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Inimi­gos íntimos.

Escrito por Abdon Mar­inho


Inimi­gos ínti­mos.

Por Abdon C. Mar­inho.

UM DOS BIÓ­GRAFOS do pres­i­dente amer­i­cano Roo­sevelt (Franklin Delano Roo­sevelt, 18821945) assen­tou que naquele dia 08 de dezem­bro de 1941, quando fez o céle­bre «Dis­curso da Infâmia», no qual disse: «Ontem, 7 de dezem­bro de 1941uma data que viverá na infâmia—os Esta­dos Unidos da América foram repentina e delib­er­ada­mente ata­ca­dos pelas forças navais e aéreas do Império do Japão», para em seguida declarar a guerra aquele país, a maior difi­cul­dade do longevo pres­i­dente (o único a ser eleitos qua­tro vezes pres­i­dente), não fora uma coisa ou outra, mas, sim, “cam­in­har” do lugar onde descera do carro até atrav­es­sar o plenário do Con­gresso Amer­i­cano, onde faria o dis­curso e declararia a guerra.

Roo­sevelt, no iní­cio dos anos 1920, adquiriu uma doença par­al­isante dos mem­bros infe­ri­ores na época diag­nos­ti­cada como poliomielite ou par­al­isia infan­til (muito emb­ora já fosse adulto). Essa doença o impe­dia de andar e, por muito pouco, não o impediu de seguir a car­reira política, vindo a eleger-​se senador, gov­er­nador de Nova Iorque e, a par­tir de 1932, eleito pres­i­dente por qua­tro vezes.

Para os padrões da época não se afig­u­rava de “bom tom” que um pres­i­dente andasse em uma cadeira de rodas e, muito menos, que fosse “declarar guerra” demon­strando tal frag­ili­dade em sua saúde. Naquela época, quando o mundo não era trans­mi­tido ao vivo, o fato do pres­i­dente de uma das maiores potên­cias mundi­ais ser par­alítico (ou cadeirante) não era de domínio público – o sis­tema eleitoral amer­i­cano com eleições indi­re­tas, con­tribuiu para isso.

O desafio de cam­in­har até o local do dis­curso foi ven­cido pelo pres­i­dente que usando órtese nas duas per­nas con­seguiu manter-​se em pé e, com um dos fil­hos de um lado e um aju­dante de ordens de outro lhe ampara­ndo e segu­rando para não cair con­seguiu chegar até a tri­buna do Con­gresso Amer­i­cano.

Por esses dias divulguei umas fotografias de um atendi­mento no hos­pi­tal Sarah de São Luís, refer­ên­cia em orto­pe­dia.

Como sabem, tenho um inimigo íntimo. Na ver­dade, uma inimiga.

Essa inimiga não me larga de forma alguma e já me acom­panha há mais de cinco décadas.

Se a con­vivên­cia com quem é pos­sível separar-​se nas difi­cul­dades já é com­pli­cado imag­ine con­viver com uma inimiga de quem jamais poderá afastar-​se, como naque­les casa­men­tos de out­rora em o padre dizia: — até que a morte os sep­are.

No meu caso, talvez até dure um pouco mais. Rsrs.

Quando nos con­hece­mos, por assim dizer, já andava e cor­ria por todos os lados. Ela veio com tudo e, lit­eral­mente, “deixou-​me de qua­tro”, con­forme já con­tei noutras par­a­gens.

Foi um encon­tro avas­sal­ador que quase me fez sucumbir – por muito pouco, se não tivesse sido a inter­venção dos médi­cos, que aler­taram que não mais voltaria a andar.

Menino teimoso, cri­ado solto pelo campo, desafiei o vat­icínio. Voltei a engatil­har e depois a andar, a cor­rer, a brin­car, a levar uma vida nor­mal den­tro das lim­i­tações que me eram impostas.

Na ado­lescên­cia, já na cap­i­tal, per­cor­ria quase todos lugares do cen­tro, fosse nas ativi­dades de lazer, fosse nas ativi­dades de tra­balho, fosse na mil­itân­cia dos movi­men­tos políti­cos.

Mais adulto fre­quen­tava a fac­ul­dade depois de um dia inteiro de tra­balho e de pegar qua­tro con­duções, duas pra ir, duas pra voltar, como dizia a música.

