantes? Cer­ta­mente que não.

Então não se deve ter alguma bal­iza dis­tin­guindo um usuário (que muitas das vezes tam­bém é vítima) daquele que é traficante?

Será que tratar e igualar usuários de traf­i­cantes, encarcerando-​os sem qual­quer dis­tinção, não esta­mos favore­cendo o for­t­alec­i­mento do crime organizado?

Outra coisa, esse tipo de estraté­gia não favorece ainda mais o “apartheid” social entre pobres e ricos, bran­cos e pre­tos, bairro nobre e per­ife­ria.

Alguém imag­ina que o rico, o bem nascido, vai amar­gar dias na cadeia porque foi fla­grado com uma poção de dro­gas? Mas o vul­nerável nas mes­mas condições do rico, exceto pela condição finan­ceira, cer­ta­mente pas­sará pou­cas e boas nas celas até que alguém o solte … se soltar.

Imag­inem a situ­ação da família, do pai, da mãe dos irmãos, tios, etc., que já têm de lidar com o ente que faz uso de dro­gas – e isso, como geladeira branca, tem em quase toda casa –, ter que lidar com a situ­ação de encar­cer­ado desse dependente/​usuário.

Faz-​se necessário que as pes­soas apren­dam a colocar-​se na situ­ação do próx­imo: isso chama-​se de empatia.

Assim como sei que não existe pes­soas que sejam favoráreis que engravi­dem com o único propósito de abortarem – mesmo aque­las mul­heres que apelam a tal expe­di­ente o fazem como recurso extremo de deses­pero –, sei, tam­bém, que as pes­soas não se tor­nam depen­dente de alguma droga porque acham “bonito”. Muitos até podem começar assim, mas, depois, muitas das vezes se tor­nam víti­mas e pas­sam por todo tipo de con­strang­i­mento e humil­hação por não con­seguirem se tratar do vício.

A lei igua­lando traf­i­cantes e usuários, como querem muitos, será capaz de fazer esse mila­gre? Acred­ito, mais uma vez, que não.

Quer me pare­cer – mas posso está errado –, que o “fra­casso” do Estado em com­bater o trá­fico e per­mi­tir que as dro­gas invadam as cidades e lares, destru­indo vidas e famílias, tenta com­par­til­har a sua respon­s­abil­i­dade com medi­das repres­si­vas “na ponta” sem atacar o prob­lema na sua origem, na pro­dução e na dis­tribuição das dro­gas.

Ainda daque­las man­hãs na fac­ul­dade trago outro apren­dizado: as leis são feitas e des­ti­nadas aos homens de bem que infe­lic­i­ta­dos por alguma situ­ação come­tem crimes. Essa lei deve ter por norte a punição mas, tam­bém, a recu­per­ação do cidadão.

Indaga-​se, por opor­tuno: o encar­ce­ra­mento de usuários de dro­gas em prisões onde sabe­mos são as “uni­ver­si­dades do crime” dom­i­nadas, com a com­placên­cia do Estado, por facções crim­i­nosas não é a forma mais ráp­ida de se aumen­tar a vio­lên­cia e fornecer “mão de obra” ao crime?

Difer­ente dos sen­hores da razão, que têm respostas para tudo, esses ques­tion­a­men­tos julgo opor­tunos para, ao menos, sus­ci­tar ques­tion­a­men­tos de algum leitor.

Entendo que tanto no caso do aborto quanto no caso da decisão do STF sobre a maconha, como disse no iní­cio, o que pre­cisamos fazer é abrir canais de dis­cussões sobre os temas, sem aço­da­men­tos e sem encará-​los como “dog­mas de fé” ou de “vin­gança” entre as facções políti­cas.

É dizer, você não vai con­seguir impedir que acon­teça abor­tos legais ou clan­des­ti­nos levando quem os prat­ica a cumprirem penas de até vinte anos, antes pre­cisamos fazer um tra­balho sério de pro­teção e edu­cação de nos­sas cri­anças desde o momento pos­sam com­preen­der o que seja um abuso ou uma vio­lên­cia con­tra elas.

Igual modo, não se pode imag­i­nar que encar­cerando alguém que estava fumando ou por­tando um “baseado”, vá se resolver a chaga do trá­fico de dro­gas que infe­licita o país e o mundo.

Em out­ras palavras, pre­cisamos acabar com essa “fulaniza­ção” do debate político no Brasil.