A car­reira me levou a andar mais, a per­cor­rer quase todo o estado (e o país) dor­mindo aqui aman­hecendo acolá, o tempo todo, pois já se vão quase 30 anos de lutas.

A minha condição física nunca me impediu de fazer nada. Talvez de esquiar nos Alpes, de sur­far no Havaí, de escalar o monte Ever­este.

Mas fiz diver­sas out­ras coisas.

Diria que durante muitos anos tive uma con­vivên­cia “pací­fica” com a minha inimiga íntima.

Há cerca de vinte anos ela voltou a me provo­car, a per­tur­bar o que estava sossegado. Não dire­ta­mente, mas através de seus emis­sários. Como dizem: o Diabo quando não vem, mand o secretário.

Naquela opor­tu­nidade pro­curei a rede Sarah pela primeira vez e, para garan­tir algum con­forto para as ativi­dades do dia a dia, me foi recomen­dado o uso de uma ben­gala.

As out­ras opções de trata­mento – que na ver­dade mino­rariam ou adi­ariam a situ­ação –, me pare­ce­ram dolorosas e/​ou custosas.

Emb­ora fosse, dig­amos, “com­plexo” aceitar o uso da ben­gala por quem estava acos­tu­mado a fazer todas as ativi­dades sem neces­si­dade desse tipo de apoio, pro­curei “encarar” como um mal necessário e até ele­gante.

Em 2004, quando pro­curei o Sarah pela primeira vez, a sín­drome pós-​pólio (SPP), que acred­ito seja o meu quadro, pelo menos, em diver­sas car­ac­terís­ti­cas é com­patível, somente foi incluída no Catál­ogo Inter­na­cional de Doenças (CID 2010) em 2010, graças a um tra­balho desen­volvido por pesquisadores brasileiros da UNIFESP.

Há cerca de cinco anos, aprox­i­mada­mente, voltei a sen­tir nova­mente (ou aumen­tar) uma fraqueza mus­cu­lar, um descon­forto ao andar e um agrava­mento nas dores do pé dire­ito, que ficou mais “virado” e provoca dores mais fortes ao andar.

Uma queda “do nada” acen­deu o sinal de alerta para o que pode­ria estar acon­te­cendo.

Foi essa situ­ação, aliás, seu agrava­mento que me levou ao Sarah nos últi­mos dias.

Novas radi­ografias mostraram uma piora nas defor­mações dos pés e per­nas em relação aque­las que foram tiradas em 2004.

A recomen­dação é que passé a usar órtese nas duas per­nas para esta­bi­lizar os pés e evi­tar as dores e, quem sabe, depois vir a fazer uma ou mais a cirur­gias para recolo­car as coisas nos lugares.

No dia que fiz a pub­li­cação que pre­ocupou os ami­gos sin­ceros tinha ido lá para fazer os moldes para as órte­ses recomen­dadas.

Claro, além do uso da órtese para evi­tar as dores ao cam­in­har, ter­e­mos que retomar com mais dis­ci­plina a fisioter­apia e os exer­cí­cios físi­cos.

Não é nada que não pos­samos fazer depois de ter­mos ven­cido tan­tas batal­has.

Minha irmã caçula me man­dou men­sagem pre­ocu­pada por ter visto as fotografias: — me conte tudo. Pediu.

Após fazer o relato do que se pas­sava fechei a con­versa mais ou menos assim: — não se pre­ocupe, minha irmã. E veja pelo lado bom, agora você terá um irmão que será quase um “homem biônico”. Rsrs.

No mais, é vida que segue. Como dizia o poeta no canto de morte do guer­reiro (que não é o caso, longe disso): “sou bravo, sou forte, sou filho do norte”.

É isso.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

E aí, agora vai?

Escrito por Abdon Mar­inho


E aí, agora vai?

Por Abdon C. Marinho.

CONTA a lenda que em 2008 Jack­son Lago, gov­er­nador eleito em 2006, decidira pelo apoio ao ex-​governador João Castelo para prefeito da cap­i­tal. Castelo vinha de um histórico de der­ro­tas para car­gos majoritários: perdeu em 1986, para Cafeteira; perdeu em 1990, para Lobão; perdeu em 1994, a dis­puta para o Senado; perdeu a eleição para a prefeitura de São Luís em 1996 e 2000, para o próprio Jack­son; perdeu em 2004, para Tadeu Palá­cio; e, perdeu nova­mente para o Senado em 2006.

Daria um artigo inter­es­sante descorti­nar as moti­vações que levaram o ex-​governador a decidir-​se pelo apoio não ape­nas para um adver­sário con­tra o qual dis­putara algu­mas eleições, mas alguém que sem­pre estivera no campo oposto ao dele – mas isso é assunto para outro momento.

Deci­dido o apoio, como fazer para tornar a cam­panha vito­riosa? Após relutân­cias decidi­ram con­tratar a con­sul­to­ria de um dos papas do mar­ket­ing politico do Brasil: Duda Men­donça. Convidaram-​no para vir ao Maran­hão para con­hecer o can­didato e “tro­car” ideias com o comando da cam­panha e os “patroci­nadores” do pro­jeto.

No cam­inho entre o aero­porto e local da reunião o expe­ri­ente mar­queteiro ia inda­gando sobre o novo cliente, quem era, como era, etc. Tendo sido infor­mado que o can­didato ao longo da vida polit­ica tinha uma “boa largada”, mas que acabava per­dendo no final, “não chegando”.

Ouvindo isso, o mar­queteiro disse: Ah, mas agora vai.

Assim, no banco de um carro nascia um slo­gan de uma cam­panha vito­riosa, que levou o ex-​governador, ex-​senador, ex-​deputado, ex-​prefeito, ao seu último mandato majoritário, uma vez que em 2012, quando ia para reeleição perdeu para o então dep­utado fed­eral Edi­valdo Holanda Júnior, elegendo-​se em 2014, dep­utado fed­eral, exercendo o cargo até dezem­bro de 2016, quando veio a falecer.

A história é bem inter­es­sante e mere­ce­dora de reg­istros, já que não con­stam dos livros, mas ficará, como já dito, para outro momento, para o pre­sente texto, só nos servirá aquele mote de cam­panha, o “Agora vai”.

As diver­sas mídias divul­garam e o gov­erno fes­te­jou com fogos de artifí­cios a aprovação da Zona de Proces­sa­mento de Expor­tação — ZPE a ser imple­men­tada em Bacabeira.

Tem-​se razão para fes­te­jar.

Trata-​se de um alento visto que na mesma sem­ana, quase que simul­tane­a­mente, foram divul­ga­dos, pela ONU, os dados do desen­volvi­mento humano do mundo com o nosso estado, mais uma vez, fig­u­rando na “rabeira”, com indi­cadores abso­lu­ta­mente incom­patíveis com as poten­cial­i­dades que pos­suí­mos.

Na mesma linha dos números acacha­pantes, artigo do econ­o­mista Abdalaziz San­tos traz os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Con­tínua), do IBGE, divul­gada recen­te­mente, mostrando que o Maran­hão é o único estado da fed­er­ação com renda média infe­rior a R$ 1.000,00 e que tal renda é 47% (quarenta e sete por cento) infe­rior a renda média do país.

Muito emb­ora o próprio econ­o­mista ressalte não serem tais números fru­tos de um único gov­erno e ser incré­dulo quanto a uti­liza­ção de um pro­jeto de inves­ti­mento inten­sivo de cap­i­tal como solução para ala­van­car o desen­volvi­mento do estado mostrando de forma téc­nica suas razões diz não ser con­tra os mes­mos, lis­tando, além da ZPE, a Fer­rovia Açailândia-​Alcântara; o Ter­mi­nal Por­tuário de Alcântara …

O pen­sa­mento de Aziz San­tos cor­rob­ora com o que já dizia o engen­heiro e político Domin­gos Fre­itas Diniz (Araioses, 1933, São Luís, 2021), que foi severo crítico dos chama­dos, por ele, “enclaves econômi­cos” como solução para o desen­volvi­mento do estado.

Diniz citava como exem­plo de “enclaves econômi­cos”, a ALUMAR, prometida no iní­cio dos anos oitenta com a “redenção” do Maran­hão ou mesmo a antiga Com­pan­hia Vale do Rio Doce — CVRD, que depois de pri­va­ti­zada, “virou” ape­nas vale.

Os números que nos são rev­e­la­dos ano após ano com­pro­vam o acerto dos prognós­ti­cos de San­tos e Diniz em relação ao equívoco desse mod­elo de desenvolvimento.