Não pensem, os mais diver­sos lob­bies, envolvi­dos nes­sas pau­tas, muitas vezes para gan­hares seguidores nas redes soci­ais, que estão dando alguma con­tribuição para o Brasil e para a sociedade.

Na ver­dade estão con­tribuindo para obscure­cer um debate sério, insolúvel, até aqui, e que causa bil­hões de pre­juí­zos anual­mente aos países, em per­das finan­ceiras e humanas.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

PS. A imagem é uma das mil­hares que cir­cu­lam na internet.

Aborto, maconha e out­ras polêmi­cas (Parte 1).

Escrito por Abdon Mar­inho


ABORTO, MACONHA E OUT­RAS POLÊMI­CAS (parte 1).

Por Abdon C. Marinho.

OS MAIS sábios que me ante­ced­eram tin­ham por norte uma con­vicção: que a estu­pidez dos seres humanos pareceria-​lhes ilim­i­tada.

Cada vez mais, nos dias atu­ais, os debates eiva­dos de con­vicções inque­bran­táveis dar-​lhes razão.

O Brasil vive, como poucos, esse Fla x Flu de rad­i­cal­is­mos sobre tudo. Até sobre a cor do pavil­hão nacional o debate é inc­on­cil­iável.

O prob­lema em si, nem são as divergên­cias, mas, prin­ci­pal­mente, a qual­i­dade do debate. O cidadão forma sua con­vicção por alin­hamento ide­ológico, reli­gioso ou por qual­quer outro viés e pronto, aquilo se tornou um dogma insuscetível de qual­quer dis­cussão ou pos­si­bil­i­dade de análise por qual­quer outro prisma que não seja o seu.

Muito pior que isso é que para firmar-​se como “certo”, como o “dono da razão” pouco importa falsear a ver­dade ou difundir infor­mações fal­sas.

Como ninguém parece, sequer, inter­es­sado em ouvir out­ros posi­ciona­men­tos ou argu­men­tos dis­crepantes, cheg­amos a situ­ação em que não existe mais debate no Brasil. Cada um faz suas pre­gações para os seus reban­hos (nada a ver com o “gado” de lado a lado) e tenta impor seu ponto de vista, sem con­cessão, aos out­ros.

Veja como é irônico: esta­mos todos tão próx­i­mos uns dos out­ros, com tanto acesso às várias for­mas de comu­ni­cação, mas perdemos a capaci­dade de dialogar e de nos enten­der­mos sobre quais­quer coisas.

Somos um espé­cie de Babel dos tem­pos mod­er­nos.

Em meio a tudo isso – e tam­bém em razão disso –, dois temas viraram motivos para o “cabo de guerra” entre os extremos: a questão do aborto e um jul­ga­mento sobre a descrim­i­nal­iza­ção da posse de até quarenta grama de maconha, para con­sumo próprio, pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Cumpre esclare­cer ao leitor que chegou até aqui que não é minha intenção convencê-​lo de nada (ou mesmo de ten­tar fazer isso) e, menos ainda, con­cor­dar com o posi­ciona­mento for­mado de quem quer que seja.

Nossa intenção é tão somente debater os temas – talvez o mais cômodo fosse ape­nas ficar com o meu próprio ideário a respeito dos mes­mos e guardar pra mim o que penso, mas não é do meu feitio.

Logo que entrei na fac­ul­dade de Dire­ito aprendi com o mestre Alberto Tavares, então lente de Dire­ito Proces­sual Penal que a tudo dev­eríamos anal­isar com grano salis — no sen­tido que nos ensi­nou “com pon­der­ação”, “com parcimô­nia”, com cautela, com uma pitada de sal.

Dos ban­cos da fac­ul­dade, trouxe para a vida tal ensi­na­mento. Vez ou outra, em algum texto ou mesmo dis­cussão com algum amigo, cito a frase do mestre: — cum grano salis doutor. Cum grano salis.

Vejamos o tema do aborto.

O assunto veio à baila depois o pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos aprovou em vinte três segun­dos que um pro­jeto de lei tratando do assunto tivesse urgên­cia na sua trami­tação, ou seja, que fosse para ser votado dire­ta­mente em plenário sem qual­quer dis­cussão nas comis­sões daquela Casa.

Segundo dizem essa votação relâm­pago e com o endosso de quase todos líderes par­tidários seria uma estraté­gia para encur­ralar o gov­erno fed­eral para que o mesmo “mostrasse a cara” em um tema tão sen­sível.