Tanto San­tos como Diniz defen­dem como ponto de par­tida para o desen­volvi­mento do estado o inves­ti­mento nas poten­cial­i­dades region­ais.

Emb­ora me fil­iando ao entendi­mento de que pre­cisamos de um plane­ja­mento estratégico que vise o desen­volvi­mento das diver­sas regiões do estado como forma de ala­van­car o cresci­mento da nossa econo­mia acred­ito que podemos “tra­bal­har” de forma integrada aliando os grandes pro­je­tos econômi­cos ao cresci­mento das econo­mias dos municí­pios.

Uma frase no artigo de San­tos que me chamou a atenção, foi quando disse que o preço de son­har grande e son­har pequeno é o mesmo.

Sem­pre tive o “defeito” de son­har grande. Imag­ino o quanto de bene­fí­cios – se bem con­duzi­dos –, seria trans­for­mar o Golfão Maran­hense em mon­u­men­tal entre­posto com­er­cial com os trens e navios trazendo e levando riquezas para todo o mundo.

Trata-​se de um sonho muito grande? Talvez, mas os chama­dos “tigres asiáti­cos” não con­seguiram? Por que não con­seguiríamos também?

Vimos muitos daque­les países mudarem total­mente suas real­i­dades em duas décadas, no máx­imo, três décadas.

Nações que foram destruí­das na Segunda Guerra, na Guerra da Cor­eia ou mesmo na Guerra do Vietnã, encon­traram cam­in­hos para o desen­volvi­mento e, já fazem décadas, são mod­e­los.

Mesmo nações que não pos­suem ter­ritórios supe­ri­ores ao da Ilha do Maran­hão, se tornaram potên­cias.

Sem­pre me inqui­etou o baixo desen­volvi­mento do nosso estado.

Os pro­je­tos que são apre­sen­ta­dos e não saem do papel ou que são usa­dos pelos “esper­tal­hões” para se darem bem.

No iní­cio dos anos 2000 “inven­taram” que o nosso desen­volvi­mento viria com o trans­for­mação de São Luís e Rosário em Pólos Têx­teis – emprés­ti­mos foram feitos em nome de pes­soas sim­ples que devem até hoje; depois veio o Refi­naria de Bacabeira, que levou muita gente a “apos­tar” suas econo­mias em um pro­jeto que depois foi aban­don­ado, levando pre­juízo e que­bradeira a mil­hares de pes­soas.

Agora é a vez da ZPE de Bacabeira.

Falando com uma lid­er­ança política da região ela me indagou: — doutor, agora é sério?

Quero acred­i­tar que sim. E torço por isso. Acho que é pos­sível con­ju­gar os mod­e­los de desen­volvi­mento, como já disse.

Lá atrás, em 2012/​2013, acred­i­tando nesse propósito per­corri todos os municí­pios do corre­dor da Estrada de Ferro Cara­jás para criar um con­sór­cio inter­mu­nic­i­pal que cobrasse da Vale uma “con­tra­partida” para os municí­pios que só ficavam com os impactos da explo­ração e trans­porte do minério de ferro.

Conseguiu-​se a con­tra­partida em finan­cia­mento para pro­je­tos edu­ca­cionais, de saúde e ger­ação de renda e, ali­ado a isso, ainda, se garan­tiu os roy­al­ties do minério para esses municí­pios.

Pouco tempo depois fui um dos prin­ci­pais entu­si­as­tas do pro­jeto de lei do então senador Roberto Rocha, que cri­ava a Zona de Expor­tação do Maran­hão — ZEMA, que tinha como propósito atrair empre­sas para cap­i­tal e seu entorno, para desen­volvi­mento de pro­du­tos volta­dos a expor­tação aprovei­tando a posição estratég­ica da Ilha do Maran­hão em relação aos diver­sos países da América do Norte, Ásia ou África.

Dizia que aquela (a causa do ZEMA) era uma causa para unir o Maran­hão. O Maran­hão não se uniu e o PL 316/​2015, não sei o fim que levou. Virou essa ZPE?

Com todas as ressal­vas que possa fazer, sou entu­si­asta da ZPE de Bacabeira – e de todos os demais que visem cor­ri­gir as desigual­dades no estado.

Pre­cisamos que tal pro­jeto seja efe­ti­va­mente lev­ado a prática, até para com­pen­sar as frus­trações dos dois pro­je­tos ante­ri­ores. Em out­ras palavras, é pre­ciso “arran­car a cabeça de burro” enter­rada por aqui.

A ZPE de Bacabeira poderá fomen­tar diver­sos eixos de desen­volvi­mento: talvez um novo porto na Baía de São José; talvez uma ponte e uma fer­rovia e rodovia saindo de Bacabeira para a Baix­ada, para aproveitar o TPA de Alcân­tara; talvez novos berços no próprio Porto de Itaqui.

Impor­tante, ainda, do ponto de vista estratégico que o Maran­hão tenha como foco a qual­i­fi­cação de toda pop­u­lação do estado, seja com o obje­tivo de aproveitar as poten­cial­i­dades region­ais, no tur­ismo, no agronegó­cio, nas indús­trias de trans­for­mação, no comér­cio; seja nos grandes empreendi­men­tos tidos como “enclaves”.

Como o atraso não “culpa” de um só gov­erno, o sucesso tam­bém não será, impor­tante é que se comece a fazer alguma coisa.

A per­gunta que pre­cisamos fazer e para a qual pre­cisamos obter uma resposta pos­i­tiva é: E aí, agora vai?

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Ensaio sobre a minha vel­hice ou velho, sim; vel­haco, jamais.

Escrito por Abdon Mar­inho


Ensaio sobre a minha vel­hice ou velho, sim; vel­haco, jamais.

Por Abdon C. Marinho.

EM FRENTE ao espelho, enquanto tirava a barba, con­tem­plava a pas­sagem do tempo. Uma ruga aqui ou ali, que antes não exis­tia, o cabelo já quase total­mente esbran­quiçado, que mesmo o sham­poo espe­cial não con­segue escon­der, esse nariz, que emb­ora nunca tenha sido pequeno, parece ter se avolumado, mesmo as orel­has, que sem­pre servi­ram para nom­i­nar a famosa tribo dos “orel­has lon­gas”, agora, com muito mais pré­cisão jus­ti­fi­cam tal nome.

Estou ficando velho. Não muito (rsrs), mas, estou.

A inex­orável certeza, além dos sinais acima descritos, vem, sobre­tudo, da con­statação de que os anos que ainda tenho pela frente já são bem menos que os já vivi­dos – bem vivi­dos? Não sei.

Por esses dias lia uma mag­ní­fica entre­vista do can­tor Ney Matogrosso em que ele, do alto dos seus mais de oitenta anos, dizia encarar com serenidade a pas­sagem dos anos e que, como devoto da dout­rina bud­ista, tem por certo que essa é ape­nas uma passagem.

Cré­dulo, tam­bém acred­ito que essa é ape­nas uma pas­sagem das muitas que ainda virão e das que já pas­saram.

A matéria é o pó que ao pó vai retornará mais cedo ou mais tarde. Somos todos iguais na certeza que nada somos além de pó.

Além disso, sem­pre tive como princí­pio que deve­mos envel­he­cer com dig­nidade.

Não falo aqui da dig­nidade mate­r­ial, de se ter como prover o próprio sus­tento sem ser um estorvo ou um fardo aos famil­iares, muito emb­ora o que se ver, na maio­ria das vezes, são os idosos sendo os prove­dores daque­les que dev­e­riam tra­bal­har de forma mais árdua – e, não raro, sendo explo­rados de forma ver­gonhosa por aque­les que teriam a respon­s­abil­i­dade de lhes cuidar e pro­te­ger.

A dig­nidade que desejo tratar é aquela que tem a ver com o caráter humano.

Acred­ito que já são tan­tas as cha­gas a acom­pan­har a vel­hice – na maio­ria das vezes –, que para compensá-​las os idosos dev­e­riam ser oásis de decên­cia, exper­iên­cia e do con­hec­i­mento acu­mu­lado ao longo das décadas.

Os arrou­bos juve­nis, os deslizes ou mes­mos as fal­has cometi­das na juven­tude, ao meu sen­tir, pre­cis­ariam (ou dev­e­riam) se sope­sadas na “bal­ança do tempo” serem infini­ta­mente menores que as qual­i­dades acu­mu­ladas, o caráter con­sol­i­dado, a moral irre­torquível, a honra, em resumo, a dig­nidade do envel­hec­i­mento.