O pro­jeto de lei que ultra­pas­sou quais­quer out­ros temas de urgên­cia na pauta nacional traz de rel­e­vante a equiparação a homicí­dio sim­ples a inter­rupção da gravidez – em qual­quer situ­ação –, após a vigésima segunda sem­ana de ges­tação.

Essa equiparação per­mi­tirá a con­de­nação da mul­her a uma pena de até 20 anos de reclusão. A con­duta mais gravosa do Estatuto Penal é jus­ta­mente o homicí­dio: “Art. 121. Matar alguém: Pena — reclusão, de seis a vinte anos”.

A lei brasileira (e uma decisão do STF) per­mitem o aborto em casos de estupro, de risco de vida para a mãe e no caso de fetos anencé­fa­los. Nesses casos não have­ria lim­i­tação tem­po­ral à prática do aborto.

Caso o pro­jeto de lei seja aprovado as três situ­ações em que é per­mi­tido o aborto, a par­tir da vigésima segunda sem­ana de ges­tação pas­sará a ser con­sid­er­ado homicí­dio sim­ples, com a pena esta­b­ele­cida nos moldes descritos acima.

Con­forme já ampla­mente debatido e exposto, no caso da mul­her (ou menina ou ado­les­cente) que foi estuprada a sua pena por haver prat­i­cado o aborto, em tese, se torna maior do que aquela que seria con­ferida ao estuprador. Vejamos: “Art. 213. Con­stranger alguém, medi­ante vio­lên­cia ou grave ameaça, a ter con­junção car­nal ou a praticar ou per­mi­tir que com ele se pra­tique outro ato libidi­noso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena — reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1º Se da con­duta resulta lesão cor­po­ral de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)”.

Pesquisas mostram que a vio­lên­cia con­tra mul­her, prin­ci­pal­mente, o estupro é uma prática recor­rente com mil­hares acon­te­cendo diari­a­mente.

A essas mul­heres que já sofr­eram (e sofrem) a vio­lên­cia lhes é des­ti­nada uma pena “acessória” de não poder praticar o aborto sob pena de respon­der crim­i­nal­mente por homicí­dio e, se con­de­nadas, cumprir uma pena bem supe­rior ao do estuprador.

E o caso de cri­anças e ado­les­centes que são estupradas den­tro da própria casa e que, por medo, ver­gonha, e out­ros con­strang­i­men­tos só vão saber que estão grávi­das após o lapso tem­po­ral, tam­bém serão obri­gadas a serem mães quando, sequer, tiveram o dire­ito de serem filhas?

E caso da gravidez que rep­re­senta um risco de morte para mãe e esse risco só foi detec­tado já após a vigésima segunda sem­ana ou mesmo no momento parto, os médi­cos estarão obri­ga­dos a per­mi­tir a morte da mãe para sal­var o filho?

E o caso dos fetos anencé­fa­los detec­ta­dos tam­bém após a vigésima segunda sem­ana, as mães e famílias tam­bém serão obri­gadas? Com qual suporte do estado?

Mil­hares de estupros são cometi­dos diari­a­mente, muitos nos seios das famílias, das esco­las, das igre­jas, nos lugares onde cri­anças e ado­les­centes (e tam­bém as mul­heres) dev­e­riam ser pro­te­gi­das – e não são.

Mil­hares de meni­nas de 10, 11, 12, 13 anos (até menos) são vio­len­tadas diari­a­mente neste país, repito, den­tro de casa, den­tro de esco­las, de igre­jas, etc. na maio­ria das vezes esses estupros é abu­sos são cometi­dos por pes­soas de “den­tro” de casa. Indago essas meni­nas, abu­sadas, ameaçadas, se engravi­dam até sem saber, desco­bre a gravidez, se praticar o aborto, vão respon­der ao ato infra­cional (no caso a par­tir dos 12 anos), cor­re­spon­dente ao homicí­dio sim­ples e ficarem “encar­cer­adas” por três anos?

A situ­ação toda me parece absurda do ponto de vista de que os nos­sos rep­re­sen­tantes igno­ram real­i­dades bási­cas da vida dos cidadãos comuns. Não sabem o que falam, não tem con­hec­i­mento das difi­cul­dades que passa a pop­u­lação.

Cerca de um mil­hão de abor­tos são cometi­dos anual­mente, muitos em situ­ações de insalu­bri­dade e de risco para quem os prat­ica.