Se, às cha­gas físi­cas da vel­hice ao invés de serem suprim­i­das pela dig­nidade do envel­hec­i­mento forem acresci­das ou ampli­adas às fal­has de caráter, a tor­peza, a avareza, a des­onra, a ambição desme­dida, a inveja, o ódio e tudo mais, ter-​se-​á dado o fra­casso da existên­cia.

Pois, muito emb­ora possa até ter deix­ado for­tuna para a descendên­cia, fra­cas­sou naquilo que ver­dadeira­mente importa, o bom e velho exem­plo e a retidão inspi­radora.

Um dito cor­riqueiro da minha aldeia tinha o seguinte enun­ci­ado: “fulano deu um velho, mas não deu um homem”.

É dizer, na bal­ança do tempo, fulano levou para a vel­hice as mes­mas fal­has de caráter que sem­pre o acom­pan­haram.

Não foi homem na infân­cia, não foi homem na juven­tude, não foi homem maturi­dade e nem o foi ou será homem na vel­hice.

Será um velho, um vel­husco, nunca um homem.

Um bor­dão pop­u­lar nos pro­gra­mas poli­ciale­scos das tardes diz: “os canal­has tam­bém envel­he­cem”. Isso para aque­les que con­seguem chegar à vel­hice.

E essa é a mate­ri­al­i­dade daquilo para os a vida não teve qual­quer ser­ven­tia: viver e mor­rer como um canalha. Velho ou novo, tenho a canal­hice na própria som­bra.

Vejam o quanto de des­perdí­cio, uma vida inteira de canal­hice.

Foi com o meu pai, homem sim­ples, rude, agricul­tor e com­er­ciante, anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira que aprendi que mesmo aquele nada tem a deixar aos seus, dev­e­riam ter como pre­ocu­pação a her­ança do bom exem­plo.

Esse apren­dizado tem me acom­pan­hado e servido ao longo da vida. Diante das situ­ações em que “atal­hos” aparentam ser o certo, lembro-​me me dele para dizer: — me des­culpe, tenho mas família grande.

O envel­he­cer com dig­nidade é saber que o brilho do ouro jamais poderá ofus­car a limpi­dez de uma con­sciên­cia tran­quila.

A arte de envel­he­cer tem esse sig­nifi­cado: você ser capaz de dis­cernir o que vale você acrescer a sua “bolsa” daquilo que você poderá acrescer ao seu caráter.

Um dos livros que mais mar­caram minha infância/​juventude foi “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Nele, no funesto trato, todas as vila­nias e tor­pezas do per­son­agem eram mar­cadas no retrato e ao cabo de tudo quando ele foi olhar aquele que um dia fora o mais belo quadro só restava uma mon­stru­osi­dade tão dis­forme que ele não con­seguia olhar (não darei spoiler do suce­dido). Leiam, o livro é uma inspi­ração para os jovens.

Desde então – e com o pas­sar dos anos –, cada vez mais tornei-​me obcecado pela arte de envel­he­cer com dig­nidade.

Talvez o justo receio de como serão as encar­nações futuras de que tratam o espiritismo e algu­mas religiões ori­en­tais; talvez pela fé Cristã que nos traz a promessa de um Juízo Final onde todos serão jul­ga­dos; talvez pelo desejo de hon­rar os meus.

Nunca me assus­tou o “envel­he­cer”, ape­nas os que mor­rem cedo não terão tal priv­ilé­gio. Min­has rugas, min­has cha­gas, o nariz ou o par de orel­has que nomeiam com orgulho nossa tribo, são o teste­munho de uma existên­cia.

O que sem­pre me assus­tou foi a des­onra, ser tido como mau caráter, embusteiro, canalha, vagabundo, leviano, malan­dro, cafu­mango, des­ocu­pado, lus­tra, par­a­sita, saranda, vadio, ximbo, volúvel, etcetera.

Esse pavor me con­duz ao tra­balho árduo, a cri­ação, à dis­posição e à inspi­ração. A não perder meu meu tempo com o que não vale a pena.

Quando chegar a hora – espero que demore –, jamais darei deter­mi­nadas ousa­dias. Velho, sim, cer­ta­mente, serei – e com orgulho; vel­haco, jamais.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor, cro­nista.