Vejam, não estou esta­b­ele­cendo um juízo de valor sobre as coisas, mas, entendo, que assun­tos sérios, de inter­esses da sociedade, não podem sem aprova­dos como “moedas de chan­tagem política”, sem que dep­uta­dos e senadores se dêem ao tra­balho de “estu­darem”, em pro­fun­di­dade, todos os impactos do que estão aprovando.

Outro dia, vi de uma dep­utada, sub­scritora do referido pro­jeto dizer que ela imag­i­nava que o mesmo iria pro­te­ger as mul­heres.

Isso uma das autoras do pro­jeto que não se deu o tra­balho de antes de colo­car sua assi­natura saber que o que estava fazendo. Assi­nou com base em suas con­vicções pes­soais, seus dog­mas reli­giosos, o alin­hamento ao seu grupo político.

Ora, isso não está certo, não é admis­sível que os rep­re­sen­tantes do povo tomem decisões que impacta a vida e a liber­dade de pes­soas basea­dos em seus dog­mas de fé, nos seus pre­con­ceitos ou no disse o pas­tor ou o padre de seus púl­pi­tos.

Con­tinua …

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Inimi­gos íntimos.

Escrito por Abdon Mar­inho


Inimi­gos ínti­mos.

Por Abdon C. Mar­inho.

UM DOS BIÓ­GRAFOS do pres­i­dente amer­i­cano Roo­sevelt (Franklin Delano Roo­sevelt, 18821945) assen­tou que naquele dia 08 de dezem­bro de 1941, quando fez o céle­bre «Dis­curso da Infâmia», no qual disse: «Ontem, 7 de dezem­bro de 1941uma data que viverá na infâmia—os Esta­dos Unidos da América foram repentina e delib­er­ada­mente ata­ca­dos pelas forças navais e aéreas do Império do Japão», para em seguida declarar a guerra aquele país, a maior difi­cul­dade do longevo pres­i­dente (o único a ser eleitos qua­tro vezes pres­i­dente), não fora uma coisa ou outra, mas, sim, “cam­in­har” do lugar onde descera do carro até atrav­es­sar o plenário do Con­gresso Amer­i­cano, onde faria o dis­curso e declararia a guerra.

Roo­sevelt, no iní­cio dos anos 1920, adquiriu uma doença par­al­isante dos mem­bros infe­ri­ores na época diag­nos­ti­cada como poliomielite ou par­al­isia infan­til (muito emb­ora já fosse adulto). Essa doença o impe­dia de andar e, por muito pouco, não o impediu de seguir a car­reira política, vindo a eleger-​se senador, gov­er­nador de Nova Iorque e, a par­tir de 1932, eleito pres­i­dente por qua­tro vezes.

Para os padrões da época não se afig­u­rava de “bom tom” que um pres­i­dente andasse em uma cadeira de rodas e, muito menos, que fosse “declarar guerra” demon­strando tal frag­ili­dade em sua saúde. Naquela época, quando o mundo não era trans­mi­tido ao vivo, o fato do pres­i­dente de uma das maiores potên­cias mundi­ais ser par­alítico (ou cadeirante) não era de domínio público – o sis­tema eleitoral amer­i­cano com eleições indi­re­tas, con­tribuiu para isso.

O desafio de cam­in­har até o local do dis­curso foi ven­cido pelo pres­i­dente que usando órtese nas duas per­nas con­seguiu manter-​se em pé e, com um dos fil­hos de um lado e um aju­dante de ordens de outro lhe ampara­ndo e segu­rando para não cair con­seguiu chegar até a tri­buna do Con­gresso Amer­i­cano.

Por esses dias divulguei umas fotografias de um atendi­mento no hos­pi­tal Sarah de São Luís, refer­ên­cia em orto­pe­dia.

Como sabem, tenho um inimigo íntimo. Na ver­dade, uma inimiga.

Essa inimiga não me larga de forma alguma e já me acom­panha há mais de cinco décadas.

Se a con­vivên­cia com quem é pos­sível separar-​se nas difi­cul­dades já é com­pli­cado imag­ine con­viver com uma inimiga de quem jamais poderá afastar-​se, como naque­les casa­men­tos de out­rora em o padre dizia: — até que a morte os sep­are.

No meu caso, talvez até dure um pouco mais. Rsrs.

Quando nos con­hece­mos, por assim dizer, já andava e cor­ria por todos os lados. Ela veio com tudo e, lit­eral­mente, “deixou-​me de qua­tro”, con­forme já con­tei noutras par­a­gens.

Foi um encon­tro avas­sal­ador que quase me fez sucumbir – por muito pouco, se não tivesse sido a inter­venção dos médi­cos, que aler­taram que não mais voltaria a andar.

Menino teimoso, cri­ado solto pelo campo, desafiei o vat­icínio. Voltei a engatil­har e depois a andar, a cor­rer, a brin­car, a levar uma vida nor­mal den­tro das lim­i­tações que me eram impostas.

Na ado­lescên­cia, já na cap­i­tal, per­cor­ria quase todos lugares do cen­tro, fosse nas ativi­dades de lazer, fosse nas ativi­dades de tra­balho, fosse na mil­itân­cia dos movi­men­tos políti­cos.

Mais adulto fre­quen­tava a fac­ul­dade depois de um dia inteiro de tra­balho e de pegar qua­tro con­duções, duas pra ir, duas pra voltar, como dizia a música.

A car­reira me levou a andar mais, a per­cor­rer quase todo o estado (e o país) dor­mindo aqui aman­hecendo acolá, o tempo todo, pois já se vão quase 30 anos de lutas.

A minha condição física nunca me impediu de fazer nada. Talvez de esquiar nos Alpes, de sur­far no Havaí, de escalar o monte Ever­este.

Mas fiz diver­sas out­ras coisas.

Diria que durante muitos anos tive uma con­vivên­cia “pací­fica” com a minha inimiga íntima.

Há cerca de vinte anos ela voltou a me provo­car, a per­tur­bar o que estava sossegado. Não dire­ta­mente, mas através de seus emis­sários. Como dizem: o Diabo quando não vem, mand o secretário.

Naquela opor­tu­nidade pro­curei a rede Sarah pela primeira vez e, para garan­tir algum con­forto para as ativi­dades do dia a dia, me foi recomen­dado o uso de uma ben­gala.

As out­ras opções de trata­mento – que na ver­dade mino­rariam ou adi­ariam a situ­ação –, me pare­ce­ram dolorosas e/​ou custosas.

Emb­ora fosse, dig­amos, “com­plexo” aceitar o uso da ben­gala por quem estava acos­tu­mado a fazer todas as ativi­dades sem neces­si­dade desse tipo de apoio, pro­curei “encarar” como um mal necessário e até ele­gante.

Em 2004, quando pro­curei o Sarah pela primeira vez, a sín­drome pós-​pólio (SPP), que acred­ito seja o meu quadro, pelo menos, em diver­sas car­ac­terís­ti­cas é com­patível, somente foi incluída no Catál­ogo Inter­na­cional de Doenças (CID 2010) em 2010, graças a um tra­balho desen­volvido por pesquisadores brasileiros da UNIFESP.

Há cerca de cinco anos, aprox­i­mada­mente, voltei a sen­tir nova­mente (ou aumen­tar) uma fraqueza mus­cu­lar, um descon­forto ao andar e um agrava­mento nas dores do pé dire­ito, que ficou mais “virado” e provoca dores mais fortes ao andar.

Uma queda “do nada” acen­deu o sinal de alerta para o que pode­ria estar acon­te­cendo.

Foi essa situ­ação, aliás, seu agrava­mento que me levou ao Sarah nos últi­mos dias.

Novas radi­ografias mostraram uma piora nas defor­mações dos pés e per­nas em relação aque­las que foram tiradas em 2004.

A recomen­dação é que passé a usar órtese nas duas per­nas para esta­bi­lizar os pés e evi­tar as dores e, quem sabe, depois vir a fazer uma ou mais a cirur­gias para recolo­car as coisas nos lugares.

No dia que fiz a pub­li­cação que pre­ocupou os ami­gos sin­ceros tinha ido lá para fazer os moldes para as órte­ses recomen­dadas.

Claro, além do uso da órtese para evi­tar as dores ao cam­in­har, ter­e­mos que retomar com mais dis­ci­plina a fisioter­apia e os exer­cí­cios físi­cos.

Não é nada que não pos­samos fazer depois de ter­mos ven­cido tan­tas batal­has.

Minha irmã caçula me man­dou men­sagem pre­ocu­pada por ter visto as fotografias: — me conte tudo. Pediu.

Após fazer o relato do que se pas­sava fechei a con­versa mais ou menos assim: — não se pre­ocupe, minha irmã. E veja pelo lado bom, agora você terá um irmão que será quase um “homem biônico”. Rsrs.

No mais, é vida que segue. Como dizia o poeta no canto de morte do guer­reiro (que não é o caso, longe disso): “sou bravo, sou forte, sou filho do norte”.

É isso.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